Folha de São Paulo 14/09/09
Um dos funcionários da Receita que lideraram a blitz a diário teria vínculos com agência de inteligência
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
Depois que a direção da Receita Federal e a Casa Rosada negaram a autoria da espalhafatosa blitz fiscal empreendida contra o grupo Clarín, na última quinta-feira, uma nova peça entrou no quebra-cabeças para desvendar a história.
A ordem para a operação, que contou com cerca de 200 agentes e envolveu buscas na sede do diário "Clarín" e em residências de diretores do grupo, teria partido da Side (Secretaria de Inteligência de Estado), órgão homólogo da Abin brasileira.
A atuação oculta da Side foi sugerida por jornais argentinos no fim de semana, depois de analisar o currículo dos dois funcionários da Receita que lideraram a blitz e foram afastados pelo diretor, Ricardo Echegaray. Um deles, Andrés Vázquez, teria vínculos anteriores -e atuais- com a Side.
Há duas versões antagônicas sobre quem na Side teria disparado a ordem. Uma delas aponta o marido da presidente, Cristina Kirchner, o ex-presidente Néstor Kirchner, que teria o órgão sob sua influência.
Essa seria a chave para entender a permanência no cargo de Echegaray, mesmo depois de afirmar publicamente que uma megaoperação do órgão que comanda foi feita nas suas costas. Echegaray entregou o cargo a Cristina, que recusou a renúncia, segundo o jornal "Página 12", aliado do governo.
É também do "Página 12" a insinuação de que Vázquez possa ter agido em linha com a Side, mas sob impulso de adversários do governo, como o governador de Chubut, Mario das Neves, peronista que se opõe aos Kirchner e é pré-candidato à sucessão de Cristina.
Essa hipótese abraça o argumento oficial de que o governo não seria tão estúpido para determinar uma ação que o prejudicasse com tanta contundência num momento crucial.
Está em discussão no Congresso o projeto do governo da Lei de Serviços Audiovisuais. O grupo Clarín é contrário ao projeto, em que vê tentativa do governo de controlar a mídia.
Além disso, os interesses econômicos do Clarín seriam seriamente afetados pela lei. As medidas de "desconcentração" de propriedade previstas obrigariam o grupo a se desfazer de parte de suas concessões, além de ver entrar no mercado de TV a cabo, que hoje domina, um enorme competidor -as companhias telefônicas ficam autorizadas a operar o "triple play" (telefone, internet e cabo).
O "Clarín" publicou ontem um texto em que contesta, com dados estatísticos sobre seu alcance, a designação de "monopólio" que o governo lhe dá. "Clarín é o principal grupo de mídia, mas o cenário é plural e competitivo", afirma o texto.
A blitz no "Clarín" ajudou a fortalecer a oposição contra a lei de mídia do governo, sob a liderança do vice-presidente, Julio Cobos, de quem a Casa Rosada pediu a renúncia, por seu gesto opositor. "Seria mais fácil renunciar, mas meu compromisso é com a cidadania e vou seguir onde estou", disse.
A associação dos empregados da Receita Federal, por sua vez, divulgou nota ratificando a blitz contra o "Clarín" e a competência da Receita para fiscalizar sem distinções. "Não pedimos desculpas nem concedemos privilégios", dizem.
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