sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Tremores no ensino superior

Folha de São Paulo 18/09/09

ARNALDO NISKIER

Não há mistério quando se busca uma explicação plausível para esses bons resultados: professores altamente qualificados


ENQUANTO ESTÁ na Câmara dos Deputados o anteprojeto de reforma universitária, num texto que está sendo mexido e remexido há quatro anos, o ministro Fernando Haddad concluiu que a versão existente é "bastante acanhada".

Certamente, se aprovada, não levaria a lugar nenhum, se considerarmos as imensas necessidades qualitativas do ensino superior.

É preciso assinalar, no entanto, que há tremores inusitados na base do sistema universitário. Coisa de 6 ou 7 na escala Richter, o que significa que é sentido em todas as latitudes.

Depois de acurada análise da Secretaria Nacional de Ensino Superior do MEC, vários cursos tiveram as suas vagas drasticamente reduzidas, como se estivesse chegando ao fim o tempo do facilitário.

Foi um corte dramático de 2.500 vagas, quase em todos os Estados brasileiros, surpreendendo pela severidade da medida (no bom sentido).

Tomando por exemplo os cursos de enfermagem, serviço social e fisioterapia, aconteceu um verdadeiro festival. Instituições com 500 vagas iniciais tiveram redução para 40, outras com 1.400 foram reduzidas para 630, e assim sucessivamente, pegando até mesmo universidades e centros universitários dos mais famosos.

A tesoura fez um serviço que há tempos se anunciava e que agora, pela coragem dos dirigentes educacionais, tornou-se realidade.

Alguém dirá que houve também uma drástica redução na demanda desses cursos, mas a posse de um número expressivo de vagas era como se fosse uma riqueza inexplorada, à espera de um milagre qualquer.

Há não muito tempo, era possível trocar vagas ociosas por outras em cursos mais procurados, como é o caso da administração. Acabou essa farra, e o MEC está consciente de que deve enxugar as instituições para que elas caiam na realidade da demanda existente ou da sua própria capacidade de assegurar bom ensino a um número determinado de alunos.

Os recentes exames nacionais comprovaram que estamos diante de uma tragédia anunciada. Cerca de 25% de todos os cursos existentes oferecem baixa qualidade (índices 1 e 2), exigindo medidas drásticas para a correção dos seus rumos.

O tempo das vacas gordas, em que o comércio dessa área era próspero e feliz, cedeu espaço a uma nova era, em que a seriedade da missão pedagógica das entidades é primacial. A grande cobrança está sendo feita pela própria sociedade.

Não há como culpar a escola pública ou a particular. Elas se aproximaram em termos de resultados, criando, isto sim, um fosso entre as que se dedicam seriamente ao seu trabalho e as que não têm essa mesma preocupação. O exemplo do Rio de Janeiro é o mais convincente (São Paulo oferece resultados distorcidos em virtude da ausência da USP e da Unicamp nas provas oficiais, por motivos pouco claros).

No Rio, em que se registrou o maior percentual de notas máximas do Enade, destacaram-se a PUC (o que ocorre há muito tempo, pelo seu notório compromisso com a vertente da pesquisa), a Fundação Getulio Vargas, o Ibmec e o Instituto Militar de Engenharia (IME), este aparecendo sete vezes na lista dos melhores cursos do país, especialmente nas áreas de engenharia, computação e informática.

Não há mistério quando se busca uma explicação plausível para esses resultados: professores altamente qualificados.

Ouvimos reclamações de dirigentes universitários: "O MEC está exigindo um número maior de doutores do que determinou a lei de diretrizes e bases da educação nacional".

Ora, se vai ser atribuído um índice ao estabelecimento de ensino, é natural que os da primeira fila sejam aqueles que não se limitaram apenas ao cumprimento formal da lei. Foram além de um terço de mestres ou doutores, o mínimo legalmente exigido. Se 449 cursos estão abaixo dos padrões, é natural que paguem por isso, e o seu destino pode até ser o fechamento, como já aconteceu numa escola superior de Minas Gerais.

ARNALDO NISKIER , 73, é doutor em educação, professor de história e filosofia da educação, membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do Conselho de Administração do Ciee/RJ (Centro de Integração Empresa- Escola).

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