sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Para ter paz, prepare-se para guerra

Jornal do Brasil 17/09/09

Carlos Pereyra Mele


RIO - A frase romana “si vis pacem, para bellum” (se quiser a paz, prepare-se para a guerra) é de Renatus Vegetius, escritor da época do imperador Valentiniano II. Não é uma frase agressiva ou uma ideia expansionista ou imperialista, mas o contrário: para impedir uma guerra ou um país de ser atacado por outro, o melhor é estar bem armado para se defender e não para atacar outras nações. Entende-se, portanto, que quem tem uma boa defesa será respeitado por outras nações que não lhe atacarão.

Esta frase cai muito bem nestes momentos, especialmente depois do dia 7 de setembro de 2009 (Dia da Independência do Brasil), quando o país firmou com o governo da França um acordo estratégico mediante o qual Brasil receberá armamento e tecnologia de ponta para construir um novo sistema de defesa que estará integrado por 36 caças Rafale, 51 helicópteros e cinco submarinos, um deles nuclear, que o porá na vanguarda no continente sul-americano no que se refere ao sistema de defesa. Os equipamentos serão fabricados no Brasil com a transferência de tecnologia da França.

A partir desse momento, surge uma onda de críticas nos meios de comunicação de massa com as matrizes nos Estados Unidos, com argumentos como: corrida armamentista na América do Sul, gastos militares excessivos em uma América com grandes problemas sociais, ou com o argumento falso de um pacifismo hipócrita de que esta corrida armamentista impedirá nossa integração regional.

São os mesmos meios que nada disseram sobre as questões:

Para que os Estados Unidos em 2008 reativaram a IV frota que navega desde as águas do Caribe até nosso mar austral?

Por que incrementar, de forma desmedida, sua presença em nosso continente com novas bases na Colômbia?

Quais são as hipóteses de conflito que os Estados Unidos usam na América do Sul?

O Marechal alemão Von Clausewitz insistia que a guerra moderna é “a continuação da política por outros meios”. Depois da queda do muro de Berlim foi a forma que tomou a política externa dos EUA para controlar o mundo e tentar impor uma unipolaridade sem questionamentos em que tudo giraria de acordo com seus interesses estratégicos (por isso cordão de bases militares tanto no Caribe quanto na América do Sul, assim como no mundo), a instalação das mesmas se realizou sob o argumento de lutar contra o narcotráfico e terrorismo internacional.

Não temos que ser muito perspicazes para entender os objetivos e os destinatários desses movimentos militares com esta manobra estratégica intimidadora, em um continente que tenta não ser mais seu quintal e sobre o qual Washington quer manter o domínio completo e controlar os importantes recursos naturais de que dispomos.

A América do Sul não escolheu suas hipóteses de conflito, elas foram impostas pelo país do norte, já que, em um mundo globalizado, não escapamos do embate entre as potências emergentes e os EUA para estabelecer uma nova ordem mundial multilateral. Muitos analistas americanos importantes já acreditam que a América do Norte começou a derrocada.

E o que mostra este declínio não é tanto o pântano bélico de Iraque e Afeganistão, mas a crise financeira iniciada há um ano com a quebra do banco Lehman Brothers, e que se arrastou para a economia real mundial. E não se sabe como ela será resolvida.

Nesse cenário, o Brasil como potência emergente integrante do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), alcançou certo poder, que não tinha até poucos anos atrás, e para isso desenvolveu uma política externa guiada por uma paciência estratégica; para o Brasil, a capacidade de atuação soberana em uma economia globalizada se reforça no contexto de um bloco regional. O país sabe que, para promover seus valores e objetivos, os melhores aliados são os vizinhos. A partir dessas ideias, o Brasil optou por impulsionar um ambicioso programa de integração regional sulino e latino-americano.

Há poucos dias, dizíamos que o objetivo do Comando do Sul era o Brasil em nossa América do Sul e continuamos acreditando nisso. O Brasil não é apenas o gigante econômico e demográfico de nossa região, mas também alcançou o nível (de poder suave) com o qual se integra a vizinhos e sócios; como também tenta fazer parte do G8 e ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU; com o qual o país é uma séria ameaça às pretensões hegemônicas dos EUA na América do Sul.

O que está em jogo (neste tabuleiro instável que é o mundo de hoje), é a possibilidade de que nosso continente alcance os níveis de poder e soberania necessários para se incorporar à nova ordem mundial em condições de resistência a uma globalização que nos foi imposta e que não nos permitia ter uma importante autodeterminação interna. E neste quadro devemos entender o acordo estratégico firmado por Brasil e França; por aquilo que os clássicos nos ensinaram: se quiser a paz, prepare-se para a guerra.

* Carlos Pereyra Mele é analista político.

Tradução: Victor Barros

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