Artigo de André Soares, publicado no Jornal do Brasil - 29/03/2011
Reza a constituição federal brasileira que dentre os objetivos fundamentais da república está à construção de uma sociedade justa. Esta é missão precipuamente protagonizada pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, cujas decisões afetam o destino das pessoas, da sociedade e do próprio estado. Ressaltando que a democracia e a garantia do estado democrático de direito constituem cláusulas pétreas no Brasil, avulta o poder de nossos governantes, pela ingente legitimidade que possuem para determinar os rumos da vida nacional. Portanto, cabe à sociedade cobrar transparência e publicidade das ações dos três poderes, bem como a responsabilidade pelas decisões de seus integrantes, notadamente na aplicação da justiça. Habitualmente, esse debate limita-se quase exclusivamente à discussão de natureza estrutural sobre as deficiências institucionais existentes e a morosidade que aflige o judiciário, ferindo de morte o preceito constitucional da eficiência. Contudo, não se tem avançado na avaliação do mérito das decisões judiciais, quanto à consecução de sua destinação que é a promoção de uma justiça, que seja verdadeiramente justa.
Exemplos não faltam para justificar a relevância dessa temática, podendo nos valer das recentes e exatas palavras cuidadosamente proferidas pelo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ricardo Lewandowski, em seu pronunciamento oficial sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a respeito da denominada “lei da ficha limpa”: “...Se a pessoa não recorreu oportunamente, ela perdeu o prazo de recurso. Essa é uma questão processual. Agora, se é justo ou não é justo, isto é uma outra questão...”.
Depreende-se dessa justificativa, representativa das mais elevadas esferas da magistratura nacional, inúmeras reflexões inquietantes de natureza ética, sobre a égide axiológica que norteia suas decisões, como por exemplo: “Uma questão de ordem meramente processual deve prevalecer absoluta em detrimento do mérito de uma questão?” “A decisão judicial respaldada exclusivamente na legalidade é a garantia da promoção da justiça?” “A determinação sobre o que é justo pode ser aspecto secundário nas decisões judiciais?” “Decisões judiciais podem ferir a ética?”
Encontrar respostas éticas consistentes para esses e outros questionamentos, bem como aperfeiçoamentos efetivos nessa seara, é tarefa inglória que deságua nos diversionismos de nossos legisladores e nas ilações teórico-acadêmicas de nossos juristas.
A verdade é que, como já dizia o grande filósofo, “o estado se faz com boas armas e boas leis”, e infelizmente o Brasil não é um bom exemplo de nenhuma delas. Nossas forças armadas “não operacionais” são ineficientes em proporcionar a defesa nacional; pois são capazes de lutar, mas não de vencer. Nossos poderes da república contemplam o país com diplomas legais sem rigor jurídico, muitas vezes inconstitucionais, julgados em nossos tribunais à mercê de uma hermenêutica subjetiva; ora em favor de supostas boas intenções dos seus legisladores, ora dos seus julgadores.
O imbróglio da “lei da ficha limpa” é apenas mais uma infeliz conseqüência da imaturidade democrática brasileira, persistindo em querer fazer justiça exclusivamente pelo mérito de suas boas intenções. Essa é conduta temerária dos incautos, alardeada na sabedoria popular a admoestar-nos que “de bem intencionados, o inferno está cheio.”
O Brasil deve se libertar da política de decisões juridicamente adequadas a propósito de interesses governamentais e inaugurar uma justiça que seja verdadeiramente justa, de direito e de fato, que não se omita passivamente ante as injustiças do presente e do passado histórico, acessível aos brasileiros mais desfavorecidos e impiedosa na punição à corrupção dos mandatários, zelando exemplarmente pelas imposições de nossa carta magna. A consecução desse desafio está adstrita exclusivamente à esfera de atuação dos três poderes, não lhes faltando recursos de quaisquer naturezas, muito menos poder.
Portanto, a solução para a construção de uma sociedade justa demanda à sociedade dar investidura a governantes comprometidos intransigentemente com a ética. Porque uma justiça só é verdadeiramente justa se ética e promovida por pessoas éticas. Todavia, o digno apanágio da ética não está no notório saber jurídico, mas na coragem do caráter moral. Pois, lembremos que a construção da justiça é uma guerra permanente e letal, vencida somente pela coragem dos cidadãos éticos que se sacrificam por ela.
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