segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Virtudes esquecidas

Estado de Minas 31/08/09

Otacílio Lage, Jornalista

No dia a dia do país, palavras como fraude, corrupção, golpe, falcatrua, maracutaia, desvio, superfaturamento, contrabando, falsificação, roubo, furto e afins povoam os noticiários. Nas redações de jornais, revistas, rádios e TVs, elas são inseridas em boa parte dos textos que vão para as páginas e ao ar, numa costura cansativa, repetitiva, enfadonha. Não há um só dia que os repórteres se veem livres delas. No contexto, elas decorrem de outras palavras e expressões como desonestidade, falta de integridade moral e de caráter. Entre as virtudes que o ser humano deve aprender a desenvolver para expressar sua perfeição latente, a integridade constitui um dos fundamentos da dignidade da pessoa. Aquele que é desprovido dela é então indigno de si mesmo e da confiança dos outros. Diriam uns que é relativamente difícil ser totalmente íntegro em pensamento, palavra e ato, porque as circunstâncias da vida nos confrontam constantemente com nossa própria imperfeição e nos submetem a múltiplas tentações.

Mas o que é integridade? É o respeito aos valores morais em que acreditamos, desde que eles estejam em consonância com o bem-estar físico, mental e espiritual dos outros. Ser íntegro é viver em conformidade com seus ideais, desde que estes não se oponham aos interesses alheios. Inversamente, não ser íntegro é mentir para si mesmo, seja para se consolar por agir mal e tentar ficar de consciência limpa, seja para enganar os menos experientes em algum momento. A integridade anda abraçada com a honestidade, virtude que é a expressão de uma alma pura. Na escolta das duas, está a equidade (senso de justiça).

Hoje, no Brasil, honestidade, integridade e equidade estão vivendo nas sombras, com um receio danado de dar as caras. No cenário cotidiano, a sujeira é tanta e a falta de brio, de honra e de cumprimento de promessas é tão vergonhosamente patente que elas parecem deserdadas pela maioria dos 190 milhões de habitantes deste país de substantivo potencial. Não se pode ser íntegro quando se é desonesto. No sentido mais claro, honestidade é a virtude da pessoa de respeitar os bens materiais de outrem e nunca procurar se apropriar deles de maneira indigna ou fraudulenta. Infelizmente, há pessoas – hoje, em grande número – sem escrúpulos que se enriquecem dando trambiques ou roubando mesmo os pertences alheios. Falta aí espiritualidade e sobra vontade desmedida de possuir bens materiais. Muitos desses espertos querem provar que são mais inteligentes ou mais poderosos do que aqueles a quem prejudicam. Não importa o motivo, mas nada justifica o fato de ser desonesto, a não ser a falta de evolução ou de educação desses indivíduos.

Os noticiários envolvendo políticos, então, passam recibo do que vivemos no país em termos de integridade e honestidade. Nas edições de ontem e de hoje, o EM mostra como a chaga da corrupção está presente em cidades pequenas e pobres de Minas Gerais. Na área empresarial, pipocam todos os dias casos de fraudes, falsificação de medicamentos, sonegação fiscal, desvio de cargas, recepção de contrabando, gasolina adulterada, queimadas criminosas, desleixo com a conservação do meio ambiente e do patrimônio histórico etc. Em todos esses exemplos, a desonestidade campeia solta, rodeada por mentiras e até mesmo por ações do crime organizado. No campo político, as pessoas usam e abusam de seu carisma para implantar na opinião pública ideais partidários e dogmáticos, às vezes, com vieses filosófico ou religioso? Quase sempre, elas não são sinceras e carecem totalmente de honestidade em seus propósitos. Geralmente, sua motivação principal é a busca de poder e honrarias, o que revela paralelamente um ego dominador. Essa forma de desonestidade é, ao mesmo tempo, insidiosa e perigosa, pois, sob aparência de sinceridade e verdade, pode induzir a erro milhões de pessoas e subjugar sua consciência.

No cotidiano brasileiro, muitos estão convencidos de serem honestos, e o são efetivamente. Entretanto, será que sua honestidade é baseada numa integridade real ou no medo de que lhes poderia ocorrer se fossem apanhados em delito de desonestidade? Seriam eles também respeitadores das leis caso tivessem certeza de poder violá-las com total impunidade? Nada é menos seguro que isso. Um indivíduo é considerado muito honesto quando resiste a todas as tentações para sair dos trilhos da integridade, caracterizando-se como incorruptível, no sentido mais nobre do termo. A incorruptibilidade é uma virtude que todos deveriam ter a intenção de desenvolver; é a honestidade plena.

O Brasil está envolto por um manancial de fatos escusos, para não dizer termos mais fortes, como se jogássemos água no terreno já encharcado. Haja falta de integridade, tão escassa por nossas plagas. Esta virtude também recorre ao senso de justiça, embora saibamos que é difícil ser justo, tanto para consigo mesmo como outros, porque somos imperfeitos e julgamos em função das nossas próprias opiniões, que, muitas vezes, não são necessariamente boas. No nosso dia a dia, há comportamentos de certos políticos, governantes e empresários que revelam uma evidente má-fé ou vontade de ser injusto, quase sempre por interesse. Os mais inclinados a esse tipo de comportamento estão entre os que acham que o fim justifica os meios. A pessoa justa jamais usa sua função, sua autoridade, seu poder ou sua força para obrigar as outras a dizer ou fazer seja lá o que for que eles desaprovem ou que vá contra o seu bem-estar. A integridade não deve ser limitada a mantermos relações sinceras com os outros Ela está relacionada à maneira como aplicamos à nossa própria vida os princípios morais que defendemos frente aos outros.

Apesar de suas fraquezas, inerentes ao homem, melhor seria que as pessoas se esforçassem para viver tanto quanto possível em consonância com seus ideais, a fim de serem um exemplo para as outras com as quais convive ou sobre as quais exercem poder de influência. No Brasil, os honestos e íntegros têm pouca regalia. A maioria depende de promessas cumpridas, da integridade e da lisura dos que governam e administram e da honestidade de quem produz, transporta e negocia.

Sonhar nunca é demais, mas quem sabe um dia o nosso país abraçará de vez as palavras integridade e honestidade, escoltadas pela equidade e avalizadas pela Justiça. Integridade é ainda o respeito à palavra dada, o que implica cumprirmos nossos compromissos, sejam quais forem. Antes de prometermos isso ou aquilo, devemos, portanto, mensurar com cuidado se somos efetivamente capazes de cumprir as promessas feitas. Na verdade, mais vale nos abstermos de prometer, dizer ou fazer seja o que for. Há muitas pessoas que ao longo da vida, às vezes, se veem obrigadas a voltar atrás em suas promessas. Mas fazer disso um hábito é porque realmente não têm palavra ou mesmo honra. E, quando a pessoa perde a confiança das outras e a honra, até sua integridade física está comprometida. Haja carapuça!

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