segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A vez das guardas municipais

Jornal do Brasil 14/09/09

Ministério da Justiça prepara projeto de lei reforçando atribuições das forças locais de segurança

Vasconcelo Quadros

Brasília
Resultado da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, o pacote de medidas para reforçar o combate à criminalidade que o governo vai mandar para o Congresso tem como carro-chefe um projeto de lei definindo um novo papel para as guardas municipais. Restrito hoje a cerca de 20% dos 5.585 municípios, efetivo total em torno de 70 mil homens – 20% deles concentrados no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e Curitiba - e com atribuições que vão da vigilância de prédios a auxilio à polícia na segurança ostensiva, as guardas vão abocanhar um naco do “poder de polícia" que hoje está nas mãos das PMs e da Polícia Civil.

- Não é necessário modificar a Constituição para fazer as mudanças. Vamos regulamentar o parágrafo 8º do artigo 144, redefinindo as funções das guardas e explicando na parte penal o que significa tomar conta da segurança do município. Elas também poderão executar ações de segurança mediante convênios com as polícias estaduais - diz o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, responsável pela engenharia jurídica do projeto.

Abramovay garante que não haverá conflito de competências e exemplifica: a atuação das guardas na segurança pode ser semelhante ao que historicamente fizeram as polícias estaduais no combate ao tráfico de drogas. A repressão era uma atribuição exclusiva da Polícia Federal, mas foi repassada aos estados através de convênios. Atualmente, seria impossível dissociar as apreensões de drogas das atribuições das PMS e da polícia civil.

O governo sabe, no entanto, que vai mexer em interesses corporativos das instituições tradicionais (Polícia Militar e Polícia Civil), das empresas privadas de segurança - que sobrevivem e crescem cada vez mais com a paranóia da insegurança, gerada pelos altos índices de violência – e, especialmente, com a falta de preparo das guardas municipais. Os distúrbios ocorridos há duas semanas na Favela Heliópolis, em São Paulo, em protesto contra a morte da estudante Ana Cristina de Macedo, de 17 anos, atingida a tiros por vigilantes da Guarda Municipal de São Caetano do Sul, no ABC paulista, conspiraram contra a proposta do governo no auge do debate. A falta de preparo dos guardas que perseguiam deliquentes e dispararam acidentalmente contra a jovem foi uma ducha de água fria à proposta, mas alertou o governo para a falta de treinamento adequado num país que já institucionalizou as mortes por “bala perdida” cpomo uma justificativa para operações desastrosas.

- A capacitação deve acompanhar as mudanças - alerta Abramovay, que aposta na expansão do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) como uma espécie de estágio preparativo das mudanças radicais que o presidente Lula pretende implantar antes do encerramento de seu governo. Temendo desgaste político, Lula demorou sete anos para tratar da segurança pública - um tema normalmente discutido emocionalmente e conectado à agenda eleitoral - porque sabia que precisava mexer no vespeiro.

A municipalização da segurança pública, com um novo papel para as guardas, forçará o governo a adotar uma mudança ainda mais radical: retirar das Forcas Armadas o controle sobre as PMs e os bombeiros, um resquício do período autoritário garantido pela Constituição de 1988 que trata as corporações subordinadas aos governos estaduais como "forças auxiliares e reservas" do Exército. O fim desse vínculo, segundo Abramovay, foi uma das fortes conclusões da conferência que debateu a segurança pública. Por outro lado, no contexto do pacote de leis para reestruturar as Forças Armadas - outras medidas que devem ser discutida nos próximos dias pelo Congresso -, o governo pretende dar ao Exército, Marinha e Aeronáutica poder de polícia para lidar com problemas de segurança interna como nas operações em morros do Rio.

O pacote da segurança deve incluir ainda a proposta de autonomia para perícia forense e a criação de ouvidorias externas para Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional de Segurança, setores que funcionarão sem vínculo com as corporações ou com as corregedorias já existentes. A criação das ouvidorias vai depender também do Ministério do Planejamento porque será preciso criar cargos - são mais de 20 para cada corporação - e, consequentemente, despesas. Mas corrige uma contradição do próprio governo federal, que exige ouvidorias nas corporações estaduais·e municipais que recebem verbas da União para segurança. É também uma forma de estimular o controle externo das corporações e garantir na aplicação dos direitos humanos na segurança.

A mais forte modificação na atuação das polícias civis e militares, o chamado ciclo completo de ocorrências – o que equivale ma dizer que ao atender uma denúncia de furto ou roubo a PM cumpriria todas as etapas da investigação e só encerraria a atuação ao encaminhar o caso à justiça – pode não entrar no pacote que está sendo enviado ao Congresso. É que há divergências dentro do próprio Ministério da Justiça.

- Essa proposta agilizaria o atendimento à população. Ninguém precisaria mais chamar a PM e depois perder horas numa delegacia da Polícia Civil. E representa 70% das ocorrências policiais – defende o secretário nacional de Segurança, Ricardo Balestreri.

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