sábado, 12 de fevereiro de 2011

O corporativismo dos arapongas da Abin


Coluna do
Ricardo Setti
VEJA

Amigos, recebi uma saraivada de críticas por meu comentário de terça, dia 8, intitulado “Indisciplina de arapongas da Abin contra o chefe, general Elito, é teste para a propalada firmeza de Dilma”. (Se quiser relembrar, leia aqui). Fui acusado de querer punir pessoas por sua opinião e de outras coisas menos delicadas.
O Estadão do dia seguinte publicou a respeito seu principal editorial do dia, irretocável, sob o título “Arapongas no Planalto”,ao qual eu nada teria a acrescentar. Leiam e julguem:
“O governo está na obrigação de cortar pela raiz, por inaceitáveis, as ações de um setor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) cujos líderes foram fazer lobby no Palácio do Planalto — e, pior do que isso, deram publicidade à sua iniciativa- – para que o serviço secreto deixe de se subordinar ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), como foi estabelecido desde a sua criação, em 1999, e passe a responder a um “comando civil”.
A pretexto de que o titular do GSI nomeado pela presidente Dilma Rousseff, general José Elito Carvalho Siqueira, exige que todos os relatórios da agência sejam submetidos previamente à sua análise antes de encaminhá-los à chefe do governo — como se nisso houvesse algo de ilícito ou ameaçador à integridade do trabalho dos seus autores –, representantes de um grupo que reuniria não mais de 120 arapongas tomaram uma atitude que deixaria abismados os seus colegas em qualquer país sério do mundo.
http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/files/2011/02/Abin1.jpgQuatro dirigentes da recém-criada Associação dos Oficiais de Inteligência (Aofi), uma das duas existentes no serviço (a outra é a Associação dos Servidores da Abin), foram recebidos no Planalto, a pedido, em 27 de janeiro, por três funcionários da chefia do Gabinete da Presidência, aparentemente à revelia do seu titular, Giles Azevedo, que depois não esconderia a sua irritação com o fato.
Ao cabo de uma hora e meia de audiência, os agentes deixaram uma carta na qual, falando em nome da “comunidade de inteligência”, pedem a mudança na cadeia de comando do organismo. O porta-voz do movimento corporativista, que não quis se identificar, alegando que faz serviço de campo – como se a sua mera aparição na sede do governo já não fosse incompatível com a sua atividade -, fez um trocadilho crasso com o nome do chefe do GSI e o título do filme nacional de maior bilheteria, dizendo que os seus representados não querem ser uma “Tropa de Elito”.
Com razão, o general considerou a reunião um “ato de indisciplina e de rebeldia”. Para ter ideia da enormidade, imagine-se um grupo de espiões da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos não só batendo às portas da Casa Branca para se queixar da autoridade a quem a CIA está subordinada, como sendo recebidos por assessores presidenciais e ainda tomando a decisão — talvez o mais escandaloso de tudo — de permitir que jornalistas se inteirassem não apenas do encontro, mas também do teor do documento que deixaram para ser entregue à presidente.
No caso concreto, os interlocutores dos agentes insubordinados teriam pedido que esperassem “um momento mais adequado”, quando a questão da Abin entrasse na pauta do Planalto, para divulgar a carta de pouco mais de uma página a Dilma. Nem nisso foram atendidos.
A julgar pelo que o grupo conseguiu plantar na imprensa, a justificativa para a sua conduta seria a intenção de varrer da Abin o que nela existiria de entulho autoritário, a herança do antigo Sistema Nacional de Informações (SNI) da ditadura militar, extinto depois da redemocratização. A esta altura da vida nacional, no sexto governo da República eleito pelo voto direto e na plena vigência das instituições democráticas, invocar a triste memória do SNI, completamente desmantelado, para encobrir o que não passa de uma manobra corporativista é querer fazer a presidente de idiota.
A rigor, se as autoridades permitirem que prospere, o lance poderá ser, isso sim, o embrião de um processo de desvirtuamento das finalidades da Abin, como o que aconteceu com o próprio SNI, degradado pelo corporativismo num misto de polícia política e sindicato de ladrões.
No governo passado, quando agentes da Abin foram acionados irregularmente para trabalhar na Operação Satiagraha, conduzida pelo então notório delegado Protógenes Queiroz, tratou-se de um evidente desvio de funções. Mas isso poderia ter acontecido, ou poderá se repetir, seja militar ou civil a autoridade à qual o órgão está vinculado.
O imperativo de conter a agência nos limites dos objetivos para os quais foi criada – suprir o presidente da República de informações estratégicas para as suas decisões – não deve ser prejudicado por rivalidades e disputas paroquiais de poder

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