terça-feira, 1 de setembro de 2009

Um barraco aeroespacial

Estado de Minas 01/09/09

Reunião para discutir lançamento de foguete acaba em briga entre ex-ministro da Ciência e Tecnologia e um major-brigadeiro. Político vai para hospital e militar é demitido de agência
Noelle Oliveira

Brasília – O que era para ser mais uma das 20 reuniões já realizadas pela cúpula da Agência Espacial Brasileira (AEB) para discutir a questão espacial brasileira acabou em xingamentos e quase agressão física na última quarta-feira. O resultado da confusão será o afastamento de um dos diretores da agência, cuja exoneração deve ser publicada nos próximos dias no Diário Oficial da União (DOU). A confusão envolveu o diretor-geral brasileiro da Alcântara Cyclone Space (ACS), o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, e o então diretor de Transporte Espacial e Licenciamento da AEB, major-brigadeiro Antônio Hugo Pereira Chaves.

A reunião realizada no início da tarde na sede da AEB, em Brasília, tinha como pauta alguns ajustes com relação ao lançamento do primeiro foguete da empresa, o Cyclone 4, previsto para dezembro do ano que vem. Durante a discussão, no entanto, Amaral teria cobrado alguns posicionamentos da agência. O ex-ministro e outro integrante da Cyclone foram interrompidos várias vezes pelo diretor Antônio Chaves, o que irritou Amaral. Chaves e Amaral chegaram a esmurrar a mesa, até que o diretor da Cyclone xingou verbalmente o major-brigadeiro, que, irritado, jogou um copo de água em Amaral. Segundo um funcionário presente à reunião, a discussão só não terminou em pancadaria pela intervenção dos presentes. Fontes do setor afirmam que o major-brigadeiro Antônio Chaves foi demitido no mesmo dia. Já Amaral, com 70 anos de idade, acabou indo parar em um hospital no dia seguinte, apresentando quadro de pressão alta.

Procurado pelo Estado de Minas, Amaral confirmou por meio de sua assessoria a ocorrência do incidente. Ele destacou que as relações da AEB com a Cyclone são harmônicas e que ficarão “melhores ainda a partir de agora”. A agência, por sua vez, esclareceu em nota que, “no calor dos debates técnicos, houve um acirramento pontual de ânimos entre dois interlocutores, que, no entanto, não comprometeu as relações institucionais nem os prazos de andamento do referido projeto”. A agência não informou quem substituirá o diretor exonerado.

Segunda empresa binacional do país, a ACS nasceu há menos de dois anos, criada pelos governos do Brasil e da Ucrânia, para inserir os dois países no mercado mundial de lançamento de satélites, que movimenta, anualmente, mais de US$ 1 bilhão. No tratado firmado entre os dois países, cabe ao Brasil cuidar da infraestrutura do Centro de Lançamento de Alcântara (MA) e à Ucrânia, o desenvolvimento do foguete Cyclone-4. Até abril deste ano, a binacional já havia recebido US$ 72 milhões dos US$ 105 milhões previstos para serem repassados pelos dois países. O governo brasileiro investiu US$ 50 milhões e o ucraniano, US$ 22 milhões.

Lançamentos A empresa publicou em 14 de agosto os editais referentes às licitações das obras dos sítios de lançamentos do Cyclone 4. Outra etapa importante para a construção desses locais é a concessão da licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que já está em andamento.

Apesar dos objetivos em comum, fontes dão conta de que o relacionamento entre a AEB e a Cyclone não anda em seus melhores dias, como afirmou Amaral. A situação ficaria ainda mais complicada quando envolve militares ligados à Aeronáutica. A rixa estaria no fato de a binacional permear um setor historicamente ligado ao comando da corporação. No entanto, o primeiro foguete só será lançado agora, sob a administração da recém-criada binacional. Dois militares chegaram a trabalhar na Cyclone, mas foram demitidos.

Outro problema seria a forte influência política quando o assunto é o programa espacial brasileiro. Além de ser dirigida no Brasil por Amaral, vice-presidente nacional do PSB, a Alcântara Cyclone Space tem em seus quadros pessoas ligadas ao partido. A chefe de gabinete de Amaral é Patrícia Patriota, filha do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE). Amaral já foi questionado sobre o fato. “Aqui, o critério é currículo. Ela é uma expert no setor”, disse o ex-ministro na ocasião.


O político
Vice-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral foi ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004, no primeiro governo do presidente Lula. Ficou mais conhecido pelas declarações sobre a bomba atômica do que por sua atuação à frente da pasta, apesar de ter permanecido um ano na função. “Nós somos contra a proliferação nuclear, nós somos signatários do tratado de não proliferação (de armas nucleares), mas não podemos renunciar ao conhecimento científico”, afirmou o então ministro em 2003, em entrevista à BBC. Foi na gestão dele que aconteceu a maior tragédia do setor espacial brasileiro: em agosto de 2003, o Veículo Lançador de Satélites (VLS) explodiu na Base de Alcântara (MA), matando 21 pessoas. Amaral pediu demissão em janeiro de 2004, antecipando-se à reforma ministerial.

O militar
O major-brigadeiro Antonio Hugo Pereira Chaves foi cadete da Academia da Força Aérea (AFA),em 1967. Concluiu todos os cursos acadêmicos da carreira de oficial-aviador, além de ter sido qualificado como piloto operacional em reconhecimento e ataque. Formou-se em engenharia eletrônica no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e é doutor em engenharia de automatismo pela Escola Nacional Superior de Aeronáutica e Espaço (Emsae), que fica em Toulose (França). Orientador acadêmico nos cursos de pós-graduação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), foi, também, diretor do Instituto de Estudos Avançados (Ieav), gerente do Projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS 1), diretor do Instituto de Aeronáutica e Espaço e presidente da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica. Possui 20 condecorações nacionais.

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