Artigo de André Soares 25/05/2017
Grampo telefônico e delação premiada são denominações impróprias para designar instrumentos de investigação cuja importância é indevidamente maximizada no Brasil, quanto ao seu emprego e valor probatório. Tal situação avulta de importância porque na atual conjuntura estão no epicentro das investigações da Operação Lava-jato que apura a avassaladora corrupção nacional, sem precedentes no mundo. Portanto, urge à sociedade conhecer suas limitações e vulnerabilidades, para conduzir ao seu melhor emprego.
Vulgarmente conhecido por “grampo telefônico”, destaca-se ser esse termo pejorativo de todo justificado. Porquanto o seu emprego está fortemente influenciado pela herança maldita do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), que o empregava precipuamente para perseguir opositores do regime militar. Por essa razão, o grampo telefônico foi proibido com o fim dos governos militares, e renascido clandestinamente pela comunidade desempregada do SNI que o disseminou criminosamente pelo país, especialmente em espionagem política e econômica.
A interceptação telefônica foi reinstituída pela lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, com o propósito de se contrapor ao recrudescimento do crime organizado no país. Todavia, o que se viu foi a inauguração da “grampolândia” brasileira, cujo desvirtuamento tomou proporções extremas, notadamente nos crimes da “Operação Satiagraha”, em 2008, perpetrados pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), cuja cúpula permanece em completa impunidade.
Agrava-se esse quadro visto que o valor probatório da interceptação telefônica, ao contrário do que se imagina, é muito limitado. Porque, em termos jurídicos, numa ação penal, esse instrumento prova apenas que alguém disse algo sobre um determinado fato. Mas não prova que esse fato seja verdadeiro, ou que tenha acontecido, ou que alguém o tenha realizado de fato.
Imagine-se, por exemplo, que alguém é flagrado numa interceptação telefônica tratando sobre um roubo a banco, um assassinato, etc. Se, posteriormente, esse crime se efetivar; a interceptação, por si só, prova juridicamente apenas o que esse alguém disse; mas não prova que o tenha cometido. Portanto, em termos reais, a maior importância da interceptação telefônica está em subsidiar elementos informacionais para a consecução de outras ações investigativas e policiais mais efetivas.
Destarte, a recente descoberta do grampo clandestino realizado pela Polícia Militar do estado de Mato Grosso contra diversas autoridades é mais uma escabrosa constatação da “grampolândia” brasileira, cujo “modus operandi” criminoso vem sendo perpetrado pelos governantes e autoridades públicas há décadas.
A colaboração premiada, vulgarmente conhecida por “delação premiada”, foi instituída mais recentemente pela lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Sobre a legitimidade do seu emprego e valor probatório, conquanto ainda seja insipiente no país, já há críticas severas de renomadas autoridades quanto ao seu mau uso.
Contudo, importa registrar uma característica peculiar ao instituto da colaboração premiada que é extremamente nefasta ao estado: a necessidade de negociar com criminosos e organizações criminosas (ORCRIM). Negociação esta que pode inclusive lhes proporcionar o perdão judicial ou impunidade pelos graves crimes cometidos contra o estado e a sociedade, como já vem ocorrendo na Operação Lava-jato.
Pergunta-se: É justo e ético, por parte de um estado soberano, perdoar ou premiar criminosos e ORCRIM pelos graves crimes perpetrados por eles contra o próprio estado e a sociedade?
Resposta: Não! Porque um estado soberano e forte não negocia com criminosos e ORCRIM. Ao contrário, os pune rigorosa e exemplarmente. A não ser que esse estado não seja tão forte e soberano assim!
Aqui se insere o aspecto mais preocupante e vulnerável ao estado em relação à colaboração premiada. Porque a sua adoção é diretamente proporcional à fragilidade estatal. Ou seja, quanto pior for a capacidade de investigação do estado, maior será a sua dependência à colaboração premiada de criminosos e ORCRIM para a elucidação de crimes; chegando-se ao ponto do estado tornar-se refém, quando de sua total incapacidade. Por isso, é um perigoso engodo a celebração da proliferação de colaborações premiadas que se verifica no país. Porque um estado eficiente evitará ao máximo fragilizar-se ao emprego desse instrumento.
A verdade é que o colapso brasileiro não é apenas político-partidário, psicossocial e ético-moral, mas também institucional, face à falência dos órgãos responsáveis pela proteção do estado, cuja prova cabal é assombrosa corrupção a que chegamos. Nesse mister, destaca-se causar profunda perplexidade a escabrosa ineficiência da ABIN em sua missão precípua de identificar ameaças ao estado, mas que estranhamente, ao longo de sua história, nunca informou as mais graves contingências sofridas no país, menos ainda sobre o caos de corrupção objeto da operação Lava-jato.
Portanto, o Brasil necessita urgentemente cumprir sua missão constitucional de ser um estado eficiente, com instituições competentes no desempenho de suas atividades-fim, para fazer frente à criminalidade organizada. Caso contrário, se tornará em breve o país onde o crime compensa e o paraíso dos criminosos.
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