Artigo de André Soares – 13/12/2011
“A Vingança é um prato que se come frio” é, paradoxalmente, expressão de grande notoriedade, mas de significado desconhecido pela maioria. Ela significa que a consecução da vingança é um prazer tão arrebatador que se assemelharia a uma comida tão especialmente saborosa que sequer precisaria ser aquecida. Pois, a vingança é indubitavelmente um dos mais avassaladores prazeres que se pode sentir. Significa também que, contrariamente ao pensamento unânime que a condena a ser exclusivamente um sentimento vil; ela também pode ser nobre e justa. Isso porque a vingança, em sua genealogia, pode ser oriunda de duas motivações distintas: a inveja e a injustiça.
Assim, a vingança motivada pela inveja é evidentemente um sentimento vil e abjeto porque é próprio do espírito das pessoas indignas, patologicamente egoístas e com elevado complexo de inferioridade, para quem assistir ao sucesso alheio representa um sofrimento insuportável, especialmente se tiverem sido preteridas em decorrência dele. Destarte, revoltadas por não terem sido contempladas com o beneplácito das pessoas privilegiadas, ou com a maestria e virtuosismo das bem-sucedidas, e ainda sentindo-se prejudicadas e ameaçadas pelo seu êxito, tornam-se pessoas amarguradas e contaminadas pela inveja, cujo ódio alimentado progressivamente deságua no seu destino final - a vingança.
Exemplo clássico, potencialmente perigoso na vida real, conquanto aparentemente inofensivo por se tratar de obra de ficção, está na famosa história infantil “Branca de Neve e os 7 anões”, conhecida por todos. Nela, a rainha má trama e ordena a morte da Branca de Neve, motivada exclusivamente por sua inveja da beleza esplendorosa da jovem beldade, que ingenuamente desconhece que o sucesso é uma fonte inesgotável de inimigos porque fomenta a inveja alheia. Todavia, se no conto de Branca de Neve a rainha invejosa não foi bem-sucedida em sua vingança, na vida real muitas vezes não acontece o desejado final feliz. Porque a vingança de pessoas invejosas se reproduz tragicamente na realidade da vida de muitas pessoas que, à semelhança da ingênua Branca de Neve, sequer perceberam que foram vítimas do próprio sucesso.
Por outro lado, a vingança motivada pela injustiça pode ser nobre e justa. Embora sejam raros, podemos citar o exemplo recente da história internacional, referente ao atentado terrorista ocorrido na olimpíada de Munique de 1972, matando vários atletas da delegação israelense, que ficou conhecido como “Massacre de Munique”. Em resposta a esse ato hediondo contra o estado de Israel, que vitimou covardemente e violentamente inocentes cidadãos daquele país, o governo israelense, por decisão da sua primeira-ministra Golda Meir, determinou ao seu Serviço Secreto, conhecido como “Mossad”, a realização de uma operação sigilosa encoberta para caçar em todo o mundo e eliminar os mentores e autores do referido atentado. E, após alguns anos, a maioria deles foi encontrada e assassinada.
A despeito das inúmeras considerações que poderão ser suscitadas a respeito da polêmica e controvertida conceituação sobre o que seja verdadeiramente justiça e ética; vale destacar que, a despeito de eventualmente serem todas relevantes, em se tratando de vingança serão todas não pertinentes. Isso porque a vingança motivada pela injustiça é originalmente sempre nobre e justa porquanto será exclusivamente avaliada segundo os critérios pessoais próprios do espírito de quem se vinga. É por isso que este não sente o espírito vingativo, mas sim o do justiceiro, sendo dominado pelo êxtase e realização pessoal, sem qualquer arrependimento, pelo ato da sua vingança, o qual ficará eternizado meritoriamente em sua história de vida.
É por isso que é inquietante saber que assim como a vingança pode ser vil, ou nobre; ela também pode destruir, ou salvar o seu protagonista. Porque a pessoa vil que arquiteta a sua vingança contra outrem motivada pela inveja tem a alma contaminada pelo próprio veneno, que poderá destruí-la a si mesma, antes mesmo de concretizar o seu intento. Mais perturbador é saber que a vingança motivada pela injustiça é salvadora, pois fortalece a energia do espírito do seu protagonista dia a dia, pois sua alma é alimentada pelo sentimento libertador da ética e justiça, conquanto saibamos quão contraditórios podem ser esses valores em toda a humanidade. E é exatamente por isso que a história nos tem demonstrado como a vingança nobre e justa glorifica sobejamente tanto aos propósitos de deus, como do diabo.