Artigo de André Soares, publicado no jornal Estado de Minas – 15/11/08.
As ações realizadas pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) em sua participação na operação Satiagraha da Polícia Federal, as quais foram denominadas pelo presidente da CPI dos Grampos de “ações paralegais”, que levaram o Presidente da República a ordenar o afastamento do Diretor-Geral da ABIN e de vários diretores de suas funções, bem como a determinar a sua apuração rigorosa impõem a necessidade de revelar uma realidade dos serviços de inteligência que o imaginário coletivo supõe existir apenas em livros e filmes de ficção de espionagem - as operações clandestinas.
Operações clandestinas são ações criminosas, patrocinadas por serviços de inteligência nacionais, em benefício de pessoas ou grupos, à revelia e em detrimento do ordenamento jurídico vigente e são concebidas para não serem descobertas, pois, caso contrário, “desacontecem”.Quando falham os pilares da tríade da Inteligência de Estado - o sigilo, a legalidade e a ética -, o exercício dessa atividade passa a representar elevado potencial de risco.
No Brasil, tão-somente o cumprimento da legislação em vigor constitui excelente instrumento de combate às ações clandestinas, por possibilitar às instituições e órgãos responsáveis condições plenas de fiscalização e auditoria sobre todas as ações sigilosas dos serviços de inteligência nacionais. Todavia, a principal forma por meio da qual os serviços de inteligência transitam para a ilegalidade se dá pela manipulação das operações de inteligência, que constituem o que há de mais sigiloso nos serviços secretos.
Consagra a doutrina que o emprego de operações de inteligência é de atribuição e competência exclusiva, pessoal e indelegável do dirigente máximo do serviço de inteligência, mediante sua ordem expressa e com a aposição de sua assinatura pessoal e das demais autoridades responsáveis, em documentos específicos. Assim - ao contrário de opiniões equivocadas, segundo as quais operações sigilosas são incompatíveis com prestação de contas – os gastos com verba sigilosa, o emprego de pessoal e material, bem como todas as ações operacionais realizadas são pormenorizadamente documentados e classificados.
Em que pese esta doutrina estar prevista em alguns serviços de inteligência nacionais, como a ABIN, o que se verifica de fato é sua pouca efetividade. Importante destacar que a despeito da elevada salvaguarda dessas informações, a legislação brasileira prescreve situações e condições de acesso integral a elas, a qualquer tempo, especialmente aos órgãos responsáveis pelo controle da atividade de inteligência.
Cumpre mencionar que, dentre às instituições e órgãos responsáveis por esse controle, cabe à Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional (CCAI) a maior responsabilidade por esta ação. A CCAI constitui a mais alta instância nacional de inteligência e é a sua atuação exemplar que possibilitará a efetiva apuração e devida responsabilização por eventuais desvios cometidos, especialmente no caso de ações clandestinas.
Entretanto, estas conseguem, ainda, escapar aos instrumentos e controles objetivos do estado. Todavia, não sobrevivem ao derradeiro pilar da tríade da inteligência – a ética.
No Brasil, o âmago dessa questão demonstra que a inexistência de um código de ética próprio e efetivamente adotado nos serviços de inteligência revela a falta de profissionalismo e de sólida postura ética de seus dirigentes, a existência de dilemas e conflitos internos, e a hegemonia de uma mentalidade corporativista contrária ao discurso oficial.
Essa conjuntura é agravada pelo diletantismo com que a Inteligência de Estado é exercida e pelo despreparo de muitos de seus recursos humanos, incluindo-se dirigentes e operadores de inteligência, cuja inépcia conduz a erros operacionais sérios, cujo resultado final é a realização de operações de inteligência no país eivadas de irregularidades, impropriedades, vícios e oficiosas.
A prevalência deste cenário, aliado aos grandes interesses envolvidos nas operações sigilosas, acaba por proporcionar o ambiente favorável à pior ameaça aos serviços de inteligência – a corrupção. Configura-se, então, a falência do “sistema imunológico” do Estado, que se torna efetivamente vulnerável a toda espécie de ameaças adversas, especialmente aos serviços de inteligência estrangeiros.
Desnecessário mencionar que o Brasil é alvo dos serviços secretos de vários países. Combatê-los é tarefa de alguns serviços de inteligência nacionais e missão exclusiva da ABIN, constituindo a própria razão de sua existência. Entretanto, os controles de contra-inteligência adotados não impedem que serviços de inteligência estrangeiros atuem livremente no país. Nesse mister, é significativa a atuação em território nacional, particularmente da CIA (EUA), MOSSAD (Israel), BND (Alemanha), DGSE (França) e do serviço secreto chinês, patrocinando ações deletérias ao Estado, que a sociedade brasileira desconhece.
Diante da grave crise de inteligência vivenciada pela atual conjuntura nacional, é fundamental ao Estado e à sociedade conhecer sua verdadeira dimensão, pois o povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la. Se operações clandestinas “desaconteceram”, ou estão por “desacontecer” no Brasil, certamente profissionais de inteligência éticos combateram e estão combatendo “o sorrateiro”, porque têm a coragem moral e ética de fazê-lo, mesmo quando o próprio Estado não o faz.
A solução para os graves problemas da Inteligência de Estado no Brasil foi, há muito, proferida pelo Coronel Walther Nicolai (1873/1934 - Chefe do Serviço de Inteligência do Chanceler Bismarck), em sua máxima inexorável:
“A Inteligência é um apanágio dos nobres. Confiada a outros, desmorona”.
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