Hércules Rodrigues de Oliveira - Professor universitário, mestre em administração
Estado de Minas 18/11/2009
Nicolau Copérnico, astrônomo polonês, ousou imaginar um universo contradizendo a Igreja Católica, à época, bastião de todo o conhecimento do mundo ocidental. Vivia-se a plenitude da Idade Média, onde segundo ele, Copérnico, o Sol estava no centro do universo e os planetas giravam ao seu redor. A ideia, herética, tirava da Terra o pensamento da perfeição divina, pois ele ia de encontro ao geocentrismo (o planeta como centro do universo). Ousar duvidar da Igreja era o caminho mais rápido de chegar ao Santo Ofício, cuja missão principal seria eliminar o mal e santificar a terra pela prática beatificada da tortura. Mais tarde, Galileu Galilei comprovou que o Sol era o centro do universo – heliocentrismo –, mas teve, em 1633, de negar formalmente suas descobertas sob pena de excomunhão e morte pela Santa Inquisição.
Num salto gigante pela história, vimos a Operação Satiagraha (em sânscrito, Satya significa verdade e agraha, firmeza), conduzida pelo Departamento de Polícia Federal, que pôs a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no centro de um turbilhão político nacional em que diversos atores do alto escalão do governo atuaram de diferentes formas, resultando na saída de mais um delegado de polícia do comando da agência, destituição injusta de diretores e exposição irresponsável de oficiais e agentes operacionais de inteligência. Junta-se a tudo isso a propaganda da mídia dando notícia do enfraquecimento da Abin – que é o centro do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) – ,até então, segunda ela, a mídia, o centro das irregularidades, pois assim foi dito pelo guardião da Constituição e pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Curioso e, ao mesmo tempo, notável é que exatamente no centro do furacão é que a tempestade é mais calma. Mas a história é recorrente. Se assim foi com Galileu, com a Abin não seria diferente, e a participação da inteligência se tornou uma verdade inconveniente.
A sociedade assistiu no horizonte à tempestade que chegou e que somente agora começa a se dissipar, mas deixando janelas quebradas. Certamente que muitos ensinamentos deverão ficar do lamentável episódio, caso contrário, não valeu a pena tanto desgaste. Mas, como todo filme de faroeste – o nosso caboclo –, eis que chegou a cavalaria, representada pelo Ministério Público Federal (MPF), por intermédio da Procuradoria-Geral da República, que arquivou o inquérito que investigava a existência de crime na participação de agentes operacionais da Abin na Operação Satiagraha. A verdade continuará na firmeza de seu propósito pela busca da justiça (Satiagraha!). O MPF legitimou o Sisbin e, por corolário, a presença dos oficiais e agentes de inteligência da Abin, que é o centro do Sisbin: “Se todos, consequentemente, são responsáveis pela segurança pública, inclusive os cidadãos – que, por isso mesmo, podem prender alguém em flagrante delito –, muito mais poderão fazê-lo outros órgãos e instituições, em cooperação com a própria polícia”, disse o subprocurador-geral da República Wagner Gonçalves. Malgrado tudo isso, conclui-se que houve mais baixas para os “mocinhos” do que nas hordas dos malfeitores.
Mas, como vimos, a história precisa e deve ser sempre revisitada. Surge outra questão envolvendo a Abin. O centro também das atenções e de outras intenções. Divulga-se que, depois de todo esse imbróglio, que a Abin perdeu poder. Qual poder ela persegue? O órgão de inteligência brasileiro é uma instituição de assessoramento direto ao chefe de governo. A Abin não é órgão de execução dos planos do poder central. De seus quadros não emergem políticos para compor o Legislativo, nem tampouco participa da partilha dos recursos financeiros do Orçamento da União, para beneficiar redutos eleitorais, pois não os tem. Sua função é identificar ameaças e oportunidades para o Estado brasileiro nas diversas áreas do conhecimento, bem como salvaguardar o conhecimento sensível que interessa a este Estado proteger e neutralizar ações adversas de inteligência estrangeira em território nacional.
Entretanto, é contumaz encontrar matérias jornalísticas dando notícia sobre a reunião do Conselho de Defesa Nacional (CDN), convocada pelo presidente Lula para discutir a proposta da Política Nacional de Inteligência (PNI), fruto do trabalho do Comitê Ministerial instituído pela Presidência da República e coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ressalte-se que será o PNI quem orientará as ações do Sisbin, que elegeu como ameaças à sociedade e ao Estado a espionagem, a sabotagem, os ataques cibernéticos, o terrorismo e a criminalidade organizada, definindo os limites de atuação de setores de inteligência, seja de Estado, defesa nacional, segurança pública ou econômico-financeira. Na reunião do CDN, não foram discutidas alterações à Lei 9.883/99, que instituiu o Sisbin e pôs a Abin como órgão central do sistema.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
A Crise da Inteligência
Artigo de André Soares, publicado no jornal Estado de Minas – 04/05/09.
Quando um Presidente da República, diante de graves ameaças e vulnerabilidades ao Estado democrático e à sociedade, determina a apuração rigorosa de sérias irregularidades, bem como o afastamento imediato do Diretor-Geral, do Diretor-Geral Adjunto e do Diretor de Contra-Inteligência, do principal Serviço Federal de Inteligência Nacional; trata-se, indubitavelmente, de uma situação gravíssima.
O Brasil vive, atualmente, a maior e pior crise institucional de inteligência da sua história. As apurações realizadas pela chamada CPI dos Grampos ( relatório CPI - clique aqui) e as conclusões apontadas no relatório do inquérito da Polícia Federal ( inquérito PF - clique aqui) sobre as ações patrocinadas pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), em sua participação na operação Satiagraha, comprovam não apenas o cometimento de práticas deletérias denominadas de “ações paralegais” pelo presidente da CPI, como revelam o total descontrole do Estado Brasileiro sobre a ABIN.
A ABIN, em apenas nove anos de sua existência, caracteriza-se por uma sucessão de escândalos e crises institucionais de âmbito nacional e internacional, cujas sérias conseqüências já implicaram, neste curto período, a nomeação e exoneração de cinco Diretores-Gerais; estando, agora, a sociedade brasileira a assistir a nomeação do sexto Diretor-Geral da ABIN, em menos de dez anos da sua criação.
O alcance da atual crise de inteligência assume proporções mais alarmantes em nível nacional porquanto a ABIN é também o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN); cuja interação com uma miríade de agências de inteligência nacionais é realizada a pretexto de uma “cooperação sigilosa de troca de informações”, que as investigações da Polícia Federal revelaram ocorrer de forma oficiosa e clandestina.
Um festival de ilegalidades e mentiras é o que se apurou sobre a participação da ABIN na operação Satiagraha. Constatou-se a atuação ilegítima de quase uma centena de agentes, muitos dos quais completamente despreparados, com emprego de material e recursos financeiros, aquiescida pelo seu Diretor-Geral que, perante a CPI dos Grampos, afirmou o contrário. Diversos dirigentes foram desmascarados em suas inverdades, como o Diretor de Contra-Inteligência e o Chefe de Operações da Superintendência do RJ. Foi descoberta a introdução clandestina de agentes, dentro das instalações do serviço de inteligência da Polícia Federal, utilizando-se de senhas de terceiros para acessar interceptações telefônicas sigilosas, protegidas pelo sistema “Gardião”.
Este é o quadro que está minuciosamente detalhado no relatório do inquérito da Polícia Federal, confirmado por irrefutáveis elementos de autoria e materialidade, inclusive com o envolvimento da Diretoria de Operações de Inteligência - setor mais sigiloso e sensível da ABIN – cujo próprio Diretor teve participação pessoal em ações que estão diretamente vinculadas ao vazamento de informações sigilosas.
Diante dessa grave conjuntura, mais importante que a nomeação do próximo ex-diretor da ABIN é o real enfrentamento das verdadeiras origens dessa problemática e o combate aos verdadeiros inimigos do estado. O ensejo da elaboração da nova Política Nacional de Inteligência, determinada pelo Presidente da República, é a excelente oportunidade para a sociedade brasileira enfrentar a premência de intervenções cirúrgicas urgentes na estruturação da Inteligência de Estado do país, notadamente na ABIN, cuja “enfermidade” já ameaça a “saúde” dos Poderes da República.
Esta missão extrapola as atribuições do Poder Executivo Federal, requerendo o concurso de toda a estrutura estatal, especialmente da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional (CCAI), do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal, dos Ministérios Públicos Estaduais, do Tribunal de Contas da União, dos Tribunais de Contas dos Estados, do Poder Legislativo, da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Poder Executivo, e da Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (CISET).
Parafraseando uma citação supostamente atribuída ao General Goubery do Couto e Silva, que teria afirmado “não imaginar o monstro que havia criado”, ao se referir ao extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), do qual foi um dos principais idealizadores; esta afirmação revela-se mais aplicável a ABIN do que supomos. A degeneração dessa instituição, nascida no contexto democrático, vem sendo a olhos vistos demonstrada, seja pelo recurso a métodos ilegais de investigação, seja pelo desvio de sua finalidade institucional. Tal estado de coisas coloca em risco o fim maior a que se destina o órgão máximo da inteligência de estado no país, e, porque não dizer, o próprio país.
Ou abre-se um debate público sobre essa questão ou a história nos cobrará um alto preço por nossa omissão.
http://www.inteligenciaoperacional.com/index.php?option=com_content&view=article&id=49&Itemid=47
Quando um Presidente da República, diante de graves ameaças e vulnerabilidades ao Estado democrático e à sociedade, determina a apuração rigorosa de sérias irregularidades, bem como o afastamento imediato do Diretor-Geral, do Diretor-Geral Adjunto e do Diretor de Contra-Inteligência, do principal Serviço Federal de Inteligência Nacional; trata-se, indubitavelmente, de uma situação gravíssima.
O Brasil vive, atualmente, a maior e pior crise institucional de inteligência da sua história. As apurações realizadas pela chamada CPI dos Grampos ( relatório CPI - clique aqui) e as conclusões apontadas no relatório do inquérito da Polícia Federal ( inquérito PF - clique aqui) sobre as ações patrocinadas pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), em sua participação na operação Satiagraha, comprovam não apenas o cometimento de práticas deletérias denominadas de “ações paralegais” pelo presidente da CPI, como revelam o total descontrole do Estado Brasileiro sobre a ABIN.
A ABIN, em apenas nove anos de sua existência, caracteriza-se por uma sucessão de escândalos e crises institucionais de âmbito nacional e internacional, cujas sérias conseqüências já implicaram, neste curto período, a nomeação e exoneração de cinco Diretores-Gerais; estando, agora, a sociedade brasileira a assistir a nomeação do sexto Diretor-Geral da ABIN, em menos de dez anos da sua criação.
O alcance da atual crise de inteligência assume proporções mais alarmantes em nível nacional porquanto a ABIN é também o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN); cuja interação com uma miríade de agências de inteligência nacionais é realizada a pretexto de uma “cooperação sigilosa de troca de informações”, que as investigações da Polícia Federal revelaram ocorrer de forma oficiosa e clandestina.
Um festival de ilegalidades e mentiras é o que se apurou sobre a participação da ABIN na operação Satiagraha. Constatou-se a atuação ilegítima de quase uma centena de agentes, muitos dos quais completamente despreparados, com emprego de material e recursos financeiros, aquiescida pelo seu Diretor-Geral que, perante a CPI dos Grampos, afirmou o contrário. Diversos dirigentes foram desmascarados em suas inverdades, como o Diretor de Contra-Inteligência e o Chefe de Operações da Superintendência do RJ. Foi descoberta a introdução clandestina de agentes, dentro das instalações do serviço de inteligência da Polícia Federal, utilizando-se de senhas de terceiros para acessar interceptações telefônicas sigilosas, protegidas pelo sistema “Gardião”.
Este é o quadro que está minuciosamente detalhado no relatório do inquérito da Polícia Federal, confirmado por irrefutáveis elementos de autoria e materialidade, inclusive com o envolvimento da Diretoria de Operações de Inteligência - setor mais sigiloso e sensível da ABIN – cujo próprio Diretor teve participação pessoal em ações que estão diretamente vinculadas ao vazamento de informações sigilosas.
Diante dessa grave conjuntura, mais importante que a nomeação do próximo ex-diretor da ABIN é o real enfrentamento das verdadeiras origens dessa problemática e o combate aos verdadeiros inimigos do estado. O ensejo da elaboração da nova Política Nacional de Inteligência, determinada pelo Presidente da República, é a excelente oportunidade para a sociedade brasileira enfrentar a premência de intervenções cirúrgicas urgentes na estruturação da Inteligência de Estado do país, notadamente na ABIN, cuja “enfermidade” já ameaça a “saúde” dos Poderes da República.
Esta missão extrapola as atribuições do Poder Executivo Federal, requerendo o concurso de toda a estrutura estatal, especialmente da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional (CCAI), do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal, dos Ministérios Públicos Estaduais, do Tribunal de Contas da União, dos Tribunais de Contas dos Estados, do Poder Legislativo, da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Poder Executivo, e da Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (CISET).
Parafraseando uma citação supostamente atribuída ao General Goubery do Couto e Silva, que teria afirmado “não imaginar o monstro que havia criado”, ao se referir ao extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), do qual foi um dos principais idealizadores; esta afirmação revela-se mais aplicável a ABIN do que supomos. A degeneração dessa instituição, nascida no contexto democrático, vem sendo a olhos vistos demonstrada, seja pelo recurso a métodos ilegais de investigação, seja pelo desvio de sua finalidade institucional. Tal estado de coisas coloca em risco o fim maior a que se destina o órgão máximo da inteligência de estado no país, e, porque não dizer, o próprio país.
Ou abre-se um debate público sobre essa questão ou a história nos cobrará um alto preço por nossa omissão.
http://www.inteligenciaoperacional.com/index.php?option=com_content&view=article&id=49&Itemid=47
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