terça-feira, 18 de agosto de 2009

Um Brasil do faz de conta

Estado de Minas 18/08/09

Fábio Caldeira Castro Silva - Mestre em ciência política, doutor em direito (UFMG)

Não obstante as vigorosas características do país, amplamente favorável nos seus aspectos geográfico, climático e seu potencial econômico, analisando e refletindo sobre a realidade nacional, fica explícito seu distanciamento do almejado pela cidadania e sua aproximação do mundo do faz de conta. Como exemplo, falar que o Brasil é uma Federação soa cada vez mais como uma ficção. Como acentua o professor Antônio Augusto Anastasia, vice-governador de Minas Gerais, a brutal concentração e a interferência da União na gestão dos estados e municípios posicionam o Brasil quase como um país unitário, prejudicando a autonomia dos entes e comprometendo a eficiência da administração pública.

A efetividade do disposto no artigo 5º da Constituição Federal, de que todos são iguais perante a lei, fica comprometida e soa estranho quando o presidente Lula afirma, sem constrangimentos, que, pelo fato de o presidente do Senado Federal, José Sarney, não ser uma pessoa comum, seus atos devem ser analisados e julgados de maneira diferenciada. O que dizer do nefasto instituto dos suplentes de senadores, constituído em sua grande maioria por financiadores de campanha ou parentes dos titulares, que assumem os respectivos mandatos sem o menor constrangimento e com legitimidade questionada? Em se tratando do controle da administração, como esperar efetividade e avanços consideráveis no âmbito dos tribunais de Contas, se a grande maioria dos seus integrantes é composta de ex-parlamentares presenteados com o honroso cargo vitalício. Ainda no campo do controle, até o mais desligado e distraído percebe que as atividades das casas legislativas, mediante as CPIs e comissões parlamentares de inquérito, são teatrais e inócuas, com integrantes da oposição e da situação se enfrentando visando à obtenção de ganhos políticos e eleitorais, independentemente de esclarecer o objeto, razão de sua constituição.

Em relação à impunidade, até os mais otimistas são a cada dia surpreendidos pela sucessão de casos fartamente noticiados pela imprensa, evidenciando que o crime está bem infiltrado nas estruturas e instituições nacionais, públicas e privadas. Nestas e naquelas, há pessoas corretas moralmente sendo sufocadas e intimidadas por indivíduos medíocres e sem escrúpulos, criminosos que sobrepõem o interesse pessoal, na sua forma mais escusa, ilegal e imoral, em relação ao interesse público. E, infelizmente, o que vem ocorrendo é que os cidadãos de bem acompanham os fatos e se sentem vulneráveis e sem mecanismos de mudar o quadro. É a banalização da corrupção, versão nacional da banalização do mal, de Hannah Arendt.

Fundamental refletir que a democracia no país avança, mas de forma mais lenta do que o necessário. O grande desafio é a conquista da democracia real, com o cidadão como sujeito ativo nos destinos do país, não só votando e sendo votado, mas cobrando, reivindicando, não aceitando inerte tanta injustiça e mau uso do dinheiro público. Por fim, acobertado pelo dispositivo constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença, políticos condenados em primeira ou segunda instância podem se candidatar normalmente, logrando a vitória e dizendo aos quatro cantos que foram inocentados pelas urnas. Como dizia Kafunga, no Brasil o errado é que é o certo.

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