terça-feira, 8 de setembro de 2009

Patentes e Justiça

Estado de Minas 08/09/09

Nelson Brasil de Oliveira - Vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina)

Duzentos anos após a promulgação da primeira lei brasileira de patentes – um alvará editado pelo príncipe-regente dom João VI concedendo proteção legal por 14 anos às marcas, patentes e desenhos industriais –, o Poder Judiciário deu há pouco uma firme demonstração de entendimento do significado desse privilégio para o desenvolvimento socioeconômico do país. Trata-se da decisão unânime da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de negar a extensão do prazo de patentes concedidas ao abrigo do regime anterior à Lei 9.279 (atual Lei de Patentes). Esse entendimento ficará como um marco da Justiça brasileira na defesa da indústria nacional contra o abuso do direito de patente por parte de grandes corporações multinacionais. Trata-se, no âmbito jurídico, de preservar o consagrado princípio da não retroatividade da lei, ainda mais quando aplicadas as tecnologias que já se encontravam em domínio público em meados dos anos 1990.

No intuito de contribuir para a formação de massa crítica no âmbito do Poder Judiciário nas questões de patentes que envolvem o setor da química final, a Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina) vem acompanhando há cerca de três anos os processos movidos contra o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) por empresas multinacionais contrariadas em tentativas de prolongar, sem base legal, seus direitos patentários. Como parte desse trabalho, a entidade municia os tribunais com dados sobre a significação econômica e social das patentes nas áreas contempladas – principalmente os programas oficiais de saúde pública –, mostrando a evolução dos preços e o custo para a população decorrente da indevida prorrogação desses monopólios. Essa forma de atuação, conhecida no meio jurídico como amicus curiae, visa a auxiliar o magistrado esclarecendo conceitos que possam ser por este desconhecidos mas que são de extrema relevância para uma mais adequada prestação da tutela jurisdicional. Como os limites processuais são instaurados pelo autor da ação judicial, é muito comum a omissão e a descaracterização de fatos e atos, e nesse contexto a atuação do amicus curiae contribui para evitar distorções na interpretação dos autos.

A natureza jurídica do amicus curiae ainda é uma questão controvertida, havendo quem a entenda de forma preconceituosa como uma espécie de intervenção atípica, de assistência, ou mesmo como nova modalidade de intervenção de terceiros. No entanto, já entendeu o STF, por meio do voto do ministro Celso de Melo, que o amicus curiae é simplesmente um “colaborador informal da corte”, não configurando a hipótese de intervenção de terceiros. De fato, também não há como ser confundido com a assistência, caracterizada pela parcialidade da conduta visando a um provimento final favorável a uma das partes. O amicus curiae é interessado na própria questão jurídica em debate, não importando em que sentido será prolatada a sentença, o que não impede que, em casos concretos, tenha interesse por determinado resultado.

Por outro lado, é justo que se exija da instituição que pretende auxiliar o corte de alguns requisitos. O primeiro deles é longa e sólida experiência em âmbito nacional, visando a evitar que entidades locais, sem tradição na área em questão, sejam mobilizadas para intervir em favor de interesses específicos. Outro requisito é provar que os interesses em causa ultrapassam o patrimônio jurídico dos litigantes, o que depende da resposta afirmativa à seguinte pergunta: o resultado da lide impactará sensivelmente a sociedade? Por último, exige-se que o “amigo da corte” tenha expertise no setor pertinente ao debate judicial. Atualmente, por empenho próprio e também pela interlocução qualificada que a figura do amicus curiae propicia, os magistrados do TRF da 2ª Região incumbidos de julgar ações de propriedade intelectual têm clara percepção dos interesses em jogo, conhecem a fundo a legislação de propriedade intelectual como também suas implicações econômicas e sociais e demonstram estar bem informados sobre o que ocorre no mundo nessa área. É isto o que a sociedade espera do Judiciário: que pense o país como um todo para que possa, efetivamente, fazer justiça. (Com Pedro Marcos Nunes Barbosa, advogado)

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