terça-feira, 6 de julho de 2010

Inteligência versus inteligência

Por Hércules Rodrigues de Oliveira*

Os meandros que regem as questões afetas ao emprego da atividade de inteligência enquanto ferramenta de proteção do Estado Nacional transcende questões do coração, mas que, pedindo vênia ao filósofo Blaise Pascal, a própria razão bem as conhece, isto porque não se pode ser ingênuo no mundo de segredos dos serviços secretos.

Visões romanescas se permitem somente nos cinemas e nos bons livros de espionagem, John Le Carré que o diga. Na verdade, a práxis é bem outra e muitas vezes em nada glamorosa. O recente episódio que está sendo divulgado pela mídia revelando esquema de uma rede de espionagem da Federação da Rússia nos Estados Unidos da América (EUA), lembra-nos antigo brocardo: “Amigos, amigos, negócios à parte”.

Por certo que o mundo assiste com prazer as boas relações que, teoricamente, se fortalecem entre a Casa Branca e o Kremlin, haja vista as imagens dos dois governantes Barak Obama e Dimitri Medvedev, em Arlington/Washington, saboreando hambúrguer e dividindo uma porção de batatas fritas.

Com o fim da Guerra Fria (1945-1991) os serviços secretos de ambos os países, a Central de Inteligência Americana (CIA) e o Serviço de Inteligência Exterior (SVR), que veio a substituir o Comitê de Segurança do Estado (KGB), foram reorientados em suas atividades institucionais, passando a atuar sobre o Terrorismo Internacional, as Organizações Criminosas Transnacionais, a proliferação de arsenais de Armas de Destruição em Massa (ADM), Questões Ambientais, emprego de Tecnologias de Uso Dual, Inteligência e Espionagem econômicas.

Ledo engano acreditar que a reorientação veio para inibir os interesses geoestratégicos destes atores internacionais. Apesar do abraço fraterno entre ambos, existem divergências sérias envolvendo não só a Geórgia e a Ucrânia, que estão sendo cooptados a se integrarem a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), sob a regência dos EUA, mas também o Afeganistão e o Iraque, haja vista o desejo estadunidense em ter livre acesso aos recursos energéticos seja por gasoduto ou oleoduto, sem a interferência da Rússia.

Junte-se a isso a questão recorrente da Polônia, como base interceptora e a República Checa, como estação de radar, para a instalação do Sistema Antimíssil Balístico (BMD – Balistic Missile Defense) para proteção do território norte-americano e do continente Europeu, contra ataques de mísseis intercontinentais originados do Irã, o que os russos julgam pouco prováveis, pois um ataque desta magnitude aos EUA promoveria um contra-ataque fulminante aos iranianos.

Interessante é que os russos ofereceram aos norte-americanos a possibilidade de instalação de interceptadores e de radares em Gabala, no Azerbeijão, que poderia monitorar não só o Irã, mas a China, a Índia, o Paquistão e a Turquia, o que não foi aceito, deixando os russos em dúvida sobre as reais intenções dos EUA no que diz respeito ao “escudo” antimíssil. Diante deste fato encontraram razões suficientes para desvendar informações outras sobre o Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START – Strategic Arms Reduction Treaty) recentemente assinado.

No mundo globalizado onde o conhecimento é o ativo mais importante, casos de espionagem serão sempre recorrentes. Lembremo-nos que em 2006, o Serviço Federal de Segurança (FSB) da Rússia, instituição similar a nossa Polícia Federal (PF), identificou quatro agentes britânicos fazendo espionagem em Moscou. Em abril deste ano, hackers chineses fizeram espionagem cibernética na Índia se fazendo passar por pesquisadores, roubando documentos do Ministério da Defesa e e-mails do gabinete do Dalai Lama.

Na América do Sul, apesar do rompimento das relações diplomáticas entre Equador e Colômbia em 2008, o governo equatoriano está atualmente investigando denúncia de espionagem telefônica contra o presidente Rafael Correa por agentes do Departamento Administrativo de Segurança (DAS) da Colômbia. Nosso país caminha a passos seguros para se tornar mais um player global.

Camada de pré-sal, biodiversidade, agronegócio, energia nuclear, Nióbio, indústria aeronáutica, biocombustível, água e tantas riquezas atraem interesses internacionais às vezes nada edificantes, por isso, precisamos efetivamente de um excelente serviço de inteligência para lutar em defesa do Brasil.

*Hércules Rodrigues de Oliveira é Professor Universitário e Mestre em Administração. É também autor do livro "Breve história do conhecimento e de sua proteção - Aspectos da Inteligência e Propriedade Intelectual", Ed. FUNDAC, 2009.

3 comentários:

  1. Francisco J. S. da Silva10 de julho de 2010 às 19:01

    Ilustre professor,
    para que o Brasil possa ser um "player global" é preciso que tenhamos suporte a esta pretensão. Em todos os aspectos da vida moderna, temos de ser e estar fortes, para que possamos ser respeitados economicamente, socialmente e, principalmente, militarmente. Como podemos ser levados a sério, se nossa Agência troca de Diretor a cada escândalo político? Se somos impedidos de realizar a escuta telefônica? Se nossas licitações para aquisição de material de operações é de domínio público? A ABIN vem sendo ridicularizada sistematicamente no campo interno e externo. Me perdoe se disse alguma inverdade, afinal, sou leigo. Apenas expresso minha opinião.

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  2. "Em abril deste ano, hackers chineses fizeram espionagem cibernética na Índia se fazendo passar por pesquisadores, roubando documentos do Ministério da Defesa e e-mails do gabinete do Dalai Lama." O meu caro, o Dalai Lama é do nepal. No mais concordo. Precisamos de um excelente serviço de inteligência. Pena que este é temido pelos políticos. Mas, enfim, a própria política brasileira é estúpida e não conduz à posição de "player" global. Já ouviu falar em "player" exportador de matéria prima? "Player" celeiro do mundo? Só na mentalidade da CNA e dos caciques brasileiros mesmo...

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  3. Ou melhor, o Dalai Lama é do extinto "Tibet", hoje parte da China. Desculpe o lapso.

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