quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Passo em falso

Folha de São Paulo 24/09/09

ELIANE CANTANHÊDE


BRASÍLIA - Quis o destino (essa é boa, hein?) que a derrota do candidato apoiado pelo Brasil à direção-geral da Unesco saísse na imprensa internacional justamente no dia em que Lula subia à tribuna para abrir a Assembleia Geral da ONU deste ano, em Nova York.

E exatamente quando o Brasil se debate na armadilha de abrigar o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na embaixada em Tegucigalpa. Ele não tem para onde ir, e o Brasil não tem para onde correr. Impasse puro.

Ok que o discurso de Lula na ONU foi sóbrio e sólido. Ok que não havia outra alternativa senão abrir as portas para Zelaya. Mas Lula e o Brasil poderiam muito bem ter passado sem essa, de mais uma derrota para organismos internacionais. O espaço é curto para relacionar as anteriores.

O pior é que o governo jogou para o alto dois bons candidatos "made in Brasil", o atual vice-diretor da entidade, Márcio Barbosa, que chegou a colecionar uma penca de apoios internacionais, e o ex-ministro e atual senador Cristóvam Buarque, do PDT. E, em vez de ganhar ou perder com um dos seus, perdeu apoiando um egípcio com a má fama de racista, antissemita.

Esse apoio foi uma decisão com ares oportunistas, mas que teve um efeito bumerangue e veio bater na testa do governo brasileiro. O Planalto empurra a culpa para o Itamaraty, o Itamaraty devolve para o Planalto, mas o fato -sempre ele, o fato- é que o governo decidiu dividir aqui, internamente, para tentar somar lá, externamente, com o mundo árabe. Conclusão: irritou aqui, perdeu lá. A conta não fechou.

Ganhou a búlgara Irina Bokova, de origem pessoal e familiar no antigo comunismo, e por mais que o Brasil desdenhe, dizendo que o cargo nem é lá essas coisas, ele é, sim. A Unesco é o braço da ONU para educação, ciência, cultura, tecnologia, todas essas áreas que remetem ao futuro e que deixam o Brasil tão cara a cara com o atraso.

Ação arriscada

O Globo 24/09/09
Merval Pereira

A esta altura dos acontecimentos, parece claro que o governo brasileiro meteu-se em uma séria confusão internacional ao dar apoio a uma manobra irresponsável do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que visava criar um fato consumado com o retorno a Honduras do presidente deposto Manuel Zelaya. Não está claro se o governo brasileiro participou diretamente da organização do plano de reintrodução de Zelaya em seu país, mas é difícil acreditar que ele tenha simplesmente “se materializado” na embaixada brasileira, segundo definição pitoresca de um funcionário diplomático.

Como o deposto presidente chegou à fronteira em um avião venezuelano, e o próprio Chávez anunciou com antecedência sua chegada a território hondurenho, o mínimo que pode ter acontecido é Chávez ter criado um fato consumado para o governo brasileiro, colocando o Brasil no centro de uma crise que ele não precisava assumir como parte, mas na qual tinha obrigação de atuar como mediador neutro.

Dando suporte a Zelaya, inclusive permitindo que ele faça de nossa embaixada em Tegucigalpa um palco para suas atividades políticas, numa atitude sob todos os aspectos ilegal à luz do Direito internacional, o governo brasileiro está claramente interferindo na política interna do país, assumindo um papel de potência imperialista que sempre foi evitado por nossa política externa.

Dando a Zelaya um status confuso, de “abrigado” ou “refugiado” em vez de “asilado”, o governo brasileiro permite que ele se aproveite da situação ambígua para atuar politicamente.

Mais uma vez, assumindo a posição de Chávez, o governo brasileiro deixa de ter credibilidade política para negociar como mediador na região que deveria liderar naturalmente.

Pela mesma razão, o Brasil deixou de ser confiável para a Colômbia quando decidiu participar de maneira mais ativa do que deveria de uma ação propagandística de um resgate frustrado da senadora francesa Ingrid Bettancourt, sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Assumindo como uma operação institucional o que não passava de uma farsa, e sobretudo tratando o grupo guerrilheiro como uma força política legal, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, procurava ao mesmo tempo desmoralizar o presidente colombiano, Álvaro Uribe, e fortalecer-se como um canal de negociação eficiente diante da França.

No caso atual, está claro que o presidente Manuel Zelaya, a exemplo de outros governantes da região, como Evo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador, seguindo os passos da “revolução bolivariana” de Chávez, perseguia a mudança da Constituição de seu país em busca da possibilidade de reeleição.

A base teórica da manipulação dos referendos para mudar constituições e dar mais poderes aos presidentes da ocasião é o livro “Poder Constituinte — Ensaio sobre as alternativas da modernidade”, do cientista social e filósofo italiano Antonio (Toni) Negri.

Essa influência foi admitida pelo próprio Chávez em um de seus programas radiofônicos ainda em 2006, quando ele anunciou que estavam entre eles “um filósofo, escritor e ativista italiano, Toni Negri.

(…) Por aqui temos seguido suas teses, Toni Negri: O poder constituinte”.

P a r a N e g r i , “ o p o d e r constituinte é uma potência criadora de ser (...) e apenas o processo constituinte, as dimensões determinadas pela vontade, a luta e a decisão sobre a luta definem os sentidos do ser”.

O filósofo italiano diz que “o medo despertado pela multidão” faz com que o poder constituído queira impedir sua manifestação através da constituinte: “A fera deve ser dominada, domesticada ou destruída, superada ou sublimada”.

Antonio Negri considera que o “poder constituído” procura tolher o “poder constituinte”, limitando-o no tempo e no espaço, enquanto o dilui através das “representações” dos poderes do Estado.

Em uma definição mais popular, Evo Morales diz que se trata de uma nova maneira de governar através do povo.

Defendem, na prática, a “democracia direta”, o fim das intermediações próprias dos sistemas democráticos.

A mania de personalizar o poder, transformando-se em um salvador da pátria que deve permanecer no governo quanto mais tempo possível, para o bem de seu país, não tem ideologias na região.

Também o presidente conservador da Colômbia, Álvaro Uribe, está empenhado em mudar a Constituição através de um plebiscito para poder se candidatar mais uma vez à Presidência.

No caso de Zelaya, no entanto, a gravidade da tentativa foi maior, porque a Constituição hondurenha tem como cláusula pétrea, que não pode ser modificada, a proibição da reeleição. Diz seu artigo 239 que “nenhum cidadão que já tenha ocupado o cargo de chefe do Executivo poderá ser presidente ou vicepresidente”.

O governo Zelaya anunciou que faria uma consulta popular para saber se a maioria queria que, na eleição de novembro, houvesse uma “quarta urna” para convocar uma Assembleia Constituinte.

Aparentemente, não haveria conflito de interesses, pois, se aprovada na eleição, a Constituinte seria convocada sob o comando do novo presidente eleito na mesma ocasião.

Mas, na publicação do decreto, o governo o intitulou como “Consulta de Opinião Pública Convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte”, o que poderia dar margem a que o resultado da consulta, caso favorável, fosse considerado como uma aprovação à convocação imediata da Constituinte.

O Congresso e a Corte Suprema consideraram ilegal a convocação, e Zelaya foi deposto de maneira violenta pelo Exército e enviado à força para o exterior, o que lhe dá o pretexto de se considerar vítima de um golpe de Estado.

O governo brasileiro deveria considerar as especificidades da situação e trabalhar como mediador da crise, e não alimentá-la com uma ação irresponsável, que já está provocando mortes.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Aprendizado de respeito à pátria

Correio Braziliense 23/09/09

CIVISMO

Lei federal determina que escolas públicas ou particulares de todo o país devem realizar sessões semanais em que os alunos cantam o Hino Nacional

Juliana Boechat

Toda segunda-feira, antes de começar a aula nos períodos vespertino ou matutino, os alunos da Escola Classe da 306 Norte se reúnem no pátio para cantar o Hino Nacional. Em filas divididas por turma e organizadas por ordem de tamanho, as crianças da 1ª à 4ª séries se viram para a bandeira do Brasil, estendida por dois colegas. Com a mão direita no peito esquerdo, cantam os versos da música em voz alta acompanhando o ritmo. A prática, comum na escola desde o início do ano, tornou-se obrigatória em todas as instituições públicas ou particulares de ensino fundamental. A regra passou a valer ontem, quando a lei, sancionada na última segunda-feira pelo presidente em exercício, José Alencar, foi publicada no Diário Oficial da União.

A nova regra não mudará a rotina dos alunos da EC 306 Norte. Quando a professora pergunta que dia é segunda-feira, os alunos respondem, em coro: “Dia de hino!”. Logo ficam em posição de sentido para viver o momento cívico. A cada semana, dois alunos são escolhidos pelos professores para segurar a bandeira nacional na frente dos colegas. Os mastros são usados apenas em datas especiais. A escola aproveita a ocasião para mostrar o tema que será abordado ao longo da semana em algumas aulas e apresentações dos alunos. O desta semana foi inclusão social. A aluna do 1º ano Bruna Bueno, 6 anos, ficou responsável pela bandeira pela primeira vez. Cantou o hino inteiro. “Aprendi a cantar em casa, com um livrinho que tem a letra. Acho a hora cívica bem legal”, contou.

O momento cívico partiu de um acordo da diretora, Ana Paula Salim Bastos, com as professoras da escola. “As crianças cantam o hino faça chuva ou faça sol. É sagrado”, contou. Ano passado, as crianças só tinham contato com o hino em datas especiais. A diretora percebeu, quando o projeto foi implantado, que os alunos não respeitavam a hora do Hino Nacional. “Mas hoje sabem manter a postura, que não podem mascar chiclete e como devem se comportar”, explicou. Ana Paula ainda relaciona o interesse dos alunos com a quadra da escola, onde moram alguns militares. “Estão se preparando para o Dia da Bandeira(1). E ainda queremos fazer uma hora cívica aberta à comunidade uma vez por mês. Quem sabe em 2010?”

Há alguns anos, os alunos de escolas públicas e particulares aprendiam, na aula de Ensino Moral e Cívico (EMC), a cantar o Hino Nacional. A disciplina foi extinta e cantar a música símbolo do Brasil em escolas passou a ser opcional. Presidente da Associação de Pais e Mestres da Escola Classe da 114 Sul, Maurício Ferreira Rodrigues, 48 anos, lembra daquela época com saudade. “Toda segunda-feira hasteávamos a bandeira. Ela ficava iluminada (2)até a sexta-feira, quando era arriada”, recordou. Hoje, ele faz questão de ensinar um pouco sobre o assunto para os dois filhos. “Toda criança deve ter a chance de conhecer e divulgar o hino do país. O nosso hino é uma poesia”, finalizou.

Algumas escolas, no entanto, terão de se acostumar com a nova prática. O Centro Educacional Sigma, por exemplo, deverá escolher o dia da semana em que os alunos se reunirão em torno da bandeira para cantar o hino. Procurada pelo Correio, a diretoria da escola não retornou as ligações. O assessor especial da Secretaria de Educação Atílio Mazzoleni garantiu que a rede de ensino obedecerá a nova lei. “Acho importante que as crianças tenham esse exercício de patriotismo, avaliou.



1 - Data nacional

O Dia da Bandeira foi criado em 1889, por um decreto de lei. Como a bandeira do Brasil foi instituída quatro dias após a Proclamação da República, comemora-se em 19 de novembro.





2 - Regras para a bandeira

Segundo o Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas, a bandeira nacional deve ser constantemente iluminada — seja pela luz do sol, durante o dia, ou por uma lâmpada, à noite. Quando hasteada em conjunto, a bandeira nacional deve ser a primeira a chegar ao topo e a última a descer. E somente uma unidade militar pode queimar a bandeira, quando ela estiver suja, velha ou rasgada.



Hino Nacional



Ouviram do Ipiranga às margens plácidas

De um povo heróico o brado retumbante,

E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,

Brilhou no céu da pátria nesse instante.

Se o penhor dessa igualdade

Conseguimos conquistar com braço forte,

Em teu seio, ó liberdade,

Desafia o nosso peito a própria morte!

Ó Pátria amada,

Idolatrada,

Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido

De amor e de esperança à terra desce,

Se em teu formoso céu, risonho e límpido,

A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela própria natureza,

És belo, és forte, impávido colosso,

E o teu futuro espelha essa grandeza.

Terra adorada,

Entre outras mil,

És tu, Brasil,

Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,

Pátria amada,

Brasil!

Deitado eternamente em berço esplêndido,

Ao som do mar e à luz do céu profundo,

Fulguras, ó Brasil, florão da América,

Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Do que a terra, mais garrida,

Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida em teu seio mais amores.

Ó Pátria amada,

Idolatrada,

Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símbolo

O lábaro que ostentas estrelado,

E diga o verde-louro dessa flâmula:

— Paz no futuro e glória no passado.

Mas, se ergues da justiça a clava forte,

Verás que um filho teu não foge à luta,

Nem teme quem te adora, a própria morte.

Terra adorada,

Entre outras mil,

És tu, Brasil,

Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo és mãe gentil,

Pátria amada,

Brasil!

Letra: Joaquim Osório Duque Estrada

Música: Francisco Manuel da Silva

Fonte: Casa Civil, Palácio do Planalto

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Educação e autoridade

Veja
Lya Luft

"Um não na hora certa é necessário, e mais que isso: é saudável e prepara bem mais para a realidade da vida"

Antes de uma palestra sobre Educação para algumas centenas de professores, um jornalista me indagou qual o tema que eu havia escolhido. Quando eu disse: Educação e Autoridade, ele piscou, parecendo curioso: "Autoridade mesmo, tipo isso aqui pode, aquilo não pode?". Achei graça, entendendo sua perplexidade. Pois o tema autoridade começa a ser um verdadeiro tabu entre nós, fruto menos brilhante do período do "É proibido proibir", que resultou em algumas coisas positivas e em alguns desastres – como a atual crise de autoridade na família e na escola. Coloco nessa ordem, pois, clichê simplório porém realista, tudo começa em casa.
Na década de 60 chegaram ao Brasil algumas teorias nem sempre bem entendidas e bem aplicadas. O "é proibido proibir", junto com uma espécie de vale-tudo. Alguns psicólogos e educadores nos disseram que não devíamos censurar nem limitar nossas crianças: elas ficariam traumatizadas. Tudo passava a ser permitido, achávamos graça das piores más-criações como se fossem sinal de inteligência ou personalidade. "Meu filho tem uma personalidade forte" queria dizer: "É mal-educado, grosseiro, não consigo lidar com ele". Resultado, crianças e adolescentes insuportáveis, pais confusos e professores atônitos: como controlar a má-criação dos que chegam às escolas, se uma censura séria por uma atitude grave pode provocar indignação e até processo de parte dos pais? Quem agora acharia graça seria eu, mas não é de rir.

Gente de bom senso advertiu, muitos ignoraram, mas os pais que não entraram nessa mantiveram famílias em que reina um convívio afetuoso com respeito, civilidade e bom humor. Negar a necessidade de ordem e disciplina promove hostilidade, grosseria e angústia. Os pais, por mais moderninhos que sejam, no fundo sabem que algo vai mal. Quem dá forma ao mundo ainda informe de uma criança e um pré-adolescente são os adultos. Se eles se guiarem por receitas negativas de como educar – possivelmente não educando –, a agres-sividade e a inquietação dos filhos crescerão mais e mais, na medida em que eles se sentirem desprotegidos e desamados, porque ninguém se importa em lhes dar limites. Falta de limites, acreditem, é sentida e funciona como desinteresse.

Um não é necessário na hora certa, e mais que isso: é saudável e prepara bem mais para a realidade da vida (que não é sempre gentil, mas dá muita porrada) do que a negligência de uma educação liberal demais, que é deseducação. Quem ama cuida, repito interminavelmente, porque acredito nisso. Cuidar dá trabalho, é responsabilidade, e nem sempre é agradável ou divertido. Pobres pais atormentados, pobres professores insultados, e colegas maltratados. Mas, sobretudo, pobres crianças e jovenzinhos malcriados, que vão demorar bem mais para encontrar seu lugar no grupo, na comunidade, na sociedade maior, e no vasto mundo.

Não acho graça nesse assunto. Meus anos de vida e vivência mostraram que a meninada, que faz na escola ou nas ruas e festas uma baderna que ultrapassa o divertimento natural ao seu desenvolvimento mental e emocional, geralmente vem de casas onde tudo vale. Onde os filhos mandam e os pais se encolhem, ou estão mais preocupados em ser jovenzinhos, fortões, divertidos ou gostosas do que em ser para os filhos de qualquer idade algo mais do que caras legais: aquela figura à qual, na hora do problema mais sério, os filhos podem recorrer porque nela vão encontrar segurança, proteção, ombro, colo, uma boa escuta e uma boa palavra.

Não precisamos muito mais do que isso para vir a ser jovens adultos produtivos, razoavelmente bem inseridos em nosso meio, com capacidade de trabalho, crescimento, convívio saudável e companheirismo e, mais que tudo, isso que vem faltando em famílias, escolas e salas de aula: uma visão esperançosa das coisas. Nesta época da correria, do barulho, da altíssima competitividade, da perplexidade com novos padrões – às vezes confusos depois de se terem quebrado os antigos, que em geral já não serviam –, temos muita agitação, mas precisamos de mais alegria.

Lya Luft é escritora

Em vão, sete ex-diretores da CIA pedem fim de apuração de abusos

Folha de São Paulo 21/09/09

O presidente dos EUA, Barack Obama, disse ontem não ter planos de ordenar o encerramento das investigações sobre abusos cometidos por agentes da CIA em interrogatórios de suspeitos de terrorismo durante o governo de George W. Bush (2001-2009).

Na última sexta-feira, sete ex-diretores da agência de inteligência americana enviaram uma carta ao presidente, alertando-o de que os trabalhos podem desencorajar os agentes a fazer o trabalho necessário para combater o terrorismo. "Na nossa avaliação, assumir tais riscos é vital para o sucesso na longa e difícil luta contra terroristas que continuam a nos ameaçar", disse o texto.

As investigações tiveram início em agosto, quando o secretário da Justiça, Eric Holder, anunciou a criação de um conselho para investigar alegados casos de abuso e maus-tratos de presos, incluindo ameaças de morte e uso de furadeiras.

Para os ex-diretores da CIA, a investigação divulga detalhes sobre os métodos de interrogatório que poderia ajudar a Al Qaeda a driblar esforços de inteligência dos EUA.

Em entrevista à rede CBS, ontem, Obama disse apreciar o fato de os ex-diretores estarem querendo "cuidar de uma instituição que eles ajudaram a construir". "Mas continuo acreditando que ninguém está acima da lei."

O presidente disse que não quer "que ocorra uma caça às bruxas". Mas completou que Holder tem a incumbência de fazer cumprir a lei.

Autoridades, incluindo o ex-vice-presidente Dick Cheney, se defendem, afirmando que os interrogatórios forneceram informações valiosas. Mas entidades de defesa à liberdade civil acusaram o governo Bush de usar a tortura em violação às leis dos EUA e internacionais.

Com agências internacionais

sábado, 19 de setembro de 2009

Súmula distorcida

Estado de Minas 19/09/09

Aviso prévio aos suspeitos pode inviabilizar inquéritos policiais

O Ministério Público Federal (MPF) no Ceará quer que a Polícia Federal avise as pessoas contra as quais tenha aberto investigação ou inquérito policial. Segundo a procuradoria, a medida visa a assegurar o direito à ampla defesa nas investigações, evitando, por exemplo, prisões desnecessárias. De acordo com a recomendação, enviada à Superintendência da PF no estado, a comunicação terá que ser feita por escrito e já no momento da instauração do procedimento ou inquérito. “Sem essa providência, o cidadão fica desamparado do direito à defesa justamente na hora em que mais precisa dele”, afirma o procurador da República Oscar Costa Filho, autor da recomendação. Ele ressalta que a prática tem confirmado essa distorção, já que há registro de casos de pessoas que só tomaram conhecimento das investigações só depois da prisão. A medida, entretanto, foi considerada “exagerada” por alguns advogados criminalistas, para os quais o órgão policial deve respeitar o princípio da ampla defesa, mas também tem que fazer o possível para garantir a produção das provas e o objetivo do inquérito, que é apurar a existência ou não de um crime.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro, aprovou a Súmula Vinculante 14, que garante que advogados tenham acesso a inquéritos policiais que tramitam em segredo de Justiça. Atualmente, depende de cada juiz autorizar a vista dos processos sigilosos aos advogados. A súmula estabelece que os defensores tenham amplo acesso aos elementos de prova já documentados nas investigações, o que significa que uma interceptação telefônica em curso não estará disponível para os advogados. O texto da nova súmula diz que “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

A Procuradoria-Geral da República, em parecer, foi contra a edição, alegando que o acesso ao teor das investigações não deve ser visto como um direito absoluto e ilimitado. “A eventual edição de súmula vinculante provocará, em última análise, obstáculos à efetividade da atividade investigatória em sede de inquérito policial e poderá produzir impunidade de criminosos”, disse o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Há também quem diga que o aviso prévio aos suspeitos pode inviabilizar os inquéritos policiais. Apesar de considerar a súmula muito importante, porque consolidou a ideia de que a ampla defesa deve ser respeitada desde o inquérito, muitos juristas acham que avisar o investigado sobre o inquérito desde o seu início é uma interpretação distorcida, pois até a amplitude da defesa tem limites. Vale dizer que o próprio procurador Costa Filho reconhece que sua tese é minoritária, tendo sido criticada até por colegas do MPF. Embora surpreso com a repercussão do caso, defende a medida sob a alegação de que “não é preciso esperar o direito ser violado para buscar reparação”, admitindo, porém, que “neste país pensar é uma coisa perigosa”. Pelo visto, ele pensou alto e sua recomendação dificilmente emplacará, inclusive no âmbito de sua própria categoria.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Planeta Terra




Está ai, um excelente motivo para (re)pensarmos em nossas atitudes perante essa maravilha de planeta que vivemos!!

Caroline Weber
Consultoria, Assessoria & Planejamento
Jurídico-Ambiental

O espetáculo sórdido da política brasileira - Arnaldo Jabor Jornal da Globo - 26-08-09

Para ter paz, prepare-se para guerra

Jornal do Brasil 17/09/09

Carlos Pereyra Mele


RIO - A frase romana “si vis pacem, para bellum” (se quiser a paz, prepare-se para a guerra) é de Renatus Vegetius, escritor da época do imperador Valentiniano II. Não é uma frase agressiva ou uma ideia expansionista ou imperialista, mas o contrário: para impedir uma guerra ou um país de ser atacado por outro, o melhor é estar bem armado para se defender e não para atacar outras nações. Entende-se, portanto, que quem tem uma boa defesa será respeitado por outras nações que não lhe atacarão.

Esta frase cai muito bem nestes momentos, especialmente depois do dia 7 de setembro de 2009 (Dia da Independência do Brasil), quando o país firmou com o governo da França um acordo estratégico mediante o qual Brasil receberá armamento e tecnologia de ponta para construir um novo sistema de defesa que estará integrado por 36 caças Rafale, 51 helicópteros e cinco submarinos, um deles nuclear, que o porá na vanguarda no continente sul-americano no que se refere ao sistema de defesa. Os equipamentos serão fabricados no Brasil com a transferência de tecnologia da França.

A partir desse momento, surge uma onda de críticas nos meios de comunicação de massa com as matrizes nos Estados Unidos, com argumentos como: corrida armamentista na América do Sul, gastos militares excessivos em uma América com grandes problemas sociais, ou com o argumento falso de um pacifismo hipócrita de que esta corrida armamentista impedirá nossa integração regional.

São os mesmos meios que nada disseram sobre as questões:

Para que os Estados Unidos em 2008 reativaram a IV frota que navega desde as águas do Caribe até nosso mar austral?

Por que incrementar, de forma desmedida, sua presença em nosso continente com novas bases na Colômbia?

Quais são as hipóteses de conflito que os Estados Unidos usam na América do Sul?

O Marechal alemão Von Clausewitz insistia que a guerra moderna é “a continuação da política por outros meios”. Depois da queda do muro de Berlim foi a forma que tomou a política externa dos EUA para controlar o mundo e tentar impor uma unipolaridade sem questionamentos em que tudo giraria de acordo com seus interesses estratégicos (por isso cordão de bases militares tanto no Caribe quanto na América do Sul, assim como no mundo), a instalação das mesmas se realizou sob o argumento de lutar contra o narcotráfico e terrorismo internacional.

Não temos que ser muito perspicazes para entender os objetivos e os destinatários desses movimentos militares com esta manobra estratégica intimidadora, em um continente que tenta não ser mais seu quintal e sobre o qual Washington quer manter o domínio completo e controlar os importantes recursos naturais de que dispomos.

A América do Sul não escolheu suas hipóteses de conflito, elas foram impostas pelo país do norte, já que, em um mundo globalizado, não escapamos do embate entre as potências emergentes e os EUA para estabelecer uma nova ordem mundial multilateral. Muitos analistas americanos importantes já acreditam que a América do Norte começou a derrocada.

E o que mostra este declínio não é tanto o pântano bélico de Iraque e Afeganistão, mas a crise financeira iniciada há um ano com a quebra do banco Lehman Brothers, e que se arrastou para a economia real mundial. E não se sabe como ela será resolvida.

Nesse cenário, o Brasil como potência emergente integrante do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), alcançou certo poder, que não tinha até poucos anos atrás, e para isso desenvolveu uma política externa guiada por uma paciência estratégica; para o Brasil, a capacidade de atuação soberana em uma economia globalizada se reforça no contexto de um bloco regional. O país sabe que, para promover seus valores e objetivos, os melhores aliados são os vizinhos. A partir dessas ideias, o Brasil optou por impulsionar um ambicioso programa de integração regional sulino e latino-americano.

Há poucos dias, dizíamos que o objetivo do Comando do Sul era o Brasil em nossa América do Sul e continuamos acreditando nisso. O Brasil não é apenas o gigante econômico e demográfico de nossa região, mas também alcançou o nível (de poder suave) com o qual se integra a vizinhos e sócios; como também tenta fazer parte do G8 e ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU; com o qual o país é uma séria ameaça às pretensões hegemônicas dos EUA na América do Sul.

O que está em jogo (neste tabuleiro instável que é o mundo de hoje), é a possibilidade de que nosso continente alcance os níveis de poder e soberania necessários para se incorporar à nova ordem mundial em condições de resistência a uma globalização que nos foi imposta e que não nos permitia ter uma importante autodeterminação interna. E neste quadro devemos entender o acordo estratégico firmado por Brasil e França; por aquilo que os clássicos nos ensinaram: se quiser a paz, prepare-se para a guerra.

* Carlos Pereyra Mele é analista político.

Tradução: Victor Barros

Tremores no ensino superior

Folha de São Paulo 18/09/09

ARNALDO NISKIER

Não há mistério quando se busca uma explicação plausível para esses bons resultados: professores altamente qualificados


ENQUANTO ESTÁ na Câmara dos Deputados o anteprojeto de reforma universitária, num texto que está sendo mexido e remexido há quatro anos, o ministro Fernando Haddad concluiu que a versão existente é "bastante acanhada".

Certamente, se aprovada, não levaria a lugar nenhum, se considerarmos as imensas necessidades qualitativas do ensino superior.

É preciso assinalar, no entanto, que há tremores inusitados na base do sistema universitário. Coisa de 6 ou 7 na escala Richter, o que significa que é sentido em todas as latitudes.

Depois de acurada análise da Secretaria Nacional de Ensino Superior do MEC, vários cursos tiveram as suas vagas drasticamente reduzidas, como se estivesse chegando ao fim o tempo do facilitário.

Foi um corte dramático de 2.500 vagas, quase em todos os Estados brasileiros, surpreendendo pela severidade da medida (no bom sentido).

Tomando por exemplo os cursos de enfermagem, serviço social e fisioterapia, aconteceu um verdadeiro festival. Instituições com 500 vagas iniciais tiveram redução para 40, outras com 1.400 foram reduzidas para 630, e assim sucessivamente, pegando até mesmo universidades e centros universitários dos mais famosos.

A tesoura fez um serviço que há tempos se anunciava e que agora, pela coragem dos dirigentes educacionais, tornou-se realidade.

Alguém dirá que houve também uma drástica redução na demanda desses cursos, mas a posse de um número expressivo de vagas era como se fosse uma riqueza inexplorada, à espera de um milagre qualquer.

Há não muito tempo, era possível trocar vagas ociosas por outras em cursos mais procurados, como é o caso da administração. Acabou essa farra, e o MEC está consciente de que deve enxugar as instituições para que elas caiam na realidade da demanda existente ou da sua própria capacidade de assegurar bom ensino a um número determinado de alunos.

Os recentes exames nacionais comprovaram que estamos diante de uma tragédia anunciada. Cerca de 25% de todos os cursos existentes oferecem baixa qualidade (índices 1 e 2), exigindo medidas drásticas para a correção dos seus rumos.

O tempo das vacas gordas, em que o comércio dessa área era próspero e feliz, cedeu espaço a uma nova era, em que a seriedade da missão pedagógica das entidades é primacial. A grande cobrança está sendo feita pela própria sociedade.

Não há como culpar a escola pública ou a particular. Elas se aproximaram em termos de resultados, criando, isto sim, um fosso entre as que se dedicam seriamente ao seu trabalho e as que não têm essa mesma preocupação. O exemplo do Rio de Janeiro é o mais convincente (São Paulo oferece resultados distorcidos em virtude da ausência da USP e da Unicamp nas provas oficiais, por motivos pouco claros).

No Rio, em que se registrou o maior percentual de notas máximas do Enade, destacaram-se a PUC (o que ocorre há muito tempo, pelo seu notório compromisso com a vertente da pesquisa), a Fundação Getulio Vargas, o Ibmec e o Instituto Militar de Engenharia (IME), este aparecendo sete vezes na lista dos melhores cursos do país, especialmente nas áreas de engenharia, computação e informática.

Não há mistério quando se busca uma explicação plausível para esses resultados: professores altamente qualificados.

Ouvimos reclamações de dirigentes universitários: "O MEC está exigindo um número maior de doutores do que determinou a lei de diretrizes e bases da educação nacional".

Ora, se vai ser atribuído um índice ao estabelecimento de ensino, é natural que os da primeira fila sejam aqueles que não se limitaram apenas ao cumprimento formal da lei. Foram além de um terço de mestres ou doutores, o mínimo legalmente exigido. Se 449 cursos estão abaixo dos padrões, é natural que paguem por isso, e o seu destino pode até ser o fechamento, como já aconteceu numa escola superior de Minas Gerais.

ARNALDO NISKIER , 73, é doutor em educação, professor de história e filosofia da educação, membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do Conselho de Administração do Ciee/RJ (Centro de Integração Empresa- Escola).

Lula quer efetivar Trezza no comando da Abin

O Globo 18/09/09

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou mensagem ontem ao Senado indicando Wilson Roberto Trezza ao cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele ocupa o posto interinamente desde setembro do 2008, quando Paulo Lacerda foi exonerado após confusão provocada pelas investigações de uso da Abin para auxiliar as investigações do delegado Protógenes Queiroz contra o banqueiro Daniel Dantas.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Gosto pela democracia

Estado de Minas 17/09/09
EDITORIAL

Sociedade tem o direito de assistir a debates livres

Em meio a questionamentos de deputados e juristas, o Senado Federal votou a reforma eleitoral, “muito longe do ideal” para muitos dos próprios integrantes. Os senadores pautaram a minirreforma pelo relógio e por controvérsias. Duas das suas principais mudanças são as que liberam o uso da internet nas campanhas e que acaba com a eleição indireta no caso de cassação de governadores e prefeitos, marcando-se nova eleição direta em até 90 dias. Também proíbe manipulação de dados e impõe metodologia do IBGE para as pesquisas. Na Câmara dos Deputados, já se fala em veto à candidatura de ficha suja e limitar a web. No Congresso nacional, votação de lei eleitoral foi sempre pautada pela dificuldade de aprovar medidas moralizadoras. Os senadores rejeitaram duas propostas de Eduardo Suplicy (PT-SP) sobre doações de campanha: uma obrigava os partidos, as coligações e os candidatos a divulgar pela internet o número e os valores delas; outra acabaria com as doações escondidas, com a identificação dos doadores, o que demonstra que senadores e deputados tratam essa matéria de acordo com os próprios interesses.

Diante desse quadro, em que a Constituição Federal deverá ser o pêndulo na aprovação de novas regras eleitorais para 2010, é bom lembrar que, paulatinamente, vem diminuindo o número de pessoas que se sentem forçadas a votar nos candidatos a cargos no Legislativo e no Executivo. Anular o voto e votar em branco estão se tornando atitudes politicamente incorretas para a maioria da população brasileira, segundo pesquisa de um instituto paulista. Passados 25 anos do movimento Diretas já, o levantamento revelou que 53% dos entrevistados são favoráveis ao voto obrigatório, contra 42% de 1994, ano da primeira pesquisa sobre o tema. Também constatou que o apoio à democracia atingiu recorde, com 61% dos brasileiros considerando o regime a melhor forma de governo.

Para estudiosos e personalidades, os números mostram a consolidação da democracia, mas ainda existem riscos ao sistema e é preciso aperfeiçoar o controle do financiamento de campanhas, alvo de grandes escândalos depois de 1984, quando, no 430º aniversário de São Paulo, uma multidão de 300 mil pessoas lotou a Praça da Sé, Centro da capital paulista, pelo direito de votar para presidente. Isso deveria servir para a Justiça Eleitoral rever alguns de seus conceitos relativos às restrições que são feitas ao livre debate entre os candidatos na campanha eleitoral, cada vez mais desprovido de críticas ou da revelação de fatos que desabonem o concorrente. Melhor seria uma campanha eleitoral em que se permitisse ao eleitor ter todas as informações sobre aqueles que pedem seu voto. Mas isso só se consegue por meio de um debate livre, que deverá ser a exigência dessa nova classe de eleitorado que faz questão de votar. Que o Congresso vote, pois, uma reforma eleitoral capaz de acatar essa tendência dos cidadãos brasileiros, prenúncio de que o Brasil realmente caminha para ser uma grande nação, sob uma democracia consolidada e respeitada no cenário internacional.

Mundos e fundos

Folha de São Paulo 17/09/09
ELIANE CANTANHÊDE


BRASÍLIA - Antes de comprar, os compradores oferecem mundos e fundos, em preços, condições, manutenção, compensações. A ponto de o comprador pensar: "Daqui a pouco, eu vou receber de graça", como disse Lula sobre a aquisição de 36 caças para a FAB.

Um dos requisitos na seleção é um "offset" (sistema de compensações) de, no mínimo, 100% do preço do negócio. Assim: o Brasil paga por volta de 4 bi (uns R$ 10 bi) pelos aviões. E o vencedor, a França, a Suécia ou os EUA, tem de investir os mesmos 4 bi em programas/ projetos de interesse do desenvolvimento brasileiro.

Essa compensação pode ser comercial, industrial, tecnológica e/ ou em pesquisa. Daí porque, entre outras mil promessas (vãs?), a França anuncia a compra de aviões KC 390 da Embraer, os EUA correm atrás de mais de uma centena de empresas para somar às 27 já listadas como fornecedoras, e a Suécia já levou técnicos da Embraer ao país para "aprender fazendo" e já ir trabalhando na execução do projeto do caça Gripen NG.

Pelos requisitos da FAB, 80% das compensações têm de ser "diretas" -na área militar aeroespacial- e as outras 20% podem ser "indiretas" -em qualquer outra área, até investimento em pesquisas universitárias ou troca de estudantes.

Para dourar sua pílula, como todos os três concorrentes finais fazem, os EUA computam até investimentos em pesquisa e produção de biocombustíveis, uma área e uma palavrinha apetitosas para a opinião pública dos dois países.

Depois vem o final da concorrência, e é aí que o comprador cai na real e vê que, entre discurso e prática, promessa e realidade, há o céu e uma velocidade supersônica -em sentidos contrários.

Passam o primeiro, o segundo, o décimo ano, e quem vai lá conferir se o que estava escrito era para valer, ou só para brasileiro crer?

Isso sem falar na tal "transferência de tecnologia"...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Inhotim, lugar de diversidade

Estado de Minas 16/09/09

Ana Lúcia Almeida Gazzola - Diretora-executiva do Instituto Inhotim

Diante do cenário de uma globalização acelerada, é recorrente o risco de uma homogeneização generalizada, com as habituais características predatórias e amplamente favorecedoras da desigualdade entre as nações. Se qualquer homogeneização significa empobrecimento da experiência, quando se estende ao campo da cultura e das dimensões simbólicas, os seus efeitos são devastadores. A necessária resistência a esta tendência e a reafirmação do direito à diversidade é, em nosso entendimento, uma luta inadiável e um item constitutivo de um humanismo contemporâneo.

Veio em boa hora o Seminário Regional Interculturalidade e Diversidade Cultural, realizado no início de agosto e organizado pelo Instituto Internacional da Unesco para Educação Superior na América Latina e no Caribe (Iesalc) e pelo Instituto Inhotim. O encontro ocupou-se de uma pauta cuja importância não cessa de crescer. Reunindo professores, pesquisadores e gestores de Instituições de Ensino Superior da América Latina e do Caribe, o encontro foi marcado não apenas pela defesa da diversidade, mas pelo reconhecimento de que a excelência acadêmica e a qualificação das instituições universitárias são inseparáveis da sensibilidade para com o entorno a que pertencem e por sua capacidade de propor agendas de investigação consonantes com o que as cerca. O papel das universidades, dada sua relação com o conhecimento e a cultura, dificilmente pode ser exagerado. Quando alicerçada na riqueza do campo simbólico, a diversidade ganha imediata amplitude social e passa a contar com recursos decisivos para se opor às tentativas de diluição das identidades. Currículos e formações, problemas e desafios, campos de investigação e estruturas institucionais, cada um destes itens deve levar em conta o enriquecimento proveniente da atenção à diversidade. É preciso corrigir a insistência dos que opõem o local e o global e ver aí, em vez do lugar de uma exclusão, uma oportunidade de mútua alimentação e, por que não, de um círculo virtuoso.

O Instituto Inhotim, ao organizar e sediar o seminário, confirma seu alinhamento com a defesa da diversidade. Quando propôs como agenda do seminário a visita aos quilombolas no entorno de Brumadinho, onde já trabalha há bastante tempo, Inhotim viu uma oportunidade de aproximar duas frentes de trabalho. De um lado, os responsáveis por programas universitários associados a populações indígenas e afrodescendentes e, de outro, comunidades cuja luta em defesa dos valores que sustentam sua identidade é continuada. O trabalho com os quilombolas, em Sapé e Marinhos, comunidades próximas à sede do instituto, é parte nuclear das tarefas do Inhotim e tem lugar por meio de uma presença constante, da continuidade ao longo de um tempo já grande e da persistência cuidadosa e delicada no enfrentamento dos eventuais conflitos que atestam o respeito a tudo o que se põe em jogo numa experiência intercultural. Certamente, o encontro entre as comunidades quilombolas e os integrantes do seminário confirmou que uma mesma luta, sempre a favor do ideal do direito à diversidade, pode ser conduzida a partir de frentes e instrumentos distintos.

Em todos os domínios de sua atividade, da arte ao meio ambiente, da gestão do conhecimento aos programas de inclusão e cidadania, Inhotim está atento ao que singulariza as sociedades do nosso tempo, a brasileira, especialmente. Ao mesmo tempo em que a exclusão social, marca histórica da sociedade brasileira, vai sendo mitigada e à medida que agentes tradicionalmente excluídos dos benefícios do desenvolvimento passam a ter voz mais ativa, devemos lutar, aqui e ali, nos territórios a que pertencemos, pela remoção dos obstáculos que impedem uma circulação mais livre, diversificada e generosa dos bens, materiais ou imateriais, tangíveis e intangíveis. Nossos programas voltados para a escola pública, que trouxeram aproximadamente 18 mil escolares a Inhotim em 2008; nossos programas educativos em arte e meio ambiente; a aproximação tão inédita entre os dois parques; o de arte contemporânea e o de meio ambiente; o entendimento da arte como leitura privilegiada da contemporaneidade; a responsabilidade por programas de gestão ambiental; e o crescimento exponencial do número de visitantes indicam o compromisso do Instituto Inhotim com a criação de um espaço sempre mais público e sempre mais generoso. Ou, o que é a mesma coisa, o compromisso com um mundo sempre mais diverso e respeitoso da diferença, e que possa ser, por isso mesmo, um mundo onde todos se reconheçam.

Não vi. Não sei. Não fiz

Correio Braziliense 16/09/09

Sylvain Levy

Psicanalista, é membro associado da Sociedade de Psicanálise de Brasília

Portanto, não aconteceu. A partir dos fatos ocorridos nos últimos dias, é lícito pensar que essa é a ideia que querem incutir nas nossas mentes.

Porém, se nos reportarmos há alguns anos, mais precisamente a 2005, verificaremos que foi exatamente assim que o Executivo tentou “vender” para a população os fatos conhecidos como escândalo do mensalão.

A denúncia de Roberto Jefferson foi seguida pelas declarações do presidente Lula afirmando “não vi e não sei”, e a elas tiveram sequência as declarações dos acusados dizendo “não fiz”, complementadas pelos lacaios de plantão, de sempre, concluindo que “se ele não viu e não sabe, e ninguém confessa que fez, então não aconteceu”.

Quase deu certo. Alguém não entendeu bem o script e o assunto prosseguiu com denúncias envolvendo 40 pessoas, mas que, se tudo correr como deve, serão impronunciadas por decurso de prazo.

Esse era um assunto do Executivo.

Depois vieram os casos de Renan e Sarney. O teatro foi o mesmo, só mudou o palco, do Palácio do Planalto (Executivo) para o do Congresso (Legislativo).

Faltava o Judiciário, que no glorioso 27 de agosto entrou na cena.

Com a não pronúncia do ex-ministro Antonio Palocci, o Supremo Tribunal Federal transformou o que era movimento de governo em estratégia de Estado.

Não apenas é proibido investigar denúncias ou fatos delituosos. É proibido inserir esses temas na agenda nacional, em qualquer de seus poderes, pois eles não aconteceram.

Nenhum deputado foi flagrado recebendo dinheiro do mensalão, porque não houve mensalão. Ninguém recolheu recursos para pagar o mensalão, porque não houve mensalão.

Renan não usou o amigo para pagar a pensão alimentícia da filha, pois não tinha dinheiro para isso e porque isso não ocorreu. Não tem fazenda, plantel bovino ou apartamentos, pois não tem recursos para tal.

Sarney não usou de atos secretos para indicar ou nomear ninguém, pois esses atos não existiram nem existem. Não tem que explicar nada, porque nada aconteceu.

Palocci não mentiu à Comissão da Câmara dos Deputados, ao dizer que jamais compareceu à casa conhecida como República de Ribeirão Preto, porque foi inocentado pelo Supremo de ter violado o sigilo bancário do caseiro Francenildo.

E assim vamu nóis. A ética das coisas é substituída por essa “coisa” da ética.

Não existe inversão de valores, porque não mais existem valores. Exceto, é claro, aqueles passíveis de mudarem de mãos ou de bolsos.

Esta situação pode colocar a nação — entendendo essa figura como a integração do governo, do Estado, do país físico e do povo — num terreno pantanoso, entre a negação, a loucura e a mentira.

A negação é uma ação psíquica inconsciente utilizada pela mente como defesa de angústia intensa perante um fato que, embora ocorrido, não pode ser reconhecido como tal. A loucura estaria num estágio mais avançado da negação, onde não é possível conhecer da realidade e, por isso, ela não pode ser reconhecida. Quem não conhece não pode reconhecer.

No caso da mentira é diferente. A mentira é antes de tudo uma ação antieconômica da mente, pois ela precisa trabalhar conscientemente duas vezes: a primeira para saber/conhecer e a segunda para negar o sabido/conhecido. Como ambas são ações conscientes, exigem um grande gasto de energia psíquica, associado aos gastos energéticos físicos, como os tremores musculares, a sudorese, a agitação do corpo e das mãos e a dificuldade de fixação do olhar, entre outros sinais de desconforto. São poucos os mentirosos profissionais que conseguem manter a placidez e a imobilidade.

Se o governo e o Estado já estão cooptados e o país não fala, apenas o povo ainda é o elemento de resistência. A continuarem essas práticas, o povo se acumpliciará, não por opção, mas pelo bombardeio incessante da informação deturpada, e aí a música de Chico Buarque terá novo sentido: “Quem jamais esquece não pode reconhecer”.

Então não nos restará alternativa a não ser a de ser uma nação de mentira.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

PF sabia de guerrilheiros na Coreia do Norte

O Estado de São Paulo 15/09/09

Relatório de fevereiro de 1972 tem detalhes de viagens e treinamento

Wilson Tosta, RIO



Documento da Polícia Federal guardado no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj) comprova que os serviços de repressão política da ditadura militar (1964-1985) monitoraram o treinamento de militantes brasileiros em técnicas de guerrilha na Coreia do Norte. Um relatório da PF datado de 10 de fevereiro de 1972, elaborado com base em dados da 4ª Zona Aérea e do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), dá detalhes sobre viagens e adestramento de ativistas no país oriental. Não menciona nomes, nem organizações, diferentemente de guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN) treinados em Cuba, cujas turmas de adestramento e identidade eram conhecidas da polícia política do Brasil.

O Estado revelou no domingo que integrantes do grupo guerrilheiro Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) estiveram na Coreia do Norte em treinamento no início dos anos 70. Três deles - Irany Campos, Jovelina Toledo e um homem que pediu anonimato - deram detalhes do adestramento.

Segundo a reportagem, a VPR acertou com o embaixador da Coreia do Norte em Cuba a ida de militantes para o curso e o fornecimento de recursos. A ALN quase fechou acordo semelhante, mas ficou mais ligada ao Partido Comunista Cubano. Não há evidências de que outras turmas de brasileiros tenham ido à Coreia do Norte para adestramento, além da dos ativistas da VPR.

O relatório da PF, que integra o acervo do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio, afirma que o treinamento dos guerrilheiros era baseado nos métodos da Unidade 124 do Exército Popular Coreano. O trabalho, de acordo com o documento, começava às 5 horas, com ginástica com saco de areia de 30 quilos, e terminava às 22 horas. Mesclava noções de agitação, tática de guerrilha urbana e rural e transmissão de informações, entre outras.

"Os homens da 124 têm de cumprir, por exemplo, as seguintes tarefas: sete horas diárias de natação. Enterrar-se ao lado de uma estrada de movimento e ficar 12 horas escondido. Defender-se com um canivete de três atacantes desarmados, correr oito quilômetros em uma hora num terreno acidentado", diz o relatório da PF.



ROTEIRO

Dois terços dos alunos do curso, segundo o relatório, eram latino-americanos. Os outros eram africanos, árabes e do Sudeste Asiático.

A viagem dos guerrilheiros levava mais de um mês. Em plena Guerra Fria, quando havia duas Alemanhas, eles iam de avião até Berlim Ocidental. Dali, passavam para Berlim Oriental, onde permaneciam por oito dias, hospedados em casas particulares. Depois, seguiam para Moscou, com passaportes norte-coreanos, pela russa Aeroflot - as passagens eram pagas pela embaixada da Coreia do Norte na Alemanha Oriental. Na capital russa, ficavam mais oito dias, seguindo de lá para Pyongyang, pela Aeroflot, com bilhetes fornecidos pela embaixada norte-coreana na então URSS.

Os alunos do curso de guerrilha tinham de esperar dez dias na capital da Coreia do Norte, antes de seguir para um dos nove campos de treinamento, nos quais usavam uniformes do Exército Popular Coreano. A volta era pela Aeroflot, em voos para Berlim Oriental, onde embarcavam para Londres ou Bruxelas. Dessas capitais, seguiam para os países de origem. Os brasileiros da VPR não chegaram a voltar ao Brasil para empregar os ensinamentos. Muitos treinados em Cuba o fizeram e, em boa parte, foram mortos pelos órgãos de repressão.

Rabo de foguete

Isto É
Brigas, influência política e gestão sem controle ameaçam projeto da base espacial de Alcântara

Claudio Dantas Sequeira



Criada em parceria com a Ucrânia para fabricar no Brasil um lançador de foguetes, a Alcântara Cyclone Space (ACS) tem dois anos de vida, mas está a anos-luz de cumprir sua missão. Brigas internas, descontrole administrativo e loteamento político da companhia binacional ameaçam sabotar o projeto, segundo relatório confidencial elaborado por um órgão de inteligência do governo e obtido por ISTOÉ.

Até hoje a empresa não recebeu sequer o alvará de funcionamento. Mas, mesmo sem ter colocado um único foguete no espaço, já consumiu dos cofres públicos mais de R$ 87 milhões. Diretor-geral da Cyclone e presidente em exercício do Partido Socialista Brasileiro (PSB), o ex-ministro Roberto Amaral reconhece que o empreendimento não deslanchou. Mas afirma que a verba milionária foi gasta com pessoal, equipamentos e contratação de serviços.

"Não existe aparelhamento político na Cyclone", nega Amaral. A afirmação, no entanto, não convence alguns parlamentares espantados com o custo e o desempenho da empresa. "É mais uma caixa-preta construída com dinheiro público", critica o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Um dos benefícios mais contestados é o auxílio moradia pago a alguns funcionários, entre eles a chefe de gabinete, Patrícia Patriota, filha do deputado Luiz Gonzaga Patriota (PSB-PE).

Patrícia recebe salário de R$ 14,1 mil e mais R$ 1,8 mil de auxílio moradia. "Nem todos recebem este benefício", diz Amaral. Os ucranianos também cometem desvios. Nataliya Lyzikova, que acaba de deixar a ACS, recebia R$ 10,7 mil como analista de marketing, mas ficava a maior parte do tempo na Ucrânia, usando um blackberry com linha de Brasília. "É um escândalo. Vou pedir uma auditoria especial ao TCU", diz o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE).

Apesar do caráter estratégico, a ACS foi instalada num edifício empresarial, dividindo o cabeamento de internet, telefone e energia elétrica com a Microsoft e outras multinacionais. Em outro exemplo de pouco-caso com o dinheiro público, a administração da ACS gastou cerca de R$ 500 mil com a locação de três carros por mais de um ano, num contrato que deveria ser emergencial.

Aceitou também uma cláusula draconiana no aluguel da sede, em Brasília, que prevê o pagamento de R$ 280 mil em caso de rescisão. A ACS enfrenta um dilema estratégico: o acordo de salvaguardas assinado em 2002 proíbe a modificação ou reprodução por parte do Brasil de "veículos de lançamento e dados técnicos", essência da transferência de tecnologia. Além disso, a Ucrânia tem tido dificuldade de conseguir da Rússia licenças para usar determinados equipamentos. Os prazos se encurtam e a tensão cresce, e o sonho de lançar um foguete de Alcântara até 2010 está indo para o espaço.



Socos e palavrões

Em reunião na Agência Espacial Brasileira (AEB), há duas semanas, Roberto Amaral quase saiu no tapa com o brigadeiro Antonio Hugo Pereira Chaves, diretor de transporte espacial da AEB. Crítico da gestão de Amaral na Cyclone, Chaves defendeu um acordo com os quilombolas que vivem em Alcântara para evitar protestos contra futuros lançamentos. Amaral chamou o brigadeiro de "filho da p." e bateu com a mão na mesa. Em seguida, tentou atirar um copo d'água em Chaves, que, ao reagir, fez Amaral cair no chão. Mas quem caiu mesmo foi Chaves, já que o PSB de Amaral tem o domínio do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Aguardada discussão

Jornal do Brasil 15/09/09


RIO - Tema espinhoso da agenda pública, a segurança, depois de sete anos de governo Lula, finalmente será alvo de um pacote de medidas que o Executivo encaminhará para votação no Congresso. Geralmente considerada uma questão típica dos governos estaduais, está entre os assuntos que mais preocupam os brasileiros. A violência, antes mazela das grandes cidades, penetra cada vez mais nos médios e pequenos municípios. O crime organizado, o tráfico de drogas, o roubo, enfim, as variadas modalidades de crimes tiveram uma enorme expansão nos últimos anos. Nesse contexto, a atuação das polícias Civil e Militar contribuiu pouco – quando não piorou, via a corrupção de sua estrutura – para a diminuição dos índices de violência e o estabelecimento de um clima mínimo de paz social. É preciso mudar o rumo.

É bem verdade que muito já se caminhou nas discussões de segurança. Ela já não gira cega em meio ao tiroteio ideológico que prevalecia antigamente. Até décadas recentes, só havia um posicionamento legítimo de esquerda – que privilegiava as causas sociais da violência, em que o criminoso era entendido como uma vítima do sistema capitalista desigual e injusto – e uma postura nitidamente de direita, em que o bandido deveria ser caçado e punido por suas escolhas individuais. Visões emblemáticas desses extremos são os polêmicos lemas “Seja marginal, seja herói” – cunhado pelo artista plástico Hélio Oiticica, em homenagem ao traficante Cara de Cavalo – e “Bandido bom é bandido morto”, criado pelo folclórico delegado carioca Sivuca.

Hoje há, na medida do possível, mais equilíbrio no debate. Parte-se do ponto e reconhece-se que segurança é um tema complexo, envolve decisões políticas, mas também técnicas. Requer um amplo conhecimento, aplicação de estatística e mapeamento das regiões e pontos mais violentos. Ou seja, mais inteligência e menos balas. O que não significa ser condescendente ou compactuar com a criminalidade. Há, porém, momentos em que a sensatez é ameaçada. A questão da redução da maioridade penal, por exemplo, é sempre lembrada e dominada pelo clima emocional logo após crimes de grande repercussão cometidos por menores de idade. O corporativismo é outro fator a prejudicar a busca por melhores soluções.

Esse risco, em particular, está a rondar a proposta do governo federal que será levada ao Congresso. Um de seus principais pontos tem a ver com uma inovação institucional. O papel das guardas municipais seria redefinido. Elas ganhariam um pedaço do poder de polícia hoje exclusivo das PMs e da Polícia Civil, que tendem a resistir às mudanças.

Atualmente, as GMs estão restritas a 20% dos 5.585 municípios do país, somando um efetivo de 70 mil homens, concentrados nas grandes capitais: Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e Curitiba. Suas atribuições, constitucionalmente, dizem respeito à proteção do patrimônio público e da ordem urbana, sendo uma linha auxiliar e preventiva no combate ao crime. É pouco.

Com o devido treinamento, a GM pode representar uma nova polícia, menos corrupta, mais comunitária, e sem a tradição militarista da PM, herdada dos tempos de autoritarismo. Os métodos e a cultura da polícia precisam ser passados a limpo.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Serviço secreto ordenou inspeção a "Clarín", dizem jornais

Folha de São Paulo 14/09/09

Um dos funcionários da Receita que lideraram a blitz a diário teria vínculos com agência de inteligência

SILVANA ARANTES

DE BUENOS AIRES

Depois que a direção da Receita Federal e a Casa Rosada negaram a autoria da espalhafatosa blitz fiscal empreendida contra o grupo Clarín, na última quinta-feira, uma nova peça entrou no quebra-cabeças para desvendar a história.

A ordem para a operação, que contou com cerca de 200 agentes e envolveu buscas na sede do diário "Clarín" e em residências de diretores do grupo, teria partido da Side (Secretaria de Inteligência de Estado), órgão homólogo da Abin brasileira.

A atuação oculta da Side foi sugerida por jornais argentinos no fim de semana, depois de analisar o currículo dos dois funcionários da Receita que lideraram a blitz e foram afastados pelo diretor, Ricardo Echegaray. Um deles, Andrés Vázquez, teria vínculos anteriores -e atuais- com a Side.

Há duas versões antagônicas sobre quem na Side teria disparado a ordem. Uma delas aponta o marido da presidente, Cristina Kirchner, o ex-presidente Néstor Kirchner, que teria o órgão sob sua influência.

Essa seria a chave para entender a permanência no cargo de Echegaray, mesmo depois de afirmar publicamente que uma megaoperação do órgão que comanda foi feita nas suas costas. Echegaray entregou o cargo a Cristina, que recusou a renúncia, segundo o jornal "Página 12", aliado do governo.

É também do "Página 12" a insinuação de que Vázquez possa ter agido em linha com a Side, mas sob impulso de adversários do governo, como o governador de Chubut, Mario das Neves, peronista que se opõe aos Kirchner e é pré-candidato à sucessão de Cristina.

Essa hipótese abraça o argumento oficial de que o governo não seria tão estúpido para determinar uma ação que o prejudicasse com tanta contundência num momento crucial.

Está em discussão no Congresso o projeto do governo da Lei de Serviços Audiovisuais. O grupo Clarín é contrário ao projeto, em que vê tentativa do governo de controlar a mídia.

Além disso, os interesses econômicos do Clarín seriam seriamente afetados pela lei. As medidas de "desconcentração" de propriedade previstas obrigariam o grupo a se desfazer de parte de suas concessões, além de ver entrar no mercado de TV a cabo, que hoje domina, um enorme competidor -as companhias telefônicas ficam autorizadas a operar o "triple play" (telefone, internet e cabo).

O "Clarín" publicou ontem um texto em que contesta, com dados estatísticos sobre seu alcance, a designação de "monopólio" que o governo lhe dá. "Clarín é o principal grupo de mídia, mas o cenário é plural e competitivo", afirma o texto.

A blitz no "Clarín" ajudou a fortalecer a oposição contra a lei de mídia do governo, sob a liderança do vice-presidente, Julio Cobos, de quem a Casa Rosada pediu a renúncia, por seu gesto opositor. "Seria mais fácil renunciar, mas meu compromisso é com a cidadania e vou seguir onde estou", disse.

A associação dos empregados da Receita Federal, por sua vez, divulgou nota ratificando a blitz contra o "Clarín" e a competência da Receita para fiscalizar sem distinções. "Não pedimos desculpas nem concedemos privilégios", dizem.

PF comprou de firma de amigo do diretor-geral

Folha de São Paulo 14/09/09

Dígitro ganhou R$ 50 mi com venda de sistema de escutas e investigação a 12 Estados, ao DF, à ONU e a empresas
JOSÉ MASCHIO

DA AGÊNCIA FOLHA, EM FLORIANÓPOLIS


A empresa de um amigo do diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, ganhou cerca de R$ 50 milhões de 2002 a 2007 com a venda de tecnologia de informação e serviços de escutas telefônicas a órgãos públicos brasileiros e empresas privadas. Todos os contratos foram intermediados pela Senasp, órgão do Ministério da Justiça comandado por Corrêa de 2003 a 2007.

A empresa é a Dígitro, presidida por Geraldo Faraco. Segundo a PF, Corrêa mantém um "bom relacionamento" com o empresário, "fruto de uma convivência profissional de mais de 15 anos".

Entre 2002 e 2007, a Dígitro faturou um total de R$ 60 milhões com venda de equipamento de segurança. Nesse período, vendeu a 12 Estados, ao DF, à ONU e a empresas privadas a plataforma Guardião, que registra áudio de ligações interceptadas, monta redes de relacionamento de investigados e transcreve gravações.

A Dígitro desenvolveu o Guardião em parceria informal com a PF em Santa Catarina e passou a fornecer o equipamento para superintendências e órgãos de segurança dos Estados. Ao assumir o cargo, em 2007, Corrêa foi apresentado como membro da equipe que ajudou a desenvolver o sistema.

A Folha teve acesso a contratos de venda do Guardião firmados pela Dígitro anexados a um processo na Justiça do Trabalho de SC. Nele, o procurador da Fazenda licenciado Hugo César Hoeschl, 41, reivindica direitos autorais sobre dois softwares desenvolvidos por sua equipe usados no sistema.

Hoeschl disse à Folha que Faraco se vangloriava da amizade com Corrêa e dizia que Corrêa passou férias em janeiro de 2005 e 2006 em seu apartamento em Florianópolis (SC) -o que Faraco e Corrêa negam.

Entre os documentos está o contrato de R$ 161 milhões entre o Ministério da Justiça e a Motorola para fornecimento de infraestrutura de Tecnologia da Informação e Comunicação e equipamentos para os Jogos Pan Americanos do Rio, em 2007. A Motorola liderou o consórcio de fornecedores, integrado pela Dígitro.

Hoeschl disse que Roberto Prudêncio, diretor da Dígitro, integrou a delegação brasileira (chefiada por Corrêa) que foi à Bélgica e a Israel em 2006 para conhecer sistemas de informação e segurança, visando o Pan 2007. A PF disse que o encontro com Prudêncio foi casual.

Segundo os contratos, 12 Estados (RJ, RS, SC, MT, CE, PE, MG, SP, ES, PR, TO e PA), o DF, quatro superintendências da PF (SC, PR, SP e RJ), a Procuradoria da República, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e uma seguradora compraram o Guardião, por um total de R$ 49 milhões.

Em dois dos 25 contratos houve licitação. A dispensa de licitação e sigilo nos contratos foram amparados na Lei das Licitações. A Senasp e a Dígitro afirmam que o Guardião é vendido só a "entes nacionais".

Colaborou SÍLVIA FREIRE, da Agência Folha



Outro lado

Guardião era única tecnologia disponível, diz Corrêa

DA AGÊNCIA FOLHA, EM FLORIANÓPOLIS DA AGÊNCIA FOLHA


O diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, disse por meio de nota de sua assessoria que o sistema Guardião era a única tecnologia nacional disponível na época dos contratos (entre 2002 e 2007).

A assessoria afirmou também que a partir de 2007 foram adquiridos só o sistema Sombra, equipamento de escuta desenvolvido para que a PF não "fique refém de empresas".

Segundo a nota, não cabe à Senasp definir qual tecnologia será adquirida pelos Estados. "Coube à Senasp a análise e o encaminhamento para apreciação do conselho gestor, que é a instância de decisão acerca da aprovação ou não do projeto."

A Dígitro disse, via assessoria, que as vendas feitas para órgãos públicos "seguem rigorosamente os preceitos legais da transparência". Afirmou também que "não interfere nos relacionamentos sociais dos funcionários" e que Geraldo Faraco, presidente, tem relações sociais com representantes das comunidades de inteligência e tecnologia da informação, entre eles Luiz Fernando Corrêa.

A nota nega que Corrêa tenha passado férias em apartamento de Faraco, mas confirma que ele foi recebido em evento social. Corrêa disse que conhece Faraco há mais de 15 anos e que o visitou quando estava "em férias", mas negou que tenha passado férias no apartamento dele.

A coordenadora de Projetos do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no Brasil, Maristela Baioni, disse que a compra dos sistemas foi feita dentro de acordo de cooperação com a Senasp. Baioni disse que a demanda pela compra dos equipamentos e os Estados beneficiados foram definidos pela Senasp.

Segundo ela, a dispensa de licitação ocorreu porque, na época, era a tecnologia disponível e o Guardião já equipava dez Estados. A ideia era interligar as informações e investigações.

A Motorola disse que foi escolhida, com outras empresas, para fornecer soluções de inteligência e comunicação para o Pan 2007 e que a lei prevê dispensa de licitação quando houver comprometimento da segurança nacional. (JM e SF)

A vez das guardas municipais

Jornal do Brasil 14/09/09

Ministério da Justiça prepara projeto de lei reforçando atribuições das forças locais de segurança

Vasconcelo Quadros

Brasília
Resultado da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, o pacote de medidas para reforçar o combate à criminalidade que o governo vai mandar para o Congresso tem como carro-chefe um projeto de lei definindo um novo papel para as guardas municipais. Restrito hoje a cerca de 20% dos 5.585 municípios, efetivo total em torno de 70 mil homens – 20% deles concentrados no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e Curitiba - e com atribuições que vão da vigilância de prédios a auxilio à polícia na segurança ostensiva, as guardas vão abocanhar um naco do “poder de polícia" que hoje está nas mãos das PMs e da Polícia Civil.

- Não é necessário modificar a Constituição para fazer as mudanças. Vamos regulamentar o parágrafo 8º do artigo 144, redefinindo as funções das guardas e explicando na parte penal o que significa tomar conta da segurança do município. Elas também poderão executar ações de segurança mediante convênios com as polícias estaduais - diz o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, responsável pela engenharia jurídica do projeto.

Abramovay garante que não haverá conflito de competências e exemplifica: a atuação das guardas na segurança pode ser semelhante ao que historicamente fizeram as polícias estaduais no combate ao tráfico de drogas. A repressão era uma atribuição exclusiva da Polícia Federal, mas foi repassada aos estados através de convênios. Atualmente, seria impossível dissociar as apreensões de drogas das atribuições das PMS e da polícia civil.

O governo sabe, no entanto, que vai mexer em interesses corporativos das instituições tradicionais (Polícia Militar e Polícia Civil), das empresas privadas de segurança - que sobrevivem e crescem cada vez mais com a paranóia da insegurança, gerada pelos altos índices de violência – e, especialmente, com a falta de preparo das guardas municipais. Os distúrbios ocorridos há duas semanas na Favela Heliópolis, em São Paulo, em protesto contra a morte da estudante Ana Cristina de Macedo, de 17 anos, atingida a tiros por vigilantes da Guarda Municipal de São Caetano do Sul, no ABC paulista, conspiraram contra a proposta do governo no auge do debate. A falta de preparo dos guardas que perseguiam deliquentes e dispararam acidentalmente contra a jovem foi uma ducha de água fria à proposta, mas alertou o governo para a falta de treinamento adequado num país que já institucionalizou as mortes por “bala perdida” cpomo uma justificativa para operações desastrosas.

- A capacitação deve acompanhar as mudanças - alerta Abramovay, que aposta na expansão do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) como uma espécie de estágio preparativo das mudanças radicais que o presidente Lula pretende implantar antes do encerramento de seu governo. Temendo desgaste político, Lula demorou sete anos para tratar da segurança pública - um tema normalmente discutido emocionalmente e conectado à agenda eleitoral - porque sabia que precisava mexer no vespeiro.

A municipalização da segurança pública, com um novo papel para as guardas, forçará o governo a adotar uma mudança ainda mais radical: retirar das Forcas Armadas o controle sobre as PMs e os bombeiros, um resquício do período autoritário garantido pela Constituição de 1988 que trata as corporações subordinadas aos governos estaduais como "forças auxiliares e reservas" do Exército. O fim desse vínculo, segundo Abramovay, foi uma das fortes conclusões da conferência que debateu a segurança pública. Por outro lado, no contexto do pacote de leis para reestruturar as Forças Armadas - outras medidas que devem ser discutida nos próximos dias pelo Congresso -, o governo pretende dar ao Exército, Marinha e Aeronáutica poder de polícia para lidar com problemas de segurança interna como nas operações em morros do Rio.

O pacote da segurança deve incluir ainda a proposta de autonomia para perícia forense e a criação de ouvidorias externas para Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional de Segurança, setores que funcionarão sem vínculo com as corporações ou com as corregedorias já existentes. A criação das ouvidorias vai depender também do Ministério do Planejamento porque será preciso criar cargos - são mais de 20 para cada corporação - e, consequentemente, despesas. Mas corrige uma contradição do próprio governo federal, que exige ouvidorias nas corporações estaduais·e municipais que recebem verbas da União para segurança. É também uma forma de estimular o controle externo das corporações e garantir na aplicação dos direitos humanos na segurança.

A mais forte modificação na atuação das polícias civis e militares, o chamado ciclo completo de ocorrências – o que equivale ma dizer que ao atender uma denúncia de furto ou roubo a PM cumpriria todas as etapas da investigação e só encerraria a atuação ao encaminhar o caso à justiça – pode não entrar no pacote que está sendo enviado ao Congresso. É que há divergências dentro do próprio Ministério da Justiça.

- Essa proposta agilizaria o atendimento à população. Ninguém precisaria mais chamar a PM e depois perder horas numa delegacia da Polícia Civil. E representa 70% das ocorrências policiais – defende o secretário nacional de Segurança, Ricardo Balestreri.

Primeiro passo

Estado de São Paulo 14/09/09

Primeiro passo

Benedito Domingos Mariano

A realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (de 27 a 30 de agosto) é um fato histórico importante. Nos mais de 500 anos de Brasil, convivemos com 300 anos de escravidão e sofremos duas ditaduras na República, uma civil e uma militar. Nesse contexto, o setor da segurança pública teve o papel histórico de ser o "braço visível" do arbítrio. Nossas polícias foram inspiradas a fazer controle social dos pobres, razão por que a violência policial, em especial a letal, é um fator estruturante da cultura policial. Mudar a segurança pública não implica, portanto, mudar apenas a lógica do sistema criado com o golpe de 1964. Implica mudar 500 anos de História.

No processo de preparação participaram cerca de 500 mil pessoas, em conferências livres, conferências estaduais e municipais e seminários temáticos. No Caderno de Princípios e Diretrizes, que norteou os 40 grupos de trabalho, havia propostas relevantes construídas pela sociedade civil, pelos trabalhadores da área e gestores públicos das três esferas de governo.

Além de ser um primeiro passo importante para construir um novo modelo de segurança pública no País, a conferência quebrou vários tabus:

Sempre ouvimos setores da polícia dizerem que "quem sabe de polícia é a polícia". Na conferência vimos que a sociedade civil, trabalhadores e gestores públicos produziram propostas muito mais amplas do que as que setores da polícia, sozinhos, poderiam produzir. A polícia não deve, no Estado Democrático de Direito, portar-se como um Estado dentro do Estado.

Comandos e direções sentaram-se com as bases policiais, de igual para igual. O que regia as relações não eram a disciplina e a hierarquia das instituições policiais, mas o regimento interno da conferência. O voto de um delegado de polícia de classe especial ou de um coronel da Polícia Militar (PM) tinha o mesmo peso do voto de um soldado ou de um escrivão da Polícia Civil.

Reforçou-se na conferência que segurança pública não é só questão de polícia, é também prevenção, integração, cultura de paz e defesa intransigente dos direitos humanos.

Havia uma preocupação muito grande no curso do processo de preparação da conferência em não se debaterem temas polêmicos, para não melindrar as direções das corporações policiais. Mas a conferência demonstrou que, se é fato que crescemos com consensos, crescemos muito mais com os dissensos. Não se muda um sistema de segurança pública anacrônico só com consensos. Muda-se quando deixamos fluir as demandas reprimidas durante décadas. Os debates conflitantes são, dialeticamente, o caminho para construirmos novos paradigmas.

Entre os princípios e diretrizes que devem pautar a política de segurança pública aprovados na conferência, destaco, resumidamente:

Fomentar, garantir e consolidar uma nova concepção de segurança pública como direito fundamental e promover reformas estruturais no modelo organizacional de suas instituições nos três níveis de governo;

regulamentação das guardas civis municipais como polícias preventivas e comunitárias;

reconhecimento jurídico-legal da importância do município como cogestor da área de segurança pública, fortalecendo sua atuação na prevenção social do crime e das violências;

defesa da dignidade da pessoa humana com valorização e respeito à vida e à cidadania, combate à criminalização da pobreza, da juventude, dos movimentos sociais e de seus defensores, valorizando e fortalecendo a cultura de paz;

realizar a transição da segurança pública para atividade eminentemente civil, desmilitarizando as polícias pela desvinculação das Forças Armadas, revisão dos regulamentos e procedimentos disciplinares, e submeter irregularidades dos profissionais militares à Justiça comum;

estruturar os órgãos policiais federais e estaduais para que atuem em ciclo completo de polícia, limitando competências para cada instituição segundo a gravidade do delito, sem prejuízo de atribuições específicas;

investir nas áreas de inteligência e tecnologia no combate às organizações criminosas.

O ciclo completo da atividade policial foi o tema mais polêmico, tanto que foi aprovado numa diretriz e rechaçado em outra. Esse tema não estava incluído no texto-base que norteou os debates preparatórios e foi apresentado de maneira distorcida. Penso que a maior distorção foi vincular o ciclo completo à tipificação do crime, que no debate na conferência se reduziu a garantir termos circunstanciados às PMs - razão pela qual a proposição teve voto dos representantes das PMs e rechaço dos representantes das Polícias Civis. O ciclo completo da atividade policial visa a unificar as funções policiais, e não limitá-lo à tipificação do delito.

Para chegar efetivamente ao ciclo completo será necessário rever o inquérito policial (datado de 1871), sobretudo no que tange ao poder inquisitorial de indiciar pessoas, e desmilitarizar a atividade policial, que é de natureza civil. Essas duas questões são condição sine qua non para, no futuro, termos o ciclo completo da atividade policial. Temos "meias polícias" na estrutura de nosso sistema de segurança pública, desde o período imperial. Isso não se muda na primeira conferência realizada no País. Esse deveria ser o tema central da segunda conferência nacional, daqui a dois anos, desde que não limitemos o seu debate a uma instituição em detrimento da outra.

Talvez o maior legado desta primeira conferência tenha sido o de demonstrar que forjar um novo modelo de polícia no Brasil passa necessariamente por um amplo debate na sociedade. A participação de amplos setores da sociedade civil organizada é o maior antídoto para as teses eminentemente corporativas.

Benedito Domingos Mariano, mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, professor de Sociologia e Antropologia do Centro Universitário Unifieo, membro da Coordenação Nacional da 1.ª Conferência de Segurança Pública, ex-ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, é secretário municipal de São Bernardo do Campo

terça-feira, 8 de setembro de 2009

"A inteligência pode ser construída"

Isto É - Entrevista

Richard Nisbett

Cientista diz que a genética é importante, mas o ambiente é fundamental para o desenvolvimento intelectual de cada um

por Cilene Pereira


Durante muito tempo, prevaleceu entre estudiosos da inteligência a ideia de que a capacidade intelectual tinha uma forte raiz genética - e que, por isso, aqueles que não tinham sido privilegiados pelos genes pouco poderiam fazer para aumentar seu desempenho. No livro "Intelligence and How to Get it" (Inteligência e como alcançá-la), lançado recentemente nos Estados Unidos, o pesquisador americano Richard Nisbett derruba esse conceito. Baseado em vários estudos, o cientista confirma que a inteligência tem um componente genético, mas isso não impede que seja construída e desenvolvida para além dos limites impostos pelos genes. Nisbett acredita que intervenções simples, em casa e na escola, contribuem para que cada criança alcance o máximo do desempenho intelectual. "E um dos primeiros passos para isso é ajudar as pessoas a acreditar que podem se tornar mais inteligentes", diz. Professor da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, ele deu a seguinte entrevista à ISTOÉ.



ISTOÉ - Quais as evidências de que o ambiente é mais importante do que a genética para a inteligência?

Richard Nisbett - Muitos pesquisadores superestimaram o papel da genética porque não levaram em consideração que os genes sempre interagem com o ambiente para ter um efeito. Um indivíduo com genes para ser alto está mais propenso a ter experiências que podem fazer dele um bom jogador de basquete do que outro com genes para ser baixo. Dependendo do jeito de analisar a questão, isto pode mostrar que a habilidade para o basquete é genética. Mas se você privar as pessoas mais altas de experiências com o basquete e der muitas oportunidades para as baixas de praticar esse esporte, você vai continuar achando que a habilidade para o esporte é genética - mas mostrando que quanto mais baixo você é, melhor você joga.



ISTOÉ - Quais as implicações da descoberta da importância do ambiente para a inteligência na vida das pessoas?

Nisbett - Quando as pessoas perceberem que a inteligência é algo que está substancialmente sob o controle delas, vão trabalhar mais duro para aprender e irão cobrar de maneira mais efetiva uma escola de qualidade melhor para seus filhos. Elas precisam acreditar que a inteligência pode ser construída.



ISTOÉ - Ser pobre ou rico interfere na inteligência?

Nisbett - Existe uma diferença na média do quociente de inteligência - QI - de ricos e pobres. Parte disso é resultante da genética. Pessoas mais inteligentes têm de fato genes que as predispõem a isso. E esses mesmos indivíduos costumam ter progresso na vida e melhorar seu status social. E eles acabam passando as duas coisas para seus filhos - os genes e a condição social.



ISTOÉ - Este tipo de informação não aumenta o preconceito ao avaliar as pessoas e suas capacidades com base na sua condição social?

Nisbett - Não se pode fazer generalizações deste tipo. Todos devem ser analisados conforme seus méritos. Minha crença no poder do ambiente para o desenvolvimento da inteligência me impulsiona a fazer o que for possível para que as pessoas alcancem o máximo potencial e lutem por uma melhor socialização e escolarização para seus filhos. Isto também me faz querer um Estado que ofereça uma educação melhor e que reduza as diferenças entre os padrões de vida das populações.



ISTOÉ - Mas, sem estas condições ideais, os pobres estariam condenados a ter um QI mais baixo?

Nisbett - Eles não estão condenadas a ser menos inteligentes. Há muitas ações que as populações com menor poder aquisitivo podem adotar para que seus filhos tenham um bom desenvolvimento intelectual.



ISTOÉ - O que, por exemplo?

Nisbett - Parar de criar os filhos para obedecer. A obediência é um valor que os indivíduos com menor poder aquisitivo tendem a enfatizar mais para seus filhos. E este valor não encoraja as crianças a atividades que possam deixá-las mais espertas.



ISTOÉ - Que outros equívocos os pais mais pobres cometem?

Nisbett - Eles lêem menos para seus filhos do que os mais ricos, perguntam menos sobre o entendimento das crianças a respeito das leituras. Enfim, estimulam menos, conversam menos.



ISTOÉ - Uma sociedade com maior número de pessoas com QI alto seria mais cooperativa e solidária?

Nisbett - Não tenho uma opinião formada a respeito disso.



ISTOÉ - Seria correto dizer que os países desenvolvidos dominam as relações no mundo porque seus cidadãos apresentam níveis mais altos de QI?

Nisbett - Acho que isso precisa ser visto de outro modo. As populações dos países desenvolvidos têm QI mais elevado porque suas sociedades demandam altos níveis de inteligência. Conforme as sociedades enriquecem, vão se tornando mais inteligentes. E, na medida em que vão ficando mais inteligentes, vão se tornando mais ricas.



ISTOÉ - Quais as razões que o levaram a afirmar que os japoneses e os judeus em geral apresentam inteligência superior?

Nisbett - Não acho que os japoneses têm uma inteligência superior. O que digo é que os asiáticos em geral fazem mais com sua capacidade intelectual do que nós, ocidentais. Eles costumam ter notas mais altas em exames, por exemplo, quando concorrem com outros estudantes. A socialização dessas crianças é muito diferente e tem como objetivo levar a um desempenho intelectual mais alto. É um pouco parecido com o que acontece com os judeus. Mas judeus, segundo pesquisas, realmente têm maior inteligência em comparação com quem não é judeu. Não sabemos ainda quais genes são responsáveis por este fato.



ISTOÉ - Como as escolas podem criar um ambiente mais favorável para melhorar o desempenho intelectual dos estudantes?

Nisbett - A primeira coisa é fazer com que os alunos passem mais tempo na escola - dias mais longos, semanas mais longas, anos letivos mais prolongados. Oferecer, claro, qualidade no ensino básico, mas também ter a preocupação de enriquecer o ambiente com atividades como música, arte, visitas a museus. O acesso ao que há de mais recente na informática também é essencial. Há programas de computador que fazem um ótimo trabalho ensinando matemática, leitura e ciências, em ações que podem ser feitas em conjunto com os professores. E é muito importante que todos acreditem que a criança pode aprender e alcançar o máximo de seu desempenho intelectual.



ISTOÉ - O sr. considera que é preciso investir mais dinheiro nas escolas?

Nisbett - Apenas colocar mais dinheiro nas escolas não significa muita coisa. Há outras medidas que podem dar bons resultados. Em geral, as melhorias podem ser feitas sem tanto gasto.



ISTOÉ - Por que o sr. diz que os professores responsáveis pelo atendimento a crianças menores, nos primeiros anos da vida escolar, são os mais importantes?

Nisbett - Na verdade, acho que eles são mais fundamentais ainda para as crianças mais pobres. Elas são menos estimuladas, de modo geral, e um professor ativo pode ajudá-las a superar essa deficiência, nem que seja parcialmente. As mais ricas têm em casa um ambiente que favorece seu desenvolvimento. Mas acredito que um bom professor é importante para todos os níveis de educação.



ISTOÉ - O sr. acha eficientes programas de incentivo para professores, como os que fazem reconhecimento por mérito?

Nisbett - Não tenho uma opinião sobre esse tema. Sei que os professores precisam ter melhor treinamento, o que envolve mais horas de prática de dar aula.



ISTOÉ - Qual a sua opinião sobre as escolas de período integral? Elas têm melhor resultado?

Nisbett - Sim. Não tenho dúvida em relação a isso.



ISTOÉ - O sr. poderia explicar o que chama de aprendizado cooperativo e por que considera o método promissor?

Nisbett - Resumidamente, trata-se de um jeito de ensinar que se baseia em dar à criança parte de uma informação necessária para que ela aprenda determinado assunto. Depois, ela vai dividir o que aprendeu com outra criança. Dessa maneira, as duas conseguem formar uma visão mais ampla do conhecimento e do processo de raciocínio.



ISTOÉ - De que forma os recursos como a internet influenciam o desenvolvimento da inteligência?

Nisbett - Sabemos que alguns sites têm excelente qualidade de informação e podem ser uma ferramenta muito útil na sala de aula. Mas eles devem ser usados em conjunto com outras atividades.



ISTOÉ - O que os pais podem fazer, em casa, para ajudar seus filhos a se tornar mais inteligentes?

Nisbett - Há coisas que fazemos instintivamente com nossas crianças e nem sabemos que estamos investindo no seu desenvolvimento. Uma delas é conversar com os pequenos e os jovens usando o vocabulário mais rico que tivermos. Inclua-os nas conversas dos adultos quando isso puder ser feito. Leia muito para as crianças. Outra recomendação é economizar em reprimendas e aumentar o encorajamento para que elas explorem o ambiente e façam as suas próprias descobertas.



ISTOÉ - O que mais?

Nisbett - Ensine seu filho a classificar os objetos e os eventos e como fazer comparações entre eles.



ISTOÉ - Qual o papel do autocontrole para a inteligência?

Nisbett - Este é um assunto que vem sendo muito estudado atualmente. Estou inclinado a achar que é grande a validade de aprender a manter o controle diante de determinadas situações. Um estudo mostrou que as crianças que sabiam se controlar e esperar pela recompensa apresentaram notas melhores quando ficaram adolescentes.



ISTOÉ - É possível escolher os amigos pelo QI?

Nisbett - É claro que sim. Você pode escolher seus amigos desse modo. Realmente escolhemos as pessoas para estar ao nosso lado também baseados na inteligência que apresentam. E também se sabe que as pessoas mais inteligentes têm mais amigos.



ISTOÉ - O sr. escolhe seus amigos pelo QI?

Nisbett - A inteligência das pessoas é algo que me faz sentir mais ou menos atraído por elas. Mas não sei o QI de muitos dos meus amigos. Apenas um esnobe ou tolo escolheria seus amigos somente por esse critério.

Um inimigo comum

Folha de São Paulo 08/09/09

ELIANE CANTANHÊDE

BRASÍLIA - Há uma lógica cristalina na definição pelos caças Rafale para renovar a frota da FAB e fechar o pacotaço militar do Brasil de Lula com a França de Sarkozy. Uma lógica não só técnica ou comercial, de compra e venda, mas política.

Por trás dos 36 caças, 4 submarinos, 50 helicópteros e tecnologia para construir uma base, um estaleiro e um submarino de propulsão nuclear, por bilhões de euros, há uma decisão geopolítica: a França e o Brasil se unem, não exatamente contra os EUA, mas por um melhor equilíbrio internacional.

Numa comparação doméstica, Colômbia e Peru aprofundam a sua dependência dos EUA, e Venezuela arrasta Equador e Bolívia para os braços da Rússia e do Irã, enquanto o Brasil escapa da polaridade e opta pela França. Os dois são aliados dos EUA, mas não incondicionais, e tentam evitar que os US$ 13 tri de PIB da maior potência definam os destinos do mundo. Nem por isso alimentam o "outro lado".

A França é um país central do mundo rico, um dos mais sofisticados tecnologicamente e o mais político da Europa. E o Brasil é um país continental, com a Amazônia, a Amazônia Azul, mercado crescente e, agora, o pré-sal. Fecha as duas pontas: biocombustíveis e petróleo.

Sem falar nas jazidas de urânio, entre as maiores do planeta.

Desde o início de 2008, quando Jobim foi à França, à Rússia e aos EUA, ele deixou clara, em inúmeras declarações, a preferência brasileira pelos submarinos e caças franceses. E que, por trás das compras, havia o interesse estratégico.

O Brasil já diversificou seus mercados e, ao fechar o maior pacote militar de sua história, sinaliza ao mundo: França, pelos ricos, e Brasil, pelos emergentes, se movem contra o chamado "mundo unipolar". Ou seja: trabalham para neutralizar a força acachapante dos EUA no pós-Guerra Fria. É mais uma alavanca para a almejada liderança do Brasil nesse novo mundo.

Conhecimento que impõe respeito

JB on line 07/09/09

Vasconcelo Quadros e Leandro Mazzini, Jornal do Brasil


BRASÍLIA - Especialista em estratégia militar e ex-ministro Alberto Mendes Cardoso, ex-chefe da Casa Militar e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Fernando Henrique Cardoso, confirmou ontem que o Brasil já domina o conhecimento e, se quisesse, poderia dirigir a tecnologia à construção da bomba nuclear.

– O país sabe como fazer, mas há fatores que impedem – admitiu o militar, que lembrou o fato de que o Brasil, além de processar urânio apenas para fins pacíficos, tem compromisso expresso na Constituição para não desenvolver armas atômicas e está submetido aos tratados internacionais de não proliferação de armas nucleares.

Uma das maiores autoridades do país em energia nuclear, com 35 anos de atividade no setor, o professor do Instituto Militar de Engenharia (IME) do Exército, Rex Nazaré Alves, também confirma, conforme noticiou o Jornal do Brasil no domingo, que o país já domina o conhecimento e a tecnologia necessária para a fabricação da bomba. Ele diz que se o país tivesse interesse, desenvolveria a bomba atômica porque já atingiu um padrão de conhecimento.

– O Brasil cumpre seus compromissos internacionais – ressaltou Alves, que foi assessor especial do Ministério da Ciência e Tecnologia, do GSI e atualmente dirige o departamento de Tecnologia da Fundação ao Amparo à Pesquisa do Estado do Rio. Alves não é favorável à bomba, mas diz que o Brasil deve desenvolver e dominar toda a cadeia do conhecimento. – O respeito surge quando a outra parte se faz respeitar. Um dos princípios é o desenvolvimento. Tem que dominar a tecnologia nuclear e todas as outras, senão não é desenvolvimento. Desse ponto de vista temos todo o conhecimento.

Alves também lembra que o Brasil é fiel à Constituição e aos tratados e que se optasse por construir a bomba, acabaria com a paz no continente Sul Americano.

– Não é necessário ter a bomba. O importante é ter as condições para fabricar – completa o general Cardoso. A posição do ex-ministro de FHC e de Alves coincidem com as descobertas do físico Dalton Girão Ellery Barroso, do IME, sobre o avanço da pesquisa brasileira para o domínio do conhecimento sobre a bomba atômica.

No livro A Física dos Explosivos Nucleares, onde publica a maior parte de sua tese de doutorado no IME, Barroso mostra cálculos e equações em que desvendou a figura de uma ogiva nuclear americana, a W-87, cujo modelo original era mantido em segredo. O que se sabia, até então, eram as dimensões externas da ogiva. Barroso foi ao interior da figura. Chegou a resultados aceitáveis pela comunidade científica usando um sistema de cálculos computacionais que ele mesmo criou para fazer o cruzamento de modelos físicos e matemáticos conhecidos. No final, acertou até a potência do artefato, que tem 300 quilotons.

As conclusões provocaram uma reação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), entidade que fiscaliza os programas nucleares no mundo, que tentou retirar de circulação o livro com a tese Simulação Numérica de Detonações termonucleares em Meios Híbridos de Fissão-Fusão Implodidos pela Radiação. O caso provocou um conflito de posições entre os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e das Relações Exteriores, Celso Amorim. Jobim refutou as suspeitas de que o Brasil pudesse estar fazendo experimentos nucleares e garantiu o trabalho do físico brasileiro. Senadores da Comissão de Relações Exteriores e Defesa pretendem convocar Jobim, Amorim e outras autoridades militares para explicar o caso no Congresso.



23:17 - 07/09/2009


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Educação ambiental

Estado de Minas 08/09/09

O turismo tem um aspecto prático importante, pois pode ser o incentivador de adoção de boas práticas no âmbito ecológico
Reinaldo Dias - Professor do Programa em Turismo e Meio Ambiente do Centro Universitário UNA

Um dos aspectos que se deve destacar sobre o turismo, em particular o ecoturismo, é o seu papel no processo de conscientização ambiental. A política de educação ambiental estabelecida desde 1999 pela Lei 9.765 destaca o ecoturismo entre as ações e práticas pertinentes à educação ambiental não formal. O artigo 13 destaca as seguintes práticas não formais identificadas com a educação ambiental e voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente: a difusão, por meio dos meios de comunicação de massa, de programas e campanhas educativas, e de informação a respeito do meio ambiente; a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com outras organizações públicas, privadas e organizações não governamentais (ONGs); a sensibilização, por quaisquer meios, da sociedade para a importância das unidades de conservação; a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às unidades de conservação; a sensibilização ambiental dos agricultores; o ecoturismo.

Há uma urgente necessidade de elevação do nível de conscientização da humanidade como um todo. E este é o desafio mais importante da educação ambiental, tanto a formal, realizada nas escolas e instituições, quanto a informal, realizada por meio de experiências orientadas, por exemplo, através do ecoturismo. A educação ambiental é entendida como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (Lei 9.795/99). Incluídos nessa definição os processos reconhecidos para a educação ambiental que podem ser os formais e os não formais. A educação ambiental formal é aquela desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, em todos os níveis. A educação ambiental não formal inclui todas as práticas elencadas acima.

Não se deve isolar a perspectiva de inclusão do turismo como elemento de educação ambiental importante somente no âmbito do ecoturismo. Do ponto de vista de adoção de um modelo sustentável de turismo, é importante que todas as atividades associadas a esta atividade econômica, que se tornou a principal no mundo, incorporem uma nova visão a respeito do meio ambiente, contribuindo desse modo cada vez mais para o processo de conscientização ecológica. Assim, a educação ambiental cumpre um papel decisivo e, diferentemente do que muitos poderiam supor, não deve ficar restrita a uma proposta meramente ecológica, voltada unicamente para as áreas naturais. O turismo urbano, por exemplo, deve adquirir uma base ambiental explícita, em que seja incorporado um conceito amplo do meio ambiente, passando pela gestão ambiental na rede hoteleira, até a conscientização dos visitantes na utilização e eliminação de produtos que podem contaminar o meio.

O turismo tem um aspecto prático importante, pois tem tudo para ser o incentivador de adoção de boas práticas ambientais, como a recolha de recipientes – garrafas, sacos plásticos, latas etc. – nas margens dos rios e praias; a plantação de árvores em locais degradados; a contribuição financeira para a proteção específica de animais e plantas (compra de camisetas, brindes, artesanatos que se referem ao objeto de atenção), por exemplo, no Brasil, se desenvolve uma arrecadação junto a visitantes dos projetos Tamar, de proteção à tartaruga-marinha e do peixe-boi. Em relação ao que foi exposto, deve ficar claro que o ecoturismo, pela sua interação maior com ecossistemas frágeis, deve merecer uma atenção especial no no âmbito da educação ambiental, principalmente quanto o respeito a um aumento do conhecimento dos ecossistemas que serão explorados turisticamente; de outra forma, o processo para desenvolver atividades em lugares que têm atrativos pode tornar irreversível a compensação das perdas ambientais.

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