O Estado de São Paulo 15/09/09
Relatório de fevereiro de 1972 tem detalhes de viagens e treinamento
Wilson Tosta, RIO
Documento da Polícia Federal guardado no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj) comprova que os serviços de repressão política da ditadura militar (1964-1985) monitoraram o treinamento de militantes brasileiros em técnicas de guerrilha na Coreia do Norte. Um relatório da PF datado de 10 de fevereiro de 1972, elaborado com base em dados da 4ª Zona Aérea e do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), dá detalhes sobre viagens e adestramento de ativistas no país oriental. Não menciona nomes, nem organizações, diferentemente de guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN) treinados em Cuba, cujas turmas de adestramento e identidade eram conhecidas da polícia política do Brasil.
O Estado revelou no domingo que integrantes do grupo guerrilheiro Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) estiveram na Coreia do Norte em treinamento no início dos anos 70. Três deles - Irany Campos, Jovelina Toledo e um homem que pediu anonimato - deram detalhes do adestramento.
Segundo a reportagem, a VPR acertou com o embaixador da Coreia do Norte em Cuba a ida de militantes para o curso e o fornecimento de recursos. A ALN quase fechou acordo semelhante, mas ficou mais ligada ao Partido Comunista Cubano. Não há evidências de que outras turmas de brasileiros tenham ido à Coreia do Norte para adestramento, além da dos ativistas da VPR.
O relatório da PF, que integra o acervo do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio, afirma que o treinamento dos guerrilheiros era baseado nos métodos da Unidade 124 do Exército Popular Coreano. O trabalho, de acordo com o documento, começava às 5 horas, com ginástica com saco de areia de 30 quilos, e terminava às 22 horas. Mesclava noções de agitação, tática de guerrilha urbana e rural e transmissão de informações, entre outras.
"Os homens da 124 têm de cumprir, por exemplo, as seguintes tarefas: sete horas diárias de natação. Enterrar-se ao lado de uma estrada de movimento e ficar 12 horas escondido. Defender-se com um canivete de três atacantes desarmados, correr oito quilômetros em uma hora num terreno acidentado", diz o relatório da PF.
ROTEIRO
Dois terços dos alunos do curso, segundo o relatório, eram latino-americanos. Os outros eram africanos, árabes e do Sudeste Asiático.
A viagem dos guerrilheiros levava mais de um mês. Em plena Guerra Fria, quando havia duas Alemanhas, eles iam de avião até Berlim Ocidental. Dali, passavam para Berlim Oriental, onde permaneciam por oito dias, hospedados em casas particulares. Depois, seguiam para Moscou, com passaportes norte-coreanos, pela russa Aeroflot - as passagens eram pagas pela embaixada da Coreia do Norte na Alemanha Oriental. Na capital russa, ficavam mais oito dias, seguindo de lá para Pyongyang, pela Aeroflot, com bilhetes fornecidos pela embaixada norte-coreana na então URSS.
Os alunos do curso de guerrilha tinham de esperar dez dias na capital da Coreia do Norte, antes de seguir para um dos nove campos de treinamento, nos quais usavam uniformes do Exército Popular Coreano. A volta era pela Aeroflot, em voos para Berlim Oriental, onde embarcavam para Londres ou Bruxelas. Dessas capitais, seguiam para os países de origem. Os brasileiros da VPR não chegaram a voltar ao Brasil para empregar os ensinamentos. Muitos treinados em Cuba o fizeram e, em boa parte, foram mortos pelos órgãos de repressão.
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