Inteligência e Soberania

Hércules Rodrigues de Oliveira – Mestre em administração, professor do Uni-BH.

O patriarcado converteu o que era público em privado. Ele se consolida com a revolução neolítica (última etapa da Pré-história), dando início ao processo civilizatório quando, o homo sapiens, se vê de caçador a criador e de coletor a agricultor. Nessa época surge também a metalurgia que, com o domínio da técnica de fundição pelos artesãos especialistas, aponta o avanço do conhecimento que indubitavelmente se fez representar na superioridade militar, despertando o espírito aguerrido e as expedições de combate e conquista, escrevendo a aventura humana com sangue e dor.

Da revolução neolítica à revolução digital, muita história se passou, pois a sociedade agrícola transmuda para a sociedade do conhecimento, transportando a base técnica artesanal para a eletrônica e microeletrônica. As armas de sílex do homem de Cro-Magnon, converteram-se nas armas do homo sapiens sapiens, com componentes de silício, nióbio, titânio, tungstênio, vanádio etc. No caso do nióbio, restrito a um tipo especial de aço inoxidável e exclusivo para algumas superligas, é bom saber que as três maiores reservas no mundo estão localizadas no Brasil – Araxá/MG, Catalão e Ouvidor/GO).

No passado a Pax Carthagena envolveu o domínio do Mediterrâneo por Cartago até a sua destruição pelo Império Romano. Hoje, assistimos em nossa contemporaneidade a Pax Americana, que atende um conceito geopolítico de imposição de um cenário internacional unipolar, ditando a nova ordem mundial, desnudada em farta documentação entregue ao mundo, de bandeja, pelo site Wikileaks. E, na bandeja, o governo estado-unidense quer a cabeça de seu fundador, Julian Assange, alvo sobre suposto estupro cometido em agosto deste ano.

Assange aguarda em Londres (parceiro que USA e abusa) sua extradição para a Suécia. Roman Polanski, na Suíça, teve maior sorte, pois por crime semelhante, não foi extraditado para os Estados Unidos.

Daí a importância de se compreender duas entre as onze ameaças identificadas pela Política Nacional de Inteligência (PNI), à disposição do Gabinete da Presidência da República: a) interferência externa – que deve ser entendida como “ação deliberada de governos, grupos de interesse, pessoas físicas ou jurídicas que possam influenciar os rumos políticos do país com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais”; e b) ações contrárias à soberania nacional – como sendo aquelas que “que atentam contra a autodeterminação, a não ingerência nos assuntos internos e o respeito incondicional à Constituição e às leis”. Citamos a preocupação legítima e constante do direito sobre seus recursos naturais, tais como jazidas de nióbio e nossa biodiversidade.

De boa lembrança o registro sobre o diplomata Rui Barbosa de Oliveira, que na 2ª Conferência Mundial de Paz, em Haia, na Holanda, em 1907, disse:  “Não há nações grandes ou pequenas quando se trata de liberdade e soberania”. Registra-se que soberania rima com ciência e tecnologia, ferramentas sem os quais não há como romper a barreira da dependência e do subdesenvolvimento.

Dos milhares de documentos que mostraram as comunicações diplomáticas secretas dos EUA não restam dúvidas do descaso e da arrogância daquela gente com a soberania dos povos, que para eles prevalecem acima de tudo, os interesses norte-americanos em todas as áreas do conhecimento e a identificação de tudo aquilo que lhe interessa em tomar posse.

A nação brasileira não pode ser ingênua no que diz respeito à percepção e à conduta dos Estados nacionais na conjuntura mundial, pois cristalino está que o ambiente internacional caracteriza-se pela continua competição, buscando estes players, melhorar seu respectivo posicionamento estratégico.

Nossas jazidas de nióbio, minério de ferro, manganês, petróleo e a Amazônia se tornaram preocupação dos EUA. Quanta gentileza! Não podemos mais, diante de tudo que estamos assistindo, continuarmos parceiros silenciosos do triste fenômeno da tragédia anunciada por pura conivência. Lembremo-nos que na mitologia grega, Niobi perdeu tudo que tinha e, de tanto chorar, Zeus se compadeceu de sua dor, transformando-a em rocha vertendo água.