Blog do Lucas Figueiredo publicado em 25/01/2011
Na sexta feira (21/01/2011), a Folha de S.Paulo noticiou que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) aumentou em 67% os gastos com cartões corporativos, passando de R$ 6,7 milhões em 2009 para R$ 11,2 milhões em 2010. A notícia é importante, mas é nas entrelinhas que ela esconde um escândalo.
O repórter do jornal, Sílvio Navarro, acionou a assessoria de comunicação da Abin, o nosso serviço secreto, para colher o que no jargão jornalístico chamamos de “o outro lado”, o seja, a versão do órgão sobre aquele fato. A Abin informou ao repórter, porém, que não poderia se manifestar, já que quem fala pela agência é o GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Aí está o enrosco: até hoje, o nosso serviço secreto, um órgão civil, é tutelado por uma repartição de natureza militar, o GSI (antiga Casa Militar). O significado disso é terrível. Passados 26 anos do fim da ditadura, os militares ainda detêm um poder incompatível com o Estado Democrático de Direito. A transição democrática iniciada em 1985 não está concluída integralmente em 2011, entre outros motivos, porque os governantes civis ainda não tiveram coragem de retirar o serviço secreto – repito, um órgão civil – das mãos das Forças Armadas.
Assusta o tamanho do GSI, um órgão da Presidência da República. Ele cuida da segurança do presidente e de seus familiares, dá pitacos na segurança nacional, assessora diretamente o presidente em assuntos militares e controla o serviço secreto. Não é pouca coisa. Ainda mais se lembrarmos que o serviço secreto é uma caixa-preta com atribuições no mínimo confusas (para citar apenas um exemplo, o serviço secreto brasileiro, ao contrário do que acontece em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, tem mandado para agir dentro e fora do território nacional; em países desenvolvidos, há um serviço secreto para o campo interno e outro, completamente independente, para o campo externo, o que limita seus poderes). Também não podemos esquecer que, por omissão do Congresso, até hoje a Abin não tem um controle externo efetivo (alguém imagina a CIA agindo no Afeganistão ou o FBI vigiando suspeitos de terrorismo em Nova York sem o conhecimento do Congresso norte-americano?).
A Abin ser subordinada ao GSI representa um poder, além de indevido, desmesurado nas mãos dos militares. Pouco antes de Dilma Rousseff tomar posse na Presidência da República, circularam boatos de que ela iria consertar o erro histórico. Mas até agora nada. Dilma chegou a retirar a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) da esfera do GSI, corrigindo um equívoco hediondo, já que política antidrogas não é assunto militar. A presidente não fez o mesmo com a Abin.
Se Dilma não tem energia para devolver de vez os militares aos quartéis, concluindo assim a transição democrática, que ponha então as barbas de molho. Nosso serviço secreto já deu mostras suficientes de que as operações clandestinas em que se mete costumam abalar o Palácio do Planalto. Ernesto Geisel (sucessão presidencial de 1979), João Baptista Figueiredo (bomba do Riocentro), Fernando Henrique Cardoso (grampo do BNDES) e Luiz Inácio Lula da Silva (escândalo na ECT que desaguou na crise do mensalão) que o digam.
Para terminar, uma comparação. Outro dia, ao dar uma declaração fora de sintonia com o Ministério da Justiça sobre a política de combate às drogas, o então secretário Nacional Antidrogas, Pedro Abramovay, foi sumariamente demitido. Pouco antes, o ministro-chefe do GSI, general José Elito Carvalho, afirmara que os desaparecidos políticos não devem ser um motivo de vergonha para o Brasil, uma posição diametralmente oposta à do Planalto. O general foi poupado, sequer levou uma admoestação pública.
O problema está exclusivamente nas mãos de Dilma. Se deixar a Abin subordinada ao GSI, ela será de alguma maneira tutelada pelos militares. Se quebrar o vínculo, conduzirá o Brasil a um imenso salto institucional. Acompanhemos.
Na sexta feira (21/01/2011), a Folha de S.Paulo noticiou que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) aumentou em 67% os gastos com cartões corporativos, passando de R$ 6,7 milhões em 2009 para R$ 11,2 milhões em 2010. A notícia é importante, mas é nas entrelinhas que ela esconde um escândalo.
O repórter do jornal, Sílvio Navarro, acionou a assessoria de comunicação da Abin, o nosso serviço secreto, para colher o que no jargão jornalístico chamamos de “o outro lado”, o seja, a versão do órgão sobre aquele fato. A Abin informou ao repórter, porém, que não poderia se manifestar, já que quem fala pela agência é o GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Aí está o enrosco: até hoje, o nosso serviço secreto, um órgão civil, é tutelado por uma repartição de natureza militar, o GSI (antiga Casa Militar). O significado disso é terrível. Passados 26 anos do fim da ditadura, os militares ainda detêm um poder incompatível com o Estado Democrático de Direito. A transição democrática iniciada em 1985 não está concluída integralmente em 2011, entre outros motivos, porque os governantes civis ainda não tiveram coragem de retirar o serviço secreto – repito, um órgão civil – das mãos das Forças Armadas.
Assusta o tamanho do GSI, um órgão da Presidência da República. Ele cuida da segurança do presidente e de seus familiares, dá pitacos na segurança nacional, assessora diretamente o presidente em assuntos militares e controla o serviço secreto. Não é pouca coisa. Ainda mais se lembrarmos que o serviço secreto é uma caixa-preta com atribuições no mínimo confusas (para citar apenas um exemplo, o serviço secreto brasileiro, ao contrário do que acontece em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, tem mandado para agir dentro e fora do território nacional; em países desenvolvidos, há um serviço secreto para o campo interno e outro, completamente independente, para o campo externo, o que limita seus poderes). Também não podemos esquecer que, por omissão do Congresso, até hoje a Abin não tem um controle externo efetivo (alguém imagina a CIA agindo no Afeganistão ou o FBI vigiando suspeitos de terrorismo em Nova York sem o conhecimento do Congresso norte-americano?).
A Abin ser subordinada ao GSI representa um poder, além de indevido, desmesurado nas mãos dos militares. Pouco antes de Dilma Rousseff tomar posse na Presidência da República, circularam boatos de que ela iria consertar o erro histórico. Mas até agora nada. Dilma chegou a retirar a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) da esfera do GSI, corrigindo um equívoco hediondo, já que política antidrogas não é assunto militar. A presidente não fez o mesmo com a Abin.
Se Dilma não tem energia para devolver de vez os militares aos quartéis, concluindo assim a transição democrática, que ponha então as barbas de molho. Nosso serviço secreto já deu mostras suficientes de que as operações clandestinas em que se mete costumam abalar o Palácio do Planalto. Ernesto Geisel (sucessão presidencial de 1979), João Baptista Figueiredo (bomba do Riocentro), Fernando Henrique Cardoso (grampo do BNDES) e Luiz Inácio Lula da Silva (escândalo na ECT que desaguou na crise do mensalão) que o digam.
Para terminar, uma comparação. Outro dia, ao dar uma declaração fora de sintonia com o Ministério da Justiça sobre a política de combate às drogas, o então secretário Nacional Antidrogas, Pedro Abramovay, foi sumariamente demitido. Pouco antes, o ministro-chefe do GSI, general José Elito Carvalho, afirmara que os desaparecidos políticos não devem ser um motivo de vergonha para o Brasil, uma posição diametralmente oposta à do Planalto. O general foi poupado, sequer levou uma admoestação pública.
O problema está exclusivamente nas mãos de Dilma. Se deixar a Abin subordinada ao GSI, ela será de alguma maneira tutelada pelos militares. Se quebrar o vínculo, conduzirá o Brasil a um imenso salto institucional. Acompanhemos.