Estado de Minas 06/09/09
FUNCIONALISMO
Rasura em decreto assinado por Geisel em 1978 teria reduzido a um terço os benefícios pagos por fundos de pensão a funcionários em programas de demissão voluntária na década de 1990
Lúcio Vaz
Brasília – Documentos oficiais enviados pela Casa Civil da Presidência da República à Câmara dos Deputados apresentam indícios de que teria havido fraude no decreto presidencial que normatiza os direitos de beneficiários de planos de previdência nos casos de saída voluntária. Cópias do Decreto 81.240/1978, assinado pelo então presidente Ernesto Geisel, evidenciam que teria ocorrido uma rasura no parágrafo 2º do artigo 31. Essa alteração no documento original teria reduzido a um terço os valores pagos em programas de desligamento voluntário na década de 1990. Só no Banco do Brasil foram desligados cerca de 40 mil servidores. Associações de funcionários demitidos estimam que os ex-participantes da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) teriam cerca de R$ 20 bilhões a receber. A Previ afirmou ao Estado de Minas que concedeu aos participantes todos os benefícios previstos no regulamento da instituição.
O autor do requerimento de informação à Casa Civil, deputado Celso Russomanno (PP-SP), analisou os documentos e chegou a uma conclusão sobre a possível fraude: “O decreto original foi rasurado. Isso é grave”. Ele afirma que teriam ocorrido, na verdade, duas irregularidades. “Há um decreto presidencial datado de 20 de janeiro assinado por Geisel. E há um documento datado de 15 de junho que retifica o decreto presidencial. Mas esse documento não tem a assinatura do presidente da República. Além disso, pegaram o decreto de 20 de janeiro e o rasuraram.”
A documentação enviada à Câmara pela Casa Civil mostra o caminho do decreto que regulamenta a saída antecipada dos beneficiários dos planos de previdência. Em 15 de junho de 1978, o então ministro da Previdência Social, Luis Gonzaga do Nascimento e Silva, enviou um aviso (nº 140) ao ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Golbery do Couto e Silva, afirmando que teria havido um “erro de remissão” no parágrafo 2º do artigo 31 do Decreto 81.240. A retificação diz expressamente: “Onde se lê: no caso do item VII; leia-se: no caso do item VIII”. Essa pequena alteração teve uma repercussão bilionária.
Perdas Considerando o decreto original, assinado por Geisel, em caso de saída voluntária e antecipada de entidades de previdência privada, o beneficiário teria direito a restituição de 50% das contribuições feitas – incluindo as patronais. Com a retificação, ficou estipulado que a saída voluntária “implicará a perda dos benefícios para os quais não foram contempladas as contribuições necessárias”. Na prática, quem aderiu aos programas de desligamento voluntário na década de 1990 recebeu apenas a metade das próprias contribuições, o que corresponde a 16,5% do montante apurado.
O ex-funcionário do Banco do Brasil João José Lopes, 55 anos, recebeu em 1995 o equivalente a R$ 275 mil hoje. Isso representaria 16,5% do total das suas contribuições. Sem a retificação do decreto presidencial, ele teria recebido três vezes mais, avaliam as associações que defendem ex-participantes desligados voluntariamente.
Denúncia na comissão
A denúncia de que a retificação do decreto não teria a assinatura do presidente Ernesto Geisel foi feita pelo presidente da Associação Brasileira de Previdência (Abraprev), Fernando Toscano, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, em 9 de junho. Após a audiência, Russomanno encaminhou requerimento de informação à Casa Civil para buscar documentos que pudessem comprovar a denúncia. Nos documentos enviados, a retificação não vem acompanhada da assinatura de Geisel. Questionada pelo Estado de Minas, a assessoria de imprensa da Casa Civil afirmou que “foram encaminhados à Câmara todos os documentos disponíveis sobre o Decreto 18.240/1978” e que todos os trâmites legais teriam sido seguidos. Mas a maior novidade foi a possível rasura no parágrafo 2º do artigo 31. Diversas associações de ex-participantes de fundos de pensão privados estão movendo ações na Justiça para tentar ampliar os valores recebidos nos programas de desligamento voluntário promovidos por várias estatais.
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