quarta-feira, 15 de junho de 2011

Mitos e verdades sobre a atividade de inteligência no Brasil


Artigo de André Soares
Pubicado no Jornal do Brasil - 15/06/2011

Muitas pessoas têm interesse pela denominada atividade de inteligência, influenciadas principalmente pelas histórias e filmes de espionagem. Particularmente no Brasil, há dificuldades intransponíveis em se obter informações fidedignas sobre esse ofício, em razão da desinformação produzida pelos órgãos oficiais. Significa não haver credibilidade nessas versões, razão pela qual a sociedade brasileira precisa conhecer a verdade sobre essa realidade, para o pleno exercício da cidadania e para que os brasileiros não comprometam suas vidas investindo nessa obscuridade, inadvertidamente.
Sobre a história da Inteligência de Estado no Brasil, o Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1967, foi o único e breve suspiro auspicioso. Até degenerar-se e sucumbir. Sua sucedânea, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), foi criada pela lei 9883, de 07 de dezembro de 1999, predestinada aos mesmos desígnios do SNI. Assim, seu inevitável destino conduziu o Brasil à maior e pior crise institucional de inteligência que vivenciamos na atualidade, desvelada em 2008 no festival de clandestinidades protagonizadas pela ABIN na Operação Satiagraha, recentemente condenadas em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Financeiramente, a atividade de inteligência não é lucrativa em nenhum lugar do mundo. E qualquer notícia de empresa ou empresário milionário nesse ramo, certamente não será o que parece. O ingresso em serviços de inteligência no Brasil pode ser realizado na ABIN, por concurso público; ou nas instituições públicas mais tradicionais, por indicação política. No segundo caso, é importante ressaltar que há raras estruturas de inteligência eficientes no país e as melhores estão nas forças armadas.
Contudo, a principal motivação por essa atividade é o desejo de ser agente secreto. Nesse mister, a boa notícia é que agentes secretos existem de fato. A má é que o Brasil não os possui em seus serviços de inteligência. Essa é perfídia plantada no seio da sociedade, enganando muitos jovens brasileiros, homens e mulheres, incitados ao concurso público para ingresso na ABIN, esperançosos de viver uma carreira profissional de agentes secretos. Portanto, a melhor garantia e possibilidade que há em integrar os quadros de serviços de inteligência no Brasil é a de se tornar um excelente servidor público burocrata.
Enfatiza-se que a atividade de inteligência não é profissão reconhecida oficialmente no país, estando muito aquém de alcançar o mérito dessa condição. Porque, principalmente, não há arcabouço de expertise própria consolidada e validada cientificamente no Brasil, cujo diletantismo com que é exercida é uma das causas da atual crise nacional.
Não por acaso, a verdade que nossos governantes não revelam é que os conhecimentos provenientes da inteligência nacional são majoritariamente de baixa credibilidade. Essa situação é agravada pela sua desorientação e falta de identidade, produzindo informações de mesma natureza e em duplicidade com as instituições legitimamente competentes, em sobreposição e interferência indevidas.
Tal impropriedade decorre do grave atentado contra o estado, cometido por nossas autoridades públicas, contrariando a verdade inconteste que a atividade-fim da Inteligência de Estado é expertise operacional do sigilo. Esta é atividade afeta à ação e emprego dos agentes secretos, constituindo-se na única razão de ser e existir dos serviços de inteligência, em todo o mundo. Infelizmente, o que há no país é uma legião de arapongas e agentes clandestinos, os quais são muitas vezes forjados em nossas organizações de inteligência.
A gravidade da conjuntura atual é ainda mais alarmante porque como a ABIN é o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) sua ascendência e influência sobre as demais estruturas de inteligência nacionais são inescapáveis, generalizando a ineficiência institucional dessa atividade. Ressalta-se o total descontrole do estado brasileiro sobre a atuação dos órgãos de inteligência nacionais, os quais constituem uma "caixa-preta" invencível, dominada pela obscura e autofágica “comunidade de inteligência”, cuja fúria nossos governantes temem desafiar. O cenário prospectivo é pessimista porque o Brasil não possui há décadas uma Política Nacional de Inteligência e as autoridades nacionais demonstram sobejamente a incapacidade de salvar o país desse lamentável estado de coisas a que chegou a Inteligência de Estado nacional.

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