Estado de Minas 16/09/09
Ana Lúcia Almeida Gazzola - Diretora-executiva do Instituto Inhotim
Diante do cenário de uma globalização acelerada, é recorrente o risco de uma homogeneização generalizada, com as habituais características predatórias e amplamente favorecedoras da desigualdade entre as nações. Se qualquer homogeneização significa empobrecimento da experiência, quando se estende ao campo da cultura e das dimensões simbólicas, os seus efeitos são devastadores. A necessária resistência a esta tendência e a reafirmação do direito à diversidade é, em nosso entendimento, uma luta inadiável e um item constitutivo de um humanismo contemporâneo.
Veio em boa hora o Seminário Regional Interculturalidade e Diversidade Cultural, realizado no início de agosto e organizado pelo Instituto Internacional da Unesco para Educação Superior na América Latina e no Caribe (Iesalc) e pelo Instituto Inhotim. O encontro ocupou-se de uma pauta cuja importância não cessa de crescer. Reunindo professores, pesquisadores e gestores de Instituições de Ensino Superior da América Latina e do Caribe, o encontro foi marcado não apenas pela defesa da diversidade, mas pelo reconhecimento de que a excelência acadêmica e a qualificação das instituições universitárias são inseparáveis da sensibilidade para com o entorno a que pertencem e por sua capacidade de propor agendas de investigação consonantes com o que as cerca. O papel das universidades, dada sua relação com o conhecimento e a cultura, dificilmente pode ser exagerado. Quando alicerçada na riqueza do campo simbólico, a diversidade ganha imediata amplitude social e passa a contar com recursos decisivos para se opor às tentativas de diluição das identidades. Currículos e formações, problemas e desafios, campos de investigação e estruturas institucionais, cada um destes itens deve levar em conta o enriquecimento proveniente da atenção à diversidade. É preciso corrigir a insistência dos que opõem o local e o global e ver aí, em vez do lugar de uma exclusão, uma oportunidade de mútua alimentação e, por que não, de um círculo virtuoso.
O Instituto Inhotim, ao organizar e sediar o seminário, confirma seu alinhamento com a defesa da diversidade. Quando propôs como agenda do seminário a visita aos quilombolas no entorno de Brumadinho, onde já trabalha há bastante tempo, Inhotim viu uma oportunidade de aproximar duas frentes de trabalho. De um lado, os responsáveis por programas universitários associados a populações indígenas e afrodescendentes e, de outro, comunidades cuja luta em defesa dos valores que sustentam sua identidade é continuada. O trabalho com os quilombolas, em Sapé e Marinhos, comunidades próximas à sede do instituto, é parte nuclear das tarefas do Inhotim e tem lugar por meio de uma presença constante, da continuidade ao longo de um tempo já grande e da persistência cuidadosa e delicada no enfrentamento dos eventuais conflitos que atestam o respeito a tudo o que se põe em jogo numa experiência intercultural. Certamente, o encontro entre as comunidades quilombolas e os integrantes do seminário confirmou que uma mesma luta, sempre a favor do ideal do direito à diversidade, pode ser conduzida a partir de frentes e instrumentos distintos.
Em todos os domínios de sua atividade, da arte ao meio ambiente, da gestão do conhecimento aos programas de inclusão e cidadania, Inhotim está atento ao que singulariza as sociedades do nosso tempo, a brasileira, especialmente. Ao mesmo tempo em que a exclusão social, marca histórica da sociedade brasileira, vai sendo mitigada e à medida que agentes tradicionalmente excluídos dos benefícios do desenvolvimento passam a ter voz mais ativa, devemos lutar, aqui e ali, nos territórios a que pertencemos, pela remoção dos obstáculos que impedem uma circulação mais livre, diversificada e generosa dos bens, materiais ou imateriais, tangíveis e intangíveis. Nossos programas voltados para a escola pública, que trouxeram aproximadamente 18 mil escolares a Inhotim em 2008; nossos programas educativos em arte e meio ambiente; a aproximação tão inédita entre os dois parques; o de arte contemporânea e o de meio ambiente; o entendimento da arte como leitura privilegiada da contemporaneidade; a responsabilidade por programas de gestão ambiental; e o crescimento exponencial do número de visitantes indicam o compromisso do Instituto Inhotim com a criação de um espaço sempre mais público e sempre mais generoso. Ou, o que é a mesma coisa, o compromisso com um mundo sempre mais diverso e respeitoso da diferença, e que possa ser, por isso mesmo, um mundo onde todos se reconheçam.
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