A caixa-preta da ABIN e o STF
Artigo de André Soares 29/06/2017
A recente denúncia da revista VEJA sobre o emprego da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) pelo governo Temer, para investigar o ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator da Operação Lava-jato; que foi veementemente condenada pela presidente do STF ministra Cármen Lúcia, pelo procurador-geral da República (PGR) Rodrigo Janot, bem como por insignes entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a própria Associação dos Servidores da ABIN (ASBIN); traz à baila a recidiva das clandestinidades da invencível caixa-preta da ABIN, notadamente sobre a Suprema Corte do país.
Os desvirtuamentos da ABIN, a exemplo dos protagonizados na Operação “Satiagraha” em 2008, constituem os mais escabrosos atentados da história perpetrados por serviços de inteligência contra o próprio estado. Se cometidos nas principais potências mundiais, seus dirigentes teriam sido condenados à prisão perpétua ou à pena capital. Não por acaso, seus diretores-gerais foram exonerados da função por envolvimento da agência em gravíssimas obscuridades, estranhamente nunca apuradas. Compreende-se então porque a ABIN goza de péssima reputação no âmbito da comunidade internacional dos serviços de inteligência, razão pela qual Carlos Costa, chefe do FBI no Brasil por quatro anos, sentenciou publicamente: “...a ABIN é uma agência de inteligência que se prostitui...”.
Como órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), causa enorme perplexidade a assombrosa ineficiência da ABIN no cumprimento de sua precípua missão institucional, pela sua total incapacidade de antecipar graves ameaças e contingências nacionais, não tendo detectado nem mesmo a monstruosidade dos crimes do “mensalão”, “petrolão” e da operação “Lava-jato”. Consequentemente, a degenerescência da ABIN, aliada ao seu total descontrole por parte do estado, juntamente com a absoluta impunidade de sua cúpula, somada à sua completa ineficiência em defender o país da ação de seus inimigos, são a causa principal do caos de corrupção generalizada que vitima o Brasil na atual conjuntura, dentre outros flagelos.
A verdade é que o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) ressuscitou no Brasil a degenerescência do Serviço Nacional de Informações (SNI), criando a ABIN, pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999, com amplos poderes como órgão central do SISBIN, e entregando o seu comando a uma inescrupulosa “comunidade de inteligência”, completamente acima da lei no país. Ou seja: um suicídio pátrio anunciado.
Isso porque, em todo o mundo, os serviços secretos são as instituições mais poderosas e corruptíveis do estado, cujo desvirtuamento é fatídico à nação. É por esse motivo que os países desenvolvidos submetem rigorosamente seus serviços secretos ao estado democrático de direito, exercendo o controle cerrado sobre suas atividades, especialmente as operacionais, e punindo exemplarmente quaisquer desvios e ilicitudes.
No Brasil, ressalta-se que a descoberta de todas as clandestinidades da ABIN decorreu exclusivamente de denúncias da mídia, nunca da eficiência dos órgãos responsáveis pelo controle de suas atividades, como a Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional (CCAI), os Poderes Executivo e Legislativo, o Ministério Público, os Tribunais de Contas, a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional, e a Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (CISET).
Destarte, com a caixa-preta da ABIN incólume ao Estado de Direito, nossos governantes se tornaram suas vítimas, principalmente os ministros do STF, como vem sendo denunciado à exaustão e de longa data, tanto pela grande mídia nacional, como pelos próprios ministros da Suprema Corte.
Por que o STF é o principal alvo da arapongagem oficial? Porque a Suprema Corte comanda o único Poder da República que não se desvirtuou ante esse estado de coisas, tendo condenado corajosamente a ABIN, em 2015; a qual já havia sido condenada anteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2011; cuja hedionda atuação criminosa na “Satiagraha” foi assim descrita pelo Exmo Sr Ministro Adilson Vieira Macabu (Habeas Corpus 149.250 – SP): “Jamais presenciei, eminentes Ministros, ao defrontar-me com um processo, tamanho descalabro e desrespeito a normas constitucionais intransponíveis e a preceitos legais".
Mais estarrecedor é testemunhar no Brasil, país em que até presidentes da república são celeremente denunciados à justiça para apuração de eventuais ilicitudes, que a cúpula da ABIN se regozija em abençoada impunidade por seus crimes na “Satiagraha”, apesar de já condenados no STF, cujos dirigentes responsáveis não foram sequer denunciados.
Portanto, que os ilustres ministros do STF não se deixem enganar. Pois, nesse contexto caótico, a Suprema Corte é a única ameaça institucional no país ao projeto de poder criminoso da “comunidade de inteligência” que governa os serviços secretos no Brasil. Significa que o STF corre risco real muito mais gravoso que a instalação de grampos telefônicos e escutas ambientais em seus gabinetes. Importa dizer, por derradeiro, que não fosse o trágico “acidente” da morte do ministro do STF Teori Zavascki,em janeiro deste ano, dificilmente o eminente relator da Operação Lava-jato escaparia da fúria da “comunidade de inteligência” que o caçava impiedosamente.E que Deus proteja a Suprema Corte!