segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Arqueologia da inteligência

Estado de Minas 18 de janeiro de 2010

PEC 398/09 estabelece os fundamentos dos serviços de inteligência no país e prevê o controle interno e externo dessas atividades
Hércules Rodrigues de Oliveira
Professor universitário, mestre em administração

O arqueólogo germânico Joachim Herrmann disse certa feita que “não há sociedade ou homem sem consciência histórica. A humanidade não pode compreender-se sem delinear seu futuro, sem apreciar e acolher seu passado”. A assertiva se encaixa no esforço de Israel na preservação da sua memória, pelo juramento de seus soldados diante das ruínas da histórica fortaleza de Masada, que preferiu o autossacrifício de seus defensores à dominação do Império Romano, jurando: “Masada não cairá nunca mais”. Exemplos como estes podem ser encontrados em todos os continentes, simbolizando, grosso modo, a luta por justiça e liberdade. Para nós, brasileiros, a Batalha dos Guararapes, em 19 de abril de 1648, em Pernambuco, torna-se marco histórico, porque nela se assentaram as raízes do Brasil em que o branco, o negro e o índio, irmãos de armas, lutaram contra o invasor holandês para a defesa da nossa soberania e, ato contínuo, formaram o Exército vitorioso de Duque de Caxias. Por esse viés, deve-se também conhecer a história da atividade de inteligência na Terra de Vera Cruz, conforme registro do primeiro relatório de inteligência em ultramar, produzido por Pero Vaz de Caminha, a dom Manuel I, rei de Portugal, cognominado O Venturoso. Nota-se autoridade máxima a quem foi destinado esse documento. Em mais de 80 anos de atividade institucional dos serviços de inteligência, também conhecidos como serviços secretos, pouco se sabe, a não ser quando se faz a malfazeja ponte com o Serviço Nacional de Informações (SNI), extinto em 1990 pelo governo Collor. Despiciendo aspectos do embate ideológico, ora centrado no estigma da atividade fruto do regime militar, ora por questões que se entendem revanchistas, verdade é que a sociedade civil e, principalmente, a nossa juventude, apesar de desconhecer os aspetos historiográficos, vêm se manifestando favoravelmente à atividade, haja vista o número sempre expressivo de candidatos ao cargo público de oficial e agente de inteligência. Mas o mais significativo é que vêm se manifestando de forma solidária aos operadores de inteligência e crítica ao descobrirem que a prática institucional da inteligência até recentemente não vinha sendo protegida pelo manto constitucional e que algumas das ferramentas (técnicas operacionais) para a busca do “dado negado”, muitas vezes, imprescindível ao êxito da missão, entre as quais a escuta telefônica autorizada pelo Judiciário, não fazem parte do rol de atribuições da inteligência de Estado. Fatos como esses mostram que a inteligência no Brasil está mudando. Ressalta-se que mudanças são sempre necessárias e refrigeram as almas. Nesse contexto, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deve continuar no seu trabalho de valorização e retenção de seus recursos humanos, com o objetivo de oxigenar seus quadros a fim de evitar que chefias nela permaneçam por mais de 15 anos, deixando a visão insular, e divulgando, por todos os meios, a prática legal da atividade de inteligência no mundo acadêmico, que tem oferecido oportunidades graciosamente. O momento é propício, haja vista a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 398/09, do deputado Severiano Alves (PMDB-BA), que estabelece os fundamentos dos serviços de inteligência e prevê o controle interno e externo dessas atividades no Brasil, inserindo o capítulo IV ao Título V da Constituição Federal, referente à atividade de inteligência e seus mecanismos de controle. A proposta, aos olhos da providência divina, “aquela que tarda, mas não falha”, suprime lacuna da Carta Magna de 1988, que, por razões, à época, políticas, não fez referência ao Sistema Nacional de Informações (Sisni). “Ao elevarmos a inteligência ao status constitucional, tornaremos essa atividade mais transparente e coerente com os princípios democráticos, o que será benéfico para os próprios serviços secretos e os servidores que neles trabalham”, diz Severiano. Além disso, o deputado afirma que o controle dos serviços de inteligência é tão importante quanto a própria existência dessas atividades.
O artigo 144-A da PEC determina que “a atividade de inteligência, que tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado democrático de direito e da dignidade humana, será exercida por um sistema que integre os órgãos da administração pública direta e indireta dos entes federados”. No artigo seguinte, dispõe que “será desenvolvida, no que se refere aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas e meios sigilosos, com irrestrita observância dos direitos e garantias individuais e fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado”. Percebe-se no legislador a intenção maior em pavimentar com ética e com o devido controle a prática da inteligência. Certamente que assim o fazendo não haveremos de ter de provar os valores dos verdadeiros profissionais de inteligência, a despeito das ruínas deixadas pelo mau-caratismo, bajulação e incompetência. Esses atributos não vencerão nunca mais!

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