Artigo de André Soares - 15/01/2018
As ciências que estudam os fenômenos
da “psiché”, como a psicologia e a psicanálise, tem denominações
variadas, como “mecanismos de defesa do ego”, “mecanismos de culpas e
desculpas”, e “racionalização”, dentre outros, para designar o
tradicional comportamento humano de fuga da realidade, ignorando toda
verdade desagradável e dolorosa, especialmente quando esta retrata os
erros e defeitos do próprio indivíduo. Nesse contexto, quem melhor
denominou este fenômeno foi o espetacular Eduardo Gianetti da Fonseca,
em sua obra primorosa intitulada “Autoengano”, explicando com singular
maestria a elevada capacidade do ser humano em enganar, não apenas as
pessoas, mas também e principalmente de enganar a si próprio. Assim é
que o autoengano não acomete apenas o indivíduo, mas também os grupos
sociais que, ao invés de enfrentarem corajosamente e com altivez suas
adversidades, reconhecendo seus erros e se superando coletivamente,
preferem se esconder covardemente no autoengano, elegendo culpados para
acusá-los de promoverem o mal que lhes aflige, o qual na verdade é obra
direta da mediocridade e irresponsabilidade dessas mesmas sociedades.
Provavelmente, o melhor exemplo dessa tragédia na atualidade seja o
Brasil. Porque, verdade seja dita, o principal culpado pelo colapso
generalizado a que o país chegou, em meio ao maior escândalo de
corrupção e roubalheira dos cofres públicos da história da humanidade,
não é o Partido dos Trabalhadores (PT). Quem será, então?
Indubitavelmente, um dos elementos
que melhor representa uma nação e sua sociedade, em todos os sentidos,
são suas instituições. E isso se torna uma verdade absoluta no contexto
do estado democrático de direito, como é o caso brasileiro, porquanto
nossas instituições e governantes têm a plenitude da legitimidade
política, outorgada pelo sufrágio universal do voto livre dos eleitores.
Significa que os partidos políticos brasileiros - e por conseguinte o
PT, bem como toda a classe política e nossos governantes são
absolutamente a “cara do Brasil” e o retrato mais fiel da sociedade
brasileira que os elegeu, em tudo o que o país tem de melhor e também de
pior.
É imperioso relembrar nossa história
recente, destacando que a despeito da esquerda política brasileira ter
sido derrotada pela ditadura militar em sua tentativa criminosa de
tomada do poder no país por meio da luta armada, paradoxalmente foi por
meio da legitimidade do voto democrático e popular que este objetivo foi
alcançado. Principalmente pelo PT, cuja bem-sucedida e meteórica
trajetória partidária deveu-se exclusivamente à sua consagração junto à sociedade brasileira,
levando assim Luís Inácio Lula da Silva democraticamente à presidência
da república em 2002, em pouco mais de 20 anos da criação do partido.
Ressalta-se também que a nação
brasileira não apenas ainda reelegeu Lula na presidência da república,
mas também elegeu e reelegeu a sua indicada, Dilma Rousseff, como sua
sucessora, por mais dois mandatos presidenciais, perfazendo quase 16
anos consecutivos de hegemonia petista no Brasil. Significa que “nunca
antes na história deste país” a escolha de nossos governantes e a
responsabilidade direta pelo comando do destino pátrio estiveram
entregues tão democraticamente à sociedade brasileira. E, como
profetizou sabiamente o grande filósofo, “cada povo tem o governo que
merece”. Portanto, se o PT chegou democraticamente ao poder máximo no
país, e fez o que fez, é porque o PT é a “cara do Brasil”. Se não no que
a sociedade brasileira tem de melhor, certamente no que tem de pior.
Nesse sentido, além da mentira, o
autoenganado também faz uso exacerbado da hipocrisia, para fugir
desesperadamente ao enfrentamento da triste verdade sobre si mesmo.
Assim, a desesperada sociedade brasileira elegeu o PT e seus integrantes
como sendo os principais culpados pelas mazelas nacionais, pela
roubalheira, pelo caos institucional que se implantou, e principalmente
pela escabrosa e secular corrupção do país, que está no “DNA” nacional
desde o descobrimento. E, agora, apresenta-se a mentira e hipocrisia
campeãs da preferência nacional: absolutamente todos os brasileiros,
servidores públicos, bem como todas as instituições policiais e
responsáveis pelo controle interno e externo do estado, nunca souberam
de absolutamente nada sobre os incontáveis e gravíssimos crimes de lesa
pátria, os quais só foram descobertos recentemente na operação Lava
jato.
Como esta é a nação do “me engana
que eu gosto”, a grande questão é saber quando a sociedade brasileira
terá coragem de olhar-se no espelho e enfrentar a terrível verdade sobre
si mesma. Todavia, como se trata de uma verdade de todo insuportável,
certamente isso não acontecerá. Pelo menos até o holocausto nacional.
Até lá, teremos as eleições presidenciais de 2018 e muitas outras, nas
quais a sociedade brasileira se autoenganará com outros partidos
políticos e candidatos oportunistas e corruptos, que posteriormente
também serão eleitos culpados, assim como o PT. Afinal, no Brasil, a
culpa é sempre dos outros.
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