domingo, 23 de agosto de 2009

O fim de uma geração

Estado de Minas 23/08/09

Estudo revela que filhos vão sair da casa dos pais cada vez mais cedo e MAIS mulheres descasadas preferirão ficar sozinhas, ao contrário dos homens
Flávia Ayer
Junia Oliveira

A independência bateu bem cedo à porta da estudante Juliana Jardim Pereira. Ainda com 16 anos, ao ganhar uma bolsa de estudos, ela trocou Belo Horizonte por uma vida longe da família, no Canadá. Dois anos depois, foi para a Nicarágua, onde morou por um ano. De volta à BH, perto de completar 20 anos, foi difícil retomar o papel de caçula das três filhas de uma típica família mineira. Sem um tostão no bolso, a jovem fez as malas para viver uma vida nômade na cidade. Trocou de casas algumas vezes até se estabelecer em um apartamento, só. É ela quem passa, lava e cozinha. E também quem traça seu destino, andando com as próprias pernas e sem a ajuda financeira dos pais. São jovens como Juliana que, pouco a pouco, vão sepultar a Geração Canguru, em alta nos dias atuais e que mostra que os filhos estão saindo cada vez mais tarde da casa dos progenitores.

Embora ainda tenha bastantes adeptos, a Geração Canguru tem data para acabar em Belo Horizonte: 2050. O prazo foi apontado pela tese de doutorado intitulada Projeção de domicílio por modelo multiestado e aplicação para previsão da frota de automóveis em Belo Horizonte, de Edwan Fernandes Fioravante. Apresentado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o estudo examinou a dinâmica e os processos demográficos que ocorrem no contexto familiar. Segundo a pesquisa, assim como Juliana, elas deixarão o lar dos pais com até 25 anos de idade, enquanto eles tomarão essa atitude em dois momentos diferentes: aos 16 e aos 44 anos.

Para Juliana, quem volta de intercâmbio, normalmente, encontra dificuldade para retornar à casa dos pais, sobretudo, para o modelo de família protetora como a mineira. “Morar sozinha me dá uma maior consciência do espaço que ocupo e das minhas necessidades. Tenho mais noção de mim, da roupa que sujo, do lixo que produzo”, conta. Mas mudar de casa não significou romper laços. Os fins de semana são em companhia dos pais e das irmãs, no sítio. E, quando perceberam que a saída de Juliana era definitiva, mãe e pai deram um jeito de tornar a experiência da filha menos penosa. Atualmente, ela mora num apartamento da família que estava desocupado. “Aí não preciso pagar aluguel”, revela.

SEPARADAS E SÓS O estudo também aponta tendência do aumento do número de mulheres separadas, em relação ao ano 2000. E elas não vão querer saber de um novo casamento e preferirão ficar sozinhas, diferentemente dos homens, que não abrem mão de uma companheira e, por isso, vão se casar novamente. A proporção de mulheres viúvas também deverá ser superior à dos homens, principalmente para o grupo na faixa etária de 65 anos ou mais, por causa da sobremortalidade masculina e de a taxa de recasamento para o viúvo ser maior que a taxa feminina.

O motivo da escolha pela vida sem um companheiro vai além dos horizontes da pesquisa e se refere a trajetórias muito particulares. Para a aposentada Elza de Assis Martins, de 61 anos, a solidão se estende a mais de 24 anos e tem nome: desilusão amorosa. Aos 21, casou-se com seu primeiro namorado, teve quatro filhas e uma grande decepção. Ele cultivava uma vida agitada fora do casamento e, na gravidez da caçula, teve a coragem de dizer que a filha não era dele. Foi embora e só apareceu depois de muitos anos, quando já não havia mais casamento. “Estou há 24 anos sem dar um beijo na boca. É tanta decepção que tive na vida. A solidão é muito triste, mas é melhor do que estar ao lado de alguém que faz a gente sofrer”, conta Elza, que hoje se dedica à criação do neto Lukas, de 5. Aos poucos, foi também refazendo a vida. “Tenho muitos amigos, gosto de conversar com pessoas diferentes, mas é só amizade. Foi difícil esquecer meu ex-marido, hoje sou amiga dele.”

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