Artigo de André Soares, 05/12/2010
O vazamento recente de diversos documentos sigilosos do governo dos EUA, que tem causado enorme repercussão internacional, patrocinado pelo site Wikileaks, inclusive revelando questões sobre o Brasil, traz à lume uma questão fundamental sobre a atitude profissional dos operadores de inteligência. O que deve fazer um integrante de serviço de inteligência, que tem o dever funcional de guardar segredo sobre assuntos sigilosos a que tiver acesso, e que toma conhecimento de irregularidades e crimes que estão sendo cometidos internamente pelos dirigentes desse serviço contra a sociedade e o estado; e que estão sendo acobertados sob o manto do sigilo legal? Pois essa situação acontece constantemente nos serviços de inteligência de países democráticos e, certamente, no Brasil.
Quer um exemplo? Basta olhar a nossa conjuntura atual, na qual estamos vivendo a maior e pior crise de inteligência de nossa história, desvelada no festival de clandestinidades, protagonizadas e acobertadas pela própria Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), na Operação “Satiagraha”, onde atuaram uma centena de seus agentes, levando o presidente Lula a afastar imediatamente o Diretor-Geral e toda a cúpula da ABIN.
Como tudo isso foi descoberto? Por acaso, em 2008, nas investigações da CPI do Grampo, que estava investigando outra questão – as irregularidades nas interceptações telefônicas que aconteciam no país. Ou seja, a CPI acabou descobrindo ilicitudes tão graves quanto as que inspiraram sua criação, mudando completamente o seu direcionamento e os rumos do país.
Assim, as apurações da 'Satiagraha' expuseram à sociedade as ações praticadas pelos agentes da Abin, que durante meses agiram clandestinamente; em promiscuidade com ex-agentes; sem controle; ferindo de morte a doutrina de inteligência; à revelia da legalidade; a serviço de interesses personalistas e escusos; atentando contra o próprio Estado; e confiantes na mais completa impunidade, certos de se esconderem sob o manto do sigilo institucional. Não fosse o acaso de terem sido descobertos, sabe-se lá que prejuízos mais teriam sido causados ao país; pois, dentre todos esses homens e mulheres da ABIN, não houve sequer um(a) honrado(a) e corajoso(a) cidadão(ã) a denunciar esse estado de coisas. Mais estarrecedor é que quando chamados à responsabilidade nas investigações da PF e da CPI seus dirigentes mentiram à nação brasileira, a começar pelo dirigente máximo da ABIN.
Essa não é uma questão afeta meramente à consciência pessoal e de foro íntimo. Não há nem mesmo qualquer dilema a ser analisado, que supostamente justificaria um conflito de ordem filosófica. Essa é uma questão extremamente simples e objetiva, pois trata-se unicamente do respeito à legalidade, ao Estado democrático de Direito desse país e, principalmente, do cumprimento da nossa Constituição Federal, aos quais todos os brasileiros e brasileiras estão obrigados por dever de cidadania.
O que deve fazer um operador de inteligência nessas circunstâncias? A resposta já foi há muito proferida nas sábias palavras do coronel Walther Nicolai, chefe do serviço de inteligência do chanceler Bismarck, que declarou: "A Inteligência é um apanágio dos nobres; confiada a outros, desmorona". Sempre desmorona, pois somente os dotados de inabalável fortaleza ética e moral, cujo perfil se caracteriza sobretudo pelo exemplo, são dignos para o exercício da Inteligência.
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