terça-feira, 3 de maio de 2011

A "grampolândia" brasileira

Artigo de André Soares – 03/05/2011






      
   

Depois de o Brasil ser mundialmente consagrado como “país das favelas”, já podemos nos envergonhar também como sendo o “país do grampo telefônico”.  Qualquer cidadão(ã) brasileiro(a), sem exceção, está vulnerável ao grampo telefônico ilegal e clandestino, que se transformou num balcão de negócios no país. Os principais responsáveis por esse estado de coisas são nossos próprios dirigentes e governantes, a exemplo do depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das escutas telefônicas clandestinas, em 2007, do General Jorge Armando Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, declarando que “a única forma de evitar grampo telefônico é não abrir a boca.”
Vulnerável é o estado democrático de direito do país em que nada acontece quando a magistratura de sua mais elevada corte alardeia, em indisfarçável desespero, ser vítima indefesa de grampo telefônico, criminosamente produzido pelo próprio estado constituído. Pois, lembremos que isso aconteceu em 2007, quando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) orquestraram publicação especial da revista Veja (edição 2022), com suas fotografias estampadas em destaque, ilustrando veementes acusações de corrupção contra a Polícia Federal, cuja “banda podre” estaria grampeando os ilustres ministros do STF. Contudo, a despeito dessas gravíssimas acusações da instância máxima do poder judiciário, estranhamente nada aconteceu.
Porém, isso se repetiu novamente em 2008, quando o presidente do STF, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres fizeram veementes acusações de terem sido vítimas de grampo telefônico, criminosamente produzido pela “banda podre” da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).
Não nos esqueçamos que esse fato redirecionou os esforços da CPI do grampo telefônico, criada originalmente para investigar a já descontrolada "grampolândia" brasileira. Assim, em seus quase dois anos de apurações, a CPI revelou, dentre outras, a maior e pior crise institucional de inteligência de nossa história, desvelando um festival de clandestinidades protagonizadas pela ABIN na operação Satiagraha, que levou o então presidente Luís Inácio Lula da Silva a afastar imediatamente toda a cúpula da agência. Dentre elas, a CPI descobriu também que a ABIN, desrespeitando o princípio constitucional da legalidade, infiltrou clandestinamente seus agentes na própria Polícia Federal, em seu setor mais sigiloso – o das interceptações telefônicas. Contudo, a despeito do cometimento de crimes atentatórios ao próprio estado, a garantia da impunidade tem sido a melhor recompensa e a única certeza.
Atualmente, “grampear” alguém no país é uma questão de preço. Desde casos de adultério, disputas societárias, espionagem industrial, à chantagem e elaboração de dossiês político-eleitorais, o caminho é o das instituições públicas que realizam a interceptação telefônica, pois é originariamente delas que a maioria desses grampos ilegais e clandestinos é feita.
Esse estado deletério da atual conjuntura nacional resulta da degenerescência institucional generalizada, contaminada pela sua corrupção em todos os níveis, subvertendo a finalidade precípua da interceptação telefônica como valioso instrumento de estado. A verdade é que as estruturas institucionais responsáveis pela interceptação telefônica no país são especialmente vulneráveis à corrupção. Nesses casos, divorciam-se muitas vezes de sua destinação, seja para a consecução de interesses escusos de nossas autoridades, ou vitimadas pela crescente infiltração em seus quadros de direção por integrantes a serviço de interesses adversos, clandestinamente comprometidos com outras organizações.
Ressalta-se que, apesar do ordenamento jurídico em vigor não autorizar a realização de interceptação telefônica por serviços de Inteligência, a ABIN vem empreendendo agressiva articulação visando ao seu favorecimento, sob a sua tradicional justificativa de salvaguardar a soberania nacional. Caso esse pesadelo se torne realidade, estaremos então definitivamente condenados ao jugo da ameaça proferida na CPI pelo Ministro-chefe do GSI de termos que viver em nosso país completamente à mercê do grampo telefônico, ou não podermos mais abrir a boca.

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