Correio Braziliense 02/09/09
Patriotismo é que nem colesterol. Tem o bom, como o do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. E tem o ruim, que sempre é desejável manter sob controle
Por Alon Feuerwerker
Quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Alberto Menezes Direito, que morreu ontem de uma doença no pâncreas, pediu ano passado para interromper a sessão que julgava o caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol, pareceu estranho. Natural seria que ele, de conhecidas ligações com a Igreja, endossasse simplesmente a tendência da Corte naquele caso, só referendando a demarcação contínua da maneira como a coisa viera do Executivo. Que por sua vez agira também — e muito — pressionado pela hierarquia católica.
A estranheza acabou quando o julgamento foi retomado meses depois, e o ministro mostrou por que suspendera a sessão inicial. Tinha sido por uma boa causa: para incluir cláusulas, bem explícitas, que sobrepusessem o interesse nacional e a soberania do Brasil ao também constitucional direito dos povos indígenas a terra.
O voto de Menezes Direito, integralmente acolhido pelo relator, Carlos Britto, avançou em detalhamentos importantes. Acabou com a obrigatoriedade de as Forças Armadas pedirem licença à Funai, ou às comunidades envolvidas, para entrar em terras indígenas ou nelas se instalar. Eliminou as dúvidas sobre de quem são as riquezas do subsolo nas reservas: elas são da União. O voto é minucioso. Para os interessados, está tudo no site do STF.
Infelizmente, a doença cortou de modo prematuro a carreira do ministro Menezes Direito no Supremo. Sua passagem por ali foi relativamente rápida. Mas muito proveitosa. O exercício socialmente útil da função pública obedece a alguns parâmetros. Um deles: se você ocupa cargo, dê um jeito de o país estar melhor na hora em que você sair da cadeira. E se essa melhora tiver algo a ver com o que você fez, parabéns.
Também por isso, parabéns póstumos para o ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
Por falar em debate sobre patriotismo, tem suas razões a oposição quando protesta contra a urgência constitucional determinada pelo Executivo para a tramitação dos projetos do pré-sal. Se o assunto é importante a ponto de ser apresentado à sociedade brasileira como fonte da cura de todos os males, solução de todas as carências, pote de ouro na ponta do arco-íris, então por que não fazer o bom debate com tranquilidade no Congresso? Até por um detalhe: o governo tem maioria em ambas as Casas e pode votar o que quiser, na hora em que quiser.
Não é razoável o governo achar que o Brasil precisa bater palmas para a proposta só porque ela foi acertada intramuros no Planalto. Só porque ela agrada aos apetites do PT e do PMDB e de alguns sócios menores.
Mas o governo prefere apostar em outra linha, e também tem suas razões. Para o situacionismo, desejável será “demarcar os campos”, para fazer do pré-sal mais um instrumento de luta política. E colocar para andar o rolo compressor. Não deixa de ser inteligente como estratégia. Em vez de discutir a proposta em detalhes, dividir-se-á o país entre “os que estão a favor do Brasil” e “os que estão contra”. Os que defendem que o dinheiro do pré-sal vá “para o social” e os que desejam “engordar ainda mais as petrolíferas privadas”.
Com essa polarização primitiva e tosca, o governo pretende carimbar qualquer oposição ou dúvida sobre o projeto como impatriótica. Aqui entre nós, eu gosto mais de outro tipo de patriotismo. Um mais democrático, mais tolerante, mais sincero. Como aquele do ministro Menezes Direito na votação da Raposa Serra do Sol. Em que o STF precisou dar um jeito de corrigir e ajustar o que fizera o Executivo. Um bom exemplo de que o patriotismo não é monopólio de ninguém.
Quando o presidente da República, montado em sua enorme popularidade e dispondo de ampla maioria no Congresso Nacional, dá vazão a teses que veem no suposto “excesso de democracia” um risco à soberania nacional, enveredamos por caminhos perigosos. Que, aliás, nem combinam com a biografia conhecida de Lula.
Patriotismo é que nem colesterol. Tem o bom, como por exemplo o do ministro Menezes Direito. E tem o ruim. Que sempre é desejável manter sob controle.
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