André Soares
Mestre em operações militares e diretor-presidente de Inteligência Operacional
Publicado no jornal Correio Braziliense, em 31/05/2010
“O povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la.” É reflexão muito conhecida que, lamentavelmente, se aplica perfeitamente ao Brasil. Todos os brasileiros têm conhecimento, em maior ou menor grau, sobre fatos marcantes da história da humanidade, desde a antiguidade. Entretanto, nenhum cidadão brasileiro conhece significativa parcela da história contemporânea nacional dos últimos 60 anos. Isso porque, pior que um país que não conhece a própria história, é um país que a perdeu; e o Brasil é um infeliz exemplo dessas duas tragédias.
O primeiro ensinamento que todo cidadão deveria obrigatoriamente aprender é que “a história é contada pelos vencedores”. Portanto, existem duas — a oficial e a verdadeira. A história oficial é evidentemente a dos vencedores, a qual é massivamente e difundida à sociedade e especialmente direcionada aos jovens. Porém, é a história verdadeira a que o cidadão deveria se empenhar em conhecer. As informações divulgadas sobre o período obscuro do país denominado “anos de chumbo” (ou seria “período da subversão”?) são originalmente tendenciosas e referem-se a um passado que existiu de fato, mas não de direito; e o Brasil é incapaz de contar sobre ele até mesmo a sua história oficial — a dos vencedores. Afinal, quem são os vencedores?
Quanto a isso, governos militares e civis efetivamente nada fizeram, pois essa verdade compromete indistintamente a todos; sendo, por isso, unanimemente sepultada e esquecida aos olhos da sociedade, cuja investigação sempre foi perigosamente proibida. Assim, todas as tentativas de resgatar essa história foram pífias, oficiosas, eivadas de manipulação e inverdades. Atualmente, o governo Lula mobiliza-se na busca das ossadas dos desaparecidos políticos. E o Ministério Público e Poder Judiciário peregrinam há décadas pela abertura dos “arquivos da ditadura”, coadjuvados pelo apoio de outras entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que lançou recente campanha nacional nesse sentido.
O resultado de tudo isso? Praticamente nada. Nada de ossadas de desaparecidos políticos, nada de abertura de arquivos da ditadura, nada de história oficial; e quanto à história verdadeira, essa nem pensar! “Apagar” o passado é muito mais difícil que contá-lo e, assim, vivemos num Estado constituído impotente em revelá-lo e ineficiente em prestar contas à sociedade, vencido que foi pelo medo daqueles que “desaconteceram” a história nacional, pelo muito que têm a esconder, a temer e a pagar.
Nesse contexto, as ossadas dos desaparecidos políticos foram alvo de ações clandestinas cirúrgicas. Ministério Público e tribunais não conseguem vencer a blindagem da maior “caixa-preta” do país que são os próprios serviços de inteligência, cuja publicidade de suas ações sigilosas permanece inacessível, em flagrante e arrogante desrespeito ao texto constitucional e ao Estado Democrático de Direito vigentes. Todavia, mesmo que esse sonho se torne realidade, nada será encontrado além de toneladas de documentos irrelevantes, porque tudo o que o país deveria conhecer sobre essa história foi meticulosamente destruído. Nada restou.
Sem ossadas, sem arquivos, sem passado, mas não sem “histórias” porque subsiste a disputa fratricida das versões. Assim, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República lançou o livro Direito à memória e à verdade, que se autodenomina livro-relatório. Perigosamente ameaçados pela versão da esquerda, atualmente no poder, setores de uma direita sem rosto tenta, em contrapartida, divulgar a sua versão à sociedade, revelando clandestinamente um extenso dossiê secreto de codinome Orvil (a palavra livro ao contrário), produzido pelos mesmos serviços de inteligência, os quais não o divulgaram durante as décadas em que se esbaldaram no poder.
A lei de anistia de 1979, cujos efeitos foram ratificados em recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), foi um marco nacional a pretexto de inaugurar um novo período de concórdia, reconciliação e sem revanchismo. Todavia, esse fato político degenerou-se em amnésia histórica, indústria extorsiva de indenizações contra o Estado e impunidade generalizada para assassinos, torturadores, sequestradores e terroristas; que a Suprema Corte do país esquivou-se de corrigir.
O Brasil sem história já está revivendo os próprios erros, e a sociedade inepta caminha às cegas na sua ignorância para decidir mais um pleito presidencial incapaz de distinguir cidadãos de criminosos. Nossa verdade histórica é um livro de páginas arrancadas e os poucos ainda vivos que as conhecem e não se prostituíram na corrupção assistem a um Brasil sem passado, ao qual resta apenas vagar perdido sem identidade, ou se encontrar na mentira dos perdedores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê sua opinião, livremente, respeitando os limites da legalidade e da ética.