Artigo de André Soares - 28/04/2018
A
“teoria da mochila” ficou assim conhecida no filme “Amor sem escalas”
(Up in the air - 2009), estrelado pelo famoso ator George Clooney, no
papel do personagem Ryan Bingham,
que é um palestrante consultor de RH, que viaja pelos EUA a serviço de
uma empresa. Em suas palestras, Ryan apresenta a sua “teoria da
mochila”, que interpreta os problemas da vida moderna segundo a analogia
de se carregar nas costas uma mochila, cujo conteúdo consiste em tudo o
que a vida de cada pessoa representa.
Assim,
começa-se com cada pessoa colocando seus pertences em sua respectiva
mochila, a partir das pequenas coisas das prateleiras e gavetas,
bugigangas e coleções. Sente-se, portanto, o peso da mochila aumentar.
Posteriormente, devem ser acrescentadas coisas maiores, como: roupas,
louças, abajures, roupa de cama. E maiores ainda, como: sofá, TV, cama,
mesa de cozinha, carro, casa. Enfim, tudo o que se possuir deve ser
colocado dentro da mochila. Evidentemente, que a mochila ficará
pesadíssima, ferindo os ombros e o corpo de cada pessoa, e
consequentemente será impossível andar e movimentar-se.
Mas,
não acabou. Tem mais. Porque a vida é feita principalmente dos
relacionamentos interpessoais. Portanto, devem ser colocados também
dentro dessa mochila os animais de estimação, amigos, colegas de
trabalho, família, casamento, esposa, marido, filhos, etc, bem como
todas as inerentes demandas e responsabilidades a eles associados. Por
óbvio que, o peso dessa mochila será tão exponencialmente pesado que não
apenas inviabilizará qualquer possibilidade de movimentação das
pessoas, como inviabilizará também a condução satisfatória de suas
próprias vidas. Porque, como sabiamente diz o palestrante Ryan no filme:
“a vida é movimento”.
Destarte,
a excelente analogia da “teoria da mochila” explica com rara
simplicidade a causa da "crise do século XXI", ou "mal do século", que
é a pandemia de doenças e transtornos mentais, cuja projeção da
Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê se tornar até 2030 a patologia
mais prevalente no planeta, à frente do câncer e algumas doenças
infecciosas; na qual estresse, ansiedade, fobias, bipolaridade,
depressão, assédio moral, “bullying”, síndrome do pânico, dentre outros,
fazem parte do inevitável coquetel de problemas psicológicos da vida
moderna.
Isso
porque, com as imposições do mundo atual, as pessoas estão
cotidianamente e progressivamente transformando suas próprias vidas num
ônus insuportável de ser administrado por elas mesmas. Assim, o
resultado não poderia ser outro que não fosse o “mal do século”. Nesse
contexto, considero que a “teoria da mochila” pode ser aperfeiçoada para
a “teoria da canoa”. Isso porque, a meu sentir, a vida contemporânea e o
“mal do século” têm mais analogia com o ato de se navegar numa canoa,
do que com o ato de se carregar uma mochila.
Explico.
A analogia da “teoria da mochila” permite que cada pessoa coloque
dentro dela tudo o que quiser, ilimitadamente. E, quando seu peso se
tornar insuportável, possibilita obviamente duas soluções para se viver
satisfatoriamente: esvaziar a mochila, ou abandoná-la. Todavia, essa
analogia possui algumas inconsistências com a realidade. Primeiramente,
porque a vida real tem limitações e não possibilita ao indivíduo
sobreviver a um ônus ilimitado. Em segundo lugar, porque esse ônus é
inerente à própria vida, sendo impossível abandoná-lo por completo.
Destarte,
a vida contemporânea e o “mal do século” têm mais analogia com a
“teoria da canoa”. Isso porque, assim como a vida real, as limitações de
peso de uma canoa condenam seu tripulante ao naufrágio, caso seja
excedido. E, como o ônus da vida é inevitável, a solução é apenas uma:
“navegar” a canoa (viver a vida) com o menor “peso” (ônus) possível.
De
toda forma, seja pela “teoria da mochila” ou da “canoa”, a grande
contribuição dessa analogia é desvelar aos contaminados pelo “mal do
século” o que eles não sabiam: que a causa determinante dessa pandemia
não está no mundo; mas sim nelas mesmas. E que, consequentemente, a
solução depende exclusivamente delas.
Todavia,
ultrapassado esse crucial ponto de inflexão, um novo e intransponível
óbice se apresenta às pessoas para se curarem do “mal do século”: a sua
incapacidade em “esvaziar”, seja a “mochila”, seja a “canoa”. Porquanto
mesmo conscientes do imperativo de se livrarem dos “ônus” que
incorporaram excessivamente em suas vidas, as pessoas ficam impotentes
em cumprir esse desiderato porque se tornam escravas e reféns desse
próprio mal que criaram para si. Não que essa libertação seja
impossível, mas porque o sofrimento a ela associado é descomunalmente
insuportável.
Portanto,
não se pode mais alegar desconhecer tanto a causa como a cura para “mal
do século”. Mas, por que então as pessoas estão cada vez mais
contaminadas e sofrendo dessa pandemia? Porque elas querem alcançar o
sucesso e a felicidade em suas vidas sem sofrimento. E isso é que é
impossível.