sexta-feira, 31 de julho de 2009

Carta ao último exilado

Folha de São Paulo 31/07/09

DAVID LERER
Neguinho, você foi o último exilado a voltar. Eu fui o primeiro. Tenho 30 anos a mais de experiência. Assim, envio instruções básicas

DEPOIS DE quase 40 anos vivendo na Suécia com identidade falsa, o ex-marinheiro Antônio Geraldo da Costa, 75, o Neguinho, desembarcou no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, no último dia 21. Em vez de agentes da Polícia Federal prontos para prendê-lo, encontrou um emissário enviado pelo Ministério da Justiça para lhe dar as boas-vindas. Neguinho foi o último exilado a voltar.
Eu fui o primeiro, logo que o AI-5 acabou. Portanto, tenho 30 anos e meio a mais de experiência de Brasil do que o Neguinho, razão pela qual estou lhe encaminhando uma carta com algumas instruções básicas.

Companheiro Neguinho,
Em primeiro lugar, muita calma. Se você for convocado para um ato secreto em Brasília, não se apavore pensando que é uma sessão de porrada ou choque ou para ser pendurado no pau de arara, como nos velhos tempos.
Ato secreto pode ser o meio pelo qual um senador, que pesquisou e descobriu ser teu parente, está tomando as providências para lhe arrumar um emprego de, por exemplo, "encarregado professor adjunto de Nós Náuticos e diretor das Embarcações do Senado no Lago Paranoá", dada tua condição de marinheiro.
Outra palavra chave é "anistia". Se algum advogado chegar falando baixinho que você tem de "pegar tua anistia", não vá estranhar e responder, todo orgulhoso, que já está anistiado -embora isso seja tanto verdade que você está andando de um lado para o outro sem problemas.
Não terá sido bem isso o que o doutor quis dizer. Essa expressão "pegar tua anistia" significa mesmo ganhar uma grana -e o doutor, claro, leva algum com isso. Tem jornalista que levantou 1 milhãozinho só porque, depois do golpe, perdeu um emprego que nem tinha nada a ver com o golpe.
Aliás, é pena que você tenha sido da Marinha, e não da Petrobras. Se você fosse da segunda, eu até iria sugerir que me convidasse para o churrasco em comemoração. Você nem imagina a grana que essa turma levantou. É bem mais preta do que o petróleo.
Mudou tudo, compadre.
Agora nós é que estamos por cima. Ou melhor, só alguns de nós, uma meia dúzia, se muito. Exagerando, talvez um pouco mais. O resto continua pastando, inclusive o povão. "Povão" é o que a gente chamava antigamente de "massa atrasada".
O presidente Lula é o primeiro da lista. Há uns 40 anos, era torneiro mecânico. Depois entrou no sindicato como sub do sub, foi subindo, subindo... e não quis mais saber de outra vida. Fala qualquer coisa, parece entender de tudo e todo mundo acha graça. É um talento.
Outro é o José Serra. Foi presidente da UNE quando você era vice-presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, agora governa São Paulo e, de repente, pode ser eleito para a vaga do Lula.
Tanto o Serra quanto o Lula têm o apoio daquela turma que queria ver a gente enforcado.
Mas, em vez do Serra, o Lula prefere a Dilma, outra ex-companheira. Essa você não conheceu, veio depois de nós, mas é esperta, menino, você precisa ver. Tem currículo para tudo. Precisa de guerrilheira? Ela tem. Torturada? Tem. Doutora? Também tem currículo. Nem sei como conseguiu fazer tanta coisa e mais ainda o serviço de casa.
Outros que foram da pesada e estão se dando bem são o Carlos Minc, que tem a chave da Amazônia, e o Franklin Martins, que tem a chave do cofre da mídia.
Falando em cofre, toda essa turma "fez" o cofre do Adhemar. Esse item é parte importante do currículo. Pega bem porque, afinal, o Adhemar era tido como ladrão. E, pelo número de companheiros que "fizeram" o cofre dele, parece que aquilo nem foi assalto, mas um show da Madonna.
É, companheiro, as coisas mudaram.
Quer um conselho: dá uma de Gabeira, faça como ele, que também veio da Suécia, e escreva um livro do tipo "O Que É Isso, Companheiros?" -"companheiros", assim mesmo, no plural-, sobre o que você está vendo de diferente, de estranho, e espere um pouco. De repente, você até se dá bem. No ano passado, Gabeira quase se elegeu prefeito do Rio de Janeiro e agora já o convidam para tentar o governo do Estado.
Enquanto nada disso acontecer, venha me visitar em São Sebastião, onde moro atualmente. Aqui tem peixe, pinga, porto e mulher bonita. Tudo de que a gente precisa. Tenho um barco velho com motor de caminhão que vivo reformando, mas dá para pegar umas garoupas e sororocas.
Vamos fazer umas pescarias. E falar mal do governo, porque eu estou onde sempre estive: na oposição.
Você sabe, Neguinho, o lugar de um homem que se preza é na oposição.
Aquele abraço,
DAVID LERER , 71, é médico, ex-deputado federal pelo extinto MDB, cassado na primeira lista do AI-5, em dezembro de 1968, viveu exilado em países da América Latina, da África e da Europa.

Governo estuda base espacial fora do MA

Folha de São Paulo 31/07/09

Ideia é expandir programa de lançamentos comerciais, limitado por perda de território em Alcântara para quilombolas

Entre os candidatos a sediar futuras instalações estão Ceará, Amapá e Rio Grande do Norte; proximidade do equador barateia os voos
FÁBIO AMATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

A AEB (Agência Espacial Brasileira) está analisando áreas no país para a construção de centros de lançamento comercial de satélites.
O Brasil almeja entrar neste mercado espacial que, apenas em 2008, movimentou US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 3,6 bilhões, em valores atuais).
De acordo com o presidente da AEB, Carlos Ganem, ainda não foram definidos quantos centros de lançamento o país vai construir, nem onde eles vão ficar. Estão sendo analisadas áreas próximas ao mar no Amapá, Pará, Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte. Uma reunião marcada para o começo de agosto com o presidente Lula deve definir os locais.
A escolha desses Estados se deve à proximidade com a linha do Equador, região onde a velocidade de rotação da Terra é maior. Essa condição ajuda a impulsionar os foguetes usados nos lançamentos, o que resulta em economia de combustível estimada em até 30%.
O Brasil possui hoje um centro de lançamentos em Alcântara (MA), mas nunca colocou um objeto em órbita. Em agosto de 2003, a base de Alcântara foi palco do pior acidente da história do programa espacial brasileiro: o incêndio do VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites), que deixou 21 mortos.
Em 2005, o país fechou parceria com a Ucrânia para a criação da empresa Alcântara-Cyclone Space, voltada justamente para a exploração do mercado de lançamentos comerciais de satélites.
O acordo prevê o uso do foguete ucraniano Cyclone-4 para lançamentos a partir de Alcântara. O primeiro teste está marcado para 2010.
O projeto inicial previa a ampliação da base de Alcântara para a instalação da ACS. Mas a binacional acabou desistindo de ocupar as áreas vizinhas ao centro depois de uma disputa com comunidades quilombolas, que reivindicavam a posse da área -e que acabaram ganhando a disputa por um território de 78 mil hectares. Daí a iniciativa da AEB em procurar outros pontos para receber os novos centros de lançamento.
Atualmente, o lançamento comercial de satélites é explorado principalmente por Rússia, EUA e Europa. De acordo com um relatório da FAA (agência federal de aviação dos EUA), em 2008 foram feitos 28 desses lançamentos.
Mas a AEB não tem recursos para financiar o projeto. Desde 2005, o orçamento anual de todo o programa espacial brasileiro foi, em média, de R$ 260 milhões. Já o custo estimado para a construção de um desses centros é de até R$ 300 milhões. Segundo Ganem, há possibilidade de serem feitas PPPs (parcerias público-privadas) ou parcerias com outros países.

Cabo Anselmo reaparece em São Paulo e quer anistia

Folha de São Paulo 31/07/09

Ex-marinheiro tira impressões digitais em São Paulo para recuperar documentos

Líder dos marinheiros em 1964, Anselmo atuou como informante do Dops em organizações de esquerda durante a ditadura militar
LUCAS FERRAZ
EM SÃO PAULO

Um dos personagens mais controversos e polêmicos da história recente do país, cabo Anselmo deu ontem o último passo para voltar a ser José Anselmo dos Santos, nome de batismo do ex-marujo que precipitou a queda do governo João Goulart e marcou o início da ditadura militar (1964-85).
Vivendo clandestino e sem documentos oficiais há 45 anos, quando foi preso e expulso da Marinha, Anselmo fez na 8ª Vara da Justiça Federal de SP exame para comparar suas impressões digitais com as que constam em documentos disponibilizados pela Força.
Este é o último passo do processo em que a União foi forçada, em dezembro, a apresentar dados que durante anos foram considerados desconhecidos. A Marinha disponibilizou ficha "individual datiloscópica" e um "prontuário de identificação".
A cópia de sua certidão de nascimento não foi encontrada nos arquivos da corporação nem no cartório de Itaporanga d'Ajuda, no interior de Sergipe, onde ele nasceu e foi registrado -por isso a perícia.
Em pouco mais de 40 minutos, Anselmo tirou suas impressões digitais. A conclusão -que vai dizer se a pessoa que fez a perícia é o cabo Anselmo- vai ser apresentada em 30 dias. Só depois ele poderá retirar novamente carteira de identidade, CPF e título de eleitor, e passará a ser o último dos beneficiados pela Lei de Anistia. "Até que enfim", comemorou Anselmo. Para ele, ontem foi uma nova data de nascimento. "O pedido [para reaver os documentos] era para sair em 15 dias. Foram quase sete meses de espera."
Anselmo diz passar por dificuldades financeiras e está debilitado fisicamente. Aos 67 anos, anda com dificuldade, reclama de constantes dores no estômago e está prestes a ser operado por causa de uma hérnia duodenal.
Após reaver os documentos, o que ele mais espera é ter julgado o pedido de reparação protocolado na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em 2004, apesar de esperar pouco. Paulo Abrão, presidente da comissão, diz esperar a liberação dos documentos para o processo entrar em pauta.
"Estou tomando porrada há muito tempo", reclamou à Folha. "Esse pessoal da esquerda ainda inventa muita mentira", diz. "Há muita resistência no governo. Estão me enrolando já faz um bom tempo."
Líder da revolta dos marinheiros em 64, Anselmo atuou em várias organizações da esquerda armada, que ele próprio ajudou a destruir depois como informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em São Paulo. Era protegido do delegado Sérgio Fleury, um dos nomes mais associados à tortura e morte no período. O ex-marujo saiu de cena em 73.
"Ainda estou assustado, amedrontado, assombrado e tremendamente pressionado", afirmou cabo Anselmo, que deixou o prédio da Justiça Federal acompanhado por um ex-investigador do Dops, seu amigo Carlos Alberto Augusto.

Diretor da PF nega influência política em operação

O Globo 31/07/09

O diretor-geral da Polícia Federal, delegado Luiz Fernando Corrêa, assegurou ontem que a instituição não sofre qualquer tipo de pressão política no âmbito da Operação Faktor (originalmente denominada Boi Barrica), que investiga o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
– As pressões, se estão acontecendo, nós estamos bem protegidos. E a maior proteção da Polícia Federal é a qualidade da prova – afirmou Corrêa. – Costumo dizer que se nós tivermos uma prova robusta não interessa quem seja o investigado. Quem se insurgirá contra uma prova técnica robusta? E essa é a regra na Polícia Federal e é o nosso conforto.
Fernando Sarney já foi indiciado em quatro crimes: tráfico de influência, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Corrêa disse ontem que considera um "folclore" as especulações de que o presidente do Senado poderá optar por renunciar ao cargo caso conclua que a permanência e o prolongamento da crise contribuirá para piorar a situação de seu filho. Da mesma forma, o diretor-geral da PF não acredita que Sarney tenha decidido concorrer à presidência da Casa para tentar proteger os familiares na investigação.
– A operação segue normalmente e acho que isso prova que talvez tenha um pouco de folclore aí, que um ex-presidente reduziria assumir um cargo relevante no País em razão de uma operação. Não creio nisso – afirmou. – Se não vale para chegar não vale para... A Polícia Federal não opera motivada por questões políticas e partidárias. Ela investiga fatos e não pessoas. E fatos criminosos, não fatos políticos.
As supostas queixas de Sarney quanto ao vazamento de gravações telefônicas em que ele, o filho Fernando e a neta Maria Beatriz Sarney intercedem pela contratação do namorado da jovem, segundo Corrêa, não chegaram até a PF. O conteúdo das interceptações telefônicas realizadas com autorização judicial foram reveladas pelo jornal O Estado de S. Paulo.
– As conversas em nível de chefe de poder transitam entre as chefias dos poderes e, no máximo, até o ministro – justificou. O ministro da Justiça, Tarso Genro, já afirmou em mais de uma ocasião que a PF não foi responsável pelo vazamento dos diálogos, ressaltando também que as interceptações foram divulgadas depois que o processo seguiu para o Ministério Público e ficou à disposição das partes. (Com agências)

Resgate da pedagogia

Estado de Minas 31/07/09

Valorização do professor passa por recuperar a tradição pedagógica
João Batista Araújo e Oliveira
Presidente do Instituto Alfa e Beto

Pedagogia faz diferença. Essa é a tese que será defendida no Seminário Internacional promovido pela Associação dos Professores Públicos de Minas Gerais (APP), em parceria com o Instituto Alfa e Beto. O seminário Profissão professor: o resgate da pedagogia será realizado em Belo Horizonte em 31 de agosto, com o claro objetivo de demonstrar que a valorização da profissão do professor passa pelo resgate da pedagogia. Por que resgatar a pedagogia? Que pedagogia cabe resgatar? A partir do Romantismo, no século 19, e com intensidade maior no século 20, a pedagogia foi alvo de intensas críticas por filósofos, sociólogos e educadores. O alvo sempre foi o mesmo: a pedagogia tradicional. Para facilitar as críticas, a pedagogia tradicional sempre foi apresentada como o que há de pior. No processo, em vez de criticar eventuais limitações da pedagogia tradicional, o que se perdeu foi a tradição pedagógica. É isso que cabe resgatar.
Mas qual a essência da tradição pedagógica? A essência da tradição pedagógica é ensinar. As evidências científicas – cada vez mais contundentes e rigorosas – demonstram a diferença que faz o professor que domina os conteúdos e que sabe ensinar. O ensino deve ser intencional, direto, estruturado, sistemático, dirigido. Nada disso implica abandonar a atenção pessoal ao aluno, a motivação e os cuidados com a linguagem.
Os resultados do sistema educacional de Minas Gerais refletem exatamente a situação econômica do estado, ou seja, o desempenho dos alunos se explica mais pelo nível sócioeconômico das famílias do que pela diferença trazida pela escolha. Se o fator sócioeconômico for controlado, os resultados seriam equivalentes aos dos demais estados. Esse é o desafio a ser encontrado: criar uma escola que realmente faz diferença.
O resgate da tradição pedagógica se faz com o uso dos conhecimentos científicos. O seminário vai mostrar como a evidência científica sugere que, quando determinados princípios e práticas são adotados, os resultados são melhores. O seminário oferecerá uma visão aprofundada de três temas específicos – a alfabetização, o ensino da língua materna e o ensino da matemática. Os educadores serão surpreendidos com as evidências científicas sobre o ensino dessas disciplinas.
Um professor – como qualquer profissional – não é um mágico: ele é tão bom quanto os métodos que utiliza. Questões como o que é alfabetizar, quais são os métodos mais eficazes, se devemos ensinar gramática ou se é preciso ensinar tabuadas e frações serão debatidas à luz da evidência científica mais atualizada e das práticas de ensino utilizadas nos países em que a educação constitui, de fato, um instrumento de promoção da equidade e de mobilidade social. O convite está feito. Vamos resgatar a tradição pedagógica? Vamos voltar a ensinar? Vamos resgatar o orgulho de ser professor?

Um golpe na impunidade

Estado de Minas 31/07/09

Denúncia do MPE contra ex-prefeito é esperança de punição exemplar

A denúncia apresentada ontem pelo Ministério Público Estadual (MPE) contra o ex-prefeito de Juiz de Fora Alberto Bejani (sem partido) é, ressalvados todos os direitos de defesa do acusado, um alento às esperanças cada vez mais ralas da população, não apenas daquela cidade, como de todo o país, de se ver alguma redução da praga da impunidade. No caso, trata-se de um político que teria abusado da confiança dos que o colocaram à frente do cofre do município, de modo a – segundo apurou o MPE – aumentar a desconfiança na classe política e o insistente estrago que se tem feito na democracia, em todos os níveis da administração pública brasileira. Corrupção passiva, dispensa indevida de licitação, improbidade administrativa com lesão ao erário, enriquecimento ilícito e ofensa aos mais elementares princípios da administração pública é rol de crimes atribuídos a Bejani, depois de levantados esquemas de corrupção que ele teria participado para, em parceria com empresários do denunciado Grupo SIM, desviar nada menos do que R$ 1,12 milhão.
´É essa a quantia que o MPE está pedindo à Justiça que o condene a devolver aos cofres públicos, além de prisão por 15 anos e perda dos direitos políticos por pelo menos 10 anos. A reportagem do Estado de Minas vem denunciando há meses esse esquema que agora torna mais robusta a denúncia do Ministério Público e que se estende por vários outros municípios mineiros. Na verdade, Juiz de Fora é a segunda comarca a receber denúncias do MPE, produzidas a partir da Operação Passárgada, iniciada pela Polícia Federal em abril do ano passado. Já foram indiciados dois ex-presidentes da Câmara Municipal de Barão de Cocais, na Região Central do estado. Novas denúncias são esperadas para a semana que vem, relativas a contratos firmados em Senhora dos Remédios, Bom Jesus do Galho, Entre Folhas, Imbé de Minas, Carmo da Mata e Andradas. As primeiras prisões da operação envolveram um juiz federal e 15 prefeitos, sendo 13 de Minas e dois da Bahia, acusados de participar de um esquema de fraudes para a liberação irregular de verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Causou indignação e vergonha a divulgação da lista dos municípios que foram vítimas dos golpes. Muitos não passam de pequenas comunidades, a maioria com parcos recursos e muitas necessidades. Administração mais próxima do cidadão, a prefeitura é parte da vida das pessoas e causa profunda decepção a notícia de que, do pouco que a cidade dispunha, muito foi levado sem o menor escrúpulo. É, pois, fundamental que as investigações se completem e que a Justiça não permita que o jogo dos recursos livre os culpados de punição exemplar. Mais do que isso, o andamento do caso vem bem a propósito do movimento que se articula por meio da coleta de assinaturas em igrejas, para que se coloque uma fechadura legal na porta da administração pública aos candidatos que não podem apresentar ficha limpa. É a melhor maneira de conferir ao voto o poder de dar fim à tradição brasileira de impunidade e de banir da política aqueles que a procuram apenas para tirar vantagem pessoal.

Respeito pela vida

Estado de Minas 31/07/09
Proposições de ideologias ateias não garantem elementos indispensáveis à capacidade individual e coletiva no que se refere à ciência e ao significado do respeito à vida

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

santo padre Bento XVI, na carta encíclica Caritas in Veritate, configura um horizonte indispensável para a abordagem do enorme desafio que é o respeito pela vida. Não poucos, incluindo estudiosos de diferentes campos do saber, correm o risco de alavancar suas reflexões em impostações ideológicas – que em si não possuem a força suficiente para suscitar e manter a capacidade humana de pensar, escolher e agir respeitando a vida.
É incontestável a inconsistência de ideologias que se configuram a partir de uma análise da realidade que prescinda de valores sem os quais se torna inviável o processo permanente de capacitação humana para uma conduta que respeite a vida. As perspectivas analíticas e proposições de ideologias ateias não conseguem propor e garantir o conjunto de elementos indispensáveis para a capacidade individual e coletiva no que se refere à ciência – e ao todo que compõe o significado do respeito à vida. Até mesmo a teologia, como campo do saber e do pensar, pode correr o risco de perder o que lhe é próprio: a abordagem e o tratamento da transcendência como elemento determinante de seu discurso e de suas intuições, reduzindo-se, como não deixou já de ocorrer, a uma sociologia sem a propriedade do que esse campo do saber possui de próprio do seu objeto formal.
O papa Bento XVI, na argumentação da carta encíclica, adverte, propõe, convida e indica a necessidade de incluir observações de caráter valorativo, que não se reduzem ao que está na consideração da realidade em si, mas que a ilumina e desvenda entreveros próprios de suas complexidades. Muitos podem pensar que ainda basta partir simplesmente de questões que configuram a análise da realidade pela formatação própria dos contornos de ideologias, incluindo aquelas ateias. Na mesa de discussão está posto, pelo ensino magisterial da Igreja Católica, na recente encíclica, que é indispensável entender o desenvolvimento econômico, a sociedade civil e a fraternidade a partir de parâmetros e sistemas valorativos – que estão para além do que simplesmente é a realidade da vida da sociedade, seus mecanismos e do que conseguiram, arruinando, fazer dela.
Assim, o desenvolvimento dos povos não pode ser desvinculado, no seu entendimento e nos seus andamentos, do que forma, ética, moral e religiosamente, o significado amplo e comprometedor do que é o respeito pela vida. E não é apenas uma questão de salvação planetária. Há algo que está acima dos números das metas definidas pelas cúpulas e fóruns, embora, lamentavelmente, não tenham sido cumpridas. Essas metas não são cumpridas por uma má vontade e por uma incapacidade de governos, instâncias e da sociedade em geral. Mas também pela pequenez de estatura que só conquista e tem aqueles que pautam sua conduta na força de valores que estão para além dos funcionamentos da natureza ou do estritamente gerencial e administrativo das responsabilidades governamentais, sociais e políticas.
Quando se fala, por exemplo, de pobreza, põe-se o desafio de alargar os seus conceitos e entendimentos. Ora, no cenário da pobreza mundial, a provocação das altas taxas de mortalidade infantil, em muitas regiões, se deve, sim, ao baixo nível econômico das populações. Mas, também, às práticas de controle demográfico, em várias partes do mundo, por parte de governos que muitas vezes, sublinha o papa Bento XVI, difundem a contracepção e chegam mesmo a impor o aborto. Não são poucas, e por isso mesmo merecem atenção, as muitas legislações difusas e contrárias à vida, incluindo países economicamente mais desenvolvidos.
Dessa forma, por uma opção estreita de entendimento acerca da vida, essas legislações alavancam uma mentalidade antinatalista considerada, enganosamente, como progresso cultural. O papa não deixa de denunciar, na carta encíclica, que “há a fundada suspeita de que às vezes as próprias ajudas ao desenvolvimento sejam associadas com determinadas políticas sanitárias que realmente implicam imposição de um forte controle dos nascimentos. Igualmente preocupantes são as legislações que preveem a eutanásia e as pressões de grupos nacionais e internacionais que reivindicam o seu reconhecimento jurídico”. É muito importante, portanto, que se compreenda que a abertura à vida está no centro do verdadeiro desenvolvimento. Isso significa dizer e entender que não se pode prescindir, na consideração do desenvolvimento, da referência a valores que estão acima e são maiores que a simples dissecação da realidade enquanto revela seus mecanismos perversos. Pode-se correr o risco de constatar, saber, conhecer e explicar, sem contudo ter força para dar o passo novo e a conquista de um novo desenho do cenário contemporâneo. “Quando uma sociedade começa a negar e suprimir a vida, acaba por deixar de encontrar motivações e energias necessárias para trabalhar a serviço do verdadeiro bem do homem”, diz o papa Bento XVI.

Mistério

Estado de Minas 31/07/09
Bola de fogo cruza céu no Norte de MG
Luiz Ribeiro
Um mistério dominou as rodas de conversa em vários municípios do Norte de Minas ontem: o relato dos moradores de que, ao anoitecer de anteontem, viram uma bola de fogo cruzar o céu no sentido leste/oeste, provocando um clarão amarelado. Chegou até a circular o comentário de que moradores teriam visto o objeto cair na região de Pandeiros, entre os municípios de Januária e Bonito de Minas. O professor Oswaldo Duarte Miranda, do curso de pós-graduação em astrofísica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sediado em São José dos Campos (SP), informou que, ao tudo indica, o que os moradores do interior de Minas testemunharam foi a explosão de um meteoro, que teria ocorrido a uma distância de 30 a 40 quilômetros da Terra. "Ao que tudo indica, o elemento se fragmentou, pulverizado em partículas muito pequenas, que não são percebidas ao chegam à terra”, disse o professor do Inpe. O fenômeno foi observado em pelo menos nove municípios: Montes Claros, Januária, Bonito de Minas, Pedras de Maria da Cruz, Lontra, Ibiracatu, Jaíba, São João da Ponte e Varzelândia. "Passou no céu uma bola de fogo com uma cor amarelada. Depois, desapareceu, deixando um grande rastro de fumaça no céu", afirma o guarda municipal Charles Dulcio Pimenta, de 27 anos, de Pedras de Maria da Cruz. O comandante do Batalhão da Policia Militar em Januária, Jorge Bonifácio de Oliveira, conta que em vários pontos da região houve informações sobre a "bola de fogono céu". Ele revelou que ontem recebeu telefonema de um oficial da Aeronáutica, de Brasília, que quis saber mais informações sobre o episódio. AAeronáutica descartou a queda de qualquer aeronave no Norte de Minas.

Diplomacia da cerveja

O Globo 31/07/09
Obama media polêmica racial

WASHINGTON. O presidente Barack Obama elegeu a cerveja como o grande instrumento diplomático para solucionar sua primeira polêmica racial na Presidência. Numa cena que segundo o "New York Times" não seria imaginável com nenhum outro presidente americano, Obama reuniu para uma cervejinha em volta de uma mesa nos jardins da Casa Branca dois brancos e dois negros numa conversa destinada a estabelecer uma nova forma de tratar questões raciais no país.
Além de Obama e de seu vice, Joe Biden, estavam lá o professor negro de Harvard Henry Louis Gates Jr. e o sargento branco da polícia de Cambridge James Crowley, os dois protagonistas do incidente.
- Tenho que dizer que estou fascinado com a fascinação despertada por essa noite - disse Obama antes do encontro. - Ouvi dizer que está sendo chamada de cúpula da cerveja. É um termo inteligente, mas isso não é uma cúpula, gente. São três caras tomando uma cerveja no fim do dia.
A confusão começou quando o professor, renomado autor de livros sobre o movimento negro e condecorado no passado pelo então presidente Bill Clinton, chegou de noite em casa, após uma viagem à China, sem as chaves. Com a ajuda de um taxista - hispânico - arrombou a porta da própria casa. Mas uma vizinha estranhou a cena e ligou para a polícia. Pouco depois, ele foi interpelado pelo policial. As versões do professor e do policial sobre o diálogo que se seguiu divergem, mas o fato é que Gates, que diz ter sido alvo de racismo, foi preso por desacato a autoridade e o episódio mereceu comentário do presidente Obama no dia seguinte: "a polícia de Cambridge agiu estupidamente", disse, gerando grande repercussão.
Obama tomou Bud Light, hoje de propriedade da belgo-brasileira Inbev. Já Gates escolheu Sam Adams, uma marca de cerveja escura de Boston, e Crowley, Blue Moon (canadense).

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Washington define nova estratégia antiterror

Estado de São Paulo 30/07/09
Gustavo Chacra

A secretaria de Segurança Nacional dos EUA, Janet Napolitano, disse ontem que os atentados cibernéticos são os principais riscos para a segurança do país. Janet pediu mais participação da população e trabalho conjunto do governo com a iniciativa privada, e não descartou a possibilidade de os americanos serem vítimas de ataques nucleares, químicos e biológicos dentro ou fora de suas fronteiras.
As afirmações delinearam a estratégia de segurança interna do governo de Barack Obama, que foi recebida com ceticismo pela imprensa. Especialistas ressaltaram a falta de novidades da nova política quando comparada com a de George W. Bush - duramente criticada por Obama durante a campanha presidencial.
"Vocês são os que sabem quando algo está errado em suas comunidades, quando veem um pacote suspeito ou alguma atividade incomum. Teremos mais chance de sucesso se reforçarmos nossas redes [DE SEGURANÇA]e reunirmos a energia de todos os americanos", disse Janet.
Na realidade, desde o 11 de Setembro, os americanos já agem para contribuir no combate ao terrorismo. No metrô de Nova York, há anos, existe uma campanha pedindo para que as pessoas alertem policiais caso vejam algo ou alguém suspeito. O mesmo ocorre em aviões e trens.
Janet também defendeu a importância de agências do governo, como o FBI e a CIA, trabalharem em conjunto. Ela advertiu que o governo não pode se preocupar apenas com as fronteiras, já que americanos correm riscos de ser atacados também em outros países. A imigração ilegal e o tráfico de drogas também oferecem risco à segurança dos EUA.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

O crepúsculo do campeão?

Correio Brasiliense 29/07/09

Nas Entrelinhas
Alon Feuerwerker

Barack Obama está a um passo de colocar o freio em Hugo Chávez. Sem disparar um tiro, sem gritar, sem ameaçar. Sorrindo, posando para fotos e dizendo palavras doces
Faz um mês que o presidente constitucional de Honduras, Manuel Zelaya, foi deposto e expelido do país. Suas tentativas de voltar ao poder nos termos dele próprio têm esbarrado na falta de apoio efetivo, interno e internacional. Internamente, o governo recém-instalado parece controlar as rédeas do Estado. No resto do mundo, o suposto consenso em torno da volta incondicional de Zelaya é apenas suposto.
O caminho oferecido pelos Estados Unidos para o retorno à normalidade é humilhante para o mandatário literalmente defenestrado. Ele teria que desistir da consulta popular que convocou, para pressionar pela Assembleia Constituinte. E teria que dividir poder com os algozes: a cúpula do Judiciário, o Congresso e as Forças Armadas. Estaria impedido, por exemplo, de demitir o comandante do Exército, que o depôs. Ficaria na prática sob tutela. Dos inimigos locais e da Casa Branca. Assim seria o seu patético epílogo.
Como Zelaya tampouco mostra força para voltar “nos braços do povo” e remodelar a República ao seu feitio, chegou-se a um impasse. O problema é que o relógio trabalha contra. O poder tem magnetismo. E o tempo favorece a acomodação. Zelaya teria que criar uma alternativa política, se necessário pela força. Mas, convenhamos, ele não leva jeito. Zelaya não é um Fidel Castro. Nem mesmo um Hugo Chávez.
Zelaya acena com a resistência em outros termos, não propriamente pacífica. Veremos. Trata-se de um oligarca que certo dia engatou seu vagãozinho no trem da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas, liderada pela Venezuela) e se deixou encantar pela perspectiva de reformar a Constituição hondurenha (a que proíbe o sujeito até de pensar em reeleição). Sem porém ter os votos ou os meios para tal. Só que os adversários foram mais rápidos e eficientes. Agora é ele quem corre atrás do prejuízo.
Que não é só dele. Por enquanto, o maior ameaçado de sofrer uma derrota retumbante é Chávez — que nesta altura deve estar querendo arrancar o couro de Zelaya pela trapalhada e pela incompetência. O venezuelano está como o boxeador quase invicto (perdeu uma, por pontos, no primeiro referendo pela reeleição ilimitada, mas retomou o cinturão na revanche), quando enxerga, espantado, o perigo de sofrer o primeiro nocaute, numa luta que antes de começar parecia fácil. Uma espécie de Myke Tyson enrolado com a surpresa James “Buster” Douglas, naquele hoje distante, mas inesquecível, fevereiro de 1990 em Tóquio.

Todo campeão tem um encontro marcado com o desafiante que irá derrotá-lo. Por enquanto, Chávez não vem sendo páreo para a dupla Barack Obama/Hillary Clinton. Ela é uma profissional. Ele, um mister simpatia. Os Estados Unidos estão a um passo de colocar o freio em Chávez. E sem disparar um tiro, sem gritar, sem ameaçar. Sorrindo, posando para fotos, dizendo palavras doces e celebrando a “unidade hemisférica”.
E acercando-se de Havana. A evolução das relações entre Cuba e Washington parece irreversível —com todos os riscos que a palavra carrega no jornalismo. Será que Raul Castro vai comprometer o quase noivado com Obama só para oferecer uma saída honrosa para Chávez, sem nenhuma garantia prática de que a coisa irá vingar? Ora, se nem Luiz Inácio Lula da Silva está nessa...
É a volta da política do big stick. Fale macio e carregue um grande porrete. No pós-golpe de Honduras, e a não ser que Zelaya entre em Tegucigalpa à frente de sua revolução bolivariana, os adversários continentais do chavismo já saberão que a invencibilidade do campeão de Caracas encontrou o seu crepúsculo.

Aprendeu com Maluf
Atolado em confusões, a partir de certa altura Paulo Maluf desenvolveu um método. Os jornalistas perguntavam uma coisa e ele respondia sobre outro assunto. O expediente está sendo útil agora, nas barricadas que defendem o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
E o ato secreto que nomeou o então namorado da neta? Ora, todo mundo nomeia, trata-se da ocupação de espaço político. Claro, presidente. Nomeia mas publica. A pergunta não é sobre a nomeação, é por que a esconderam!

Venezuela retira embaixador da Colômbia em meio a acusações sobre bases americanas e armas das Farc

Correio Brasiliense 29/07/09

América do Sul
Intriga na fronteira

Silvio Queiroz

Uma denúncia do governo colombiano, segundo a qual foram apreendidas com a guerrilha esquerdista armas antitanque de fabricação sueca vendidas originalmente à Venezuela, entrelaçou-se com o anúncio sobre a cessão de três ou quatro bases aéreas colombianas para operações militares dos Estados Unidos — e o resultado é um cenário que preocupa o governo brasileiro. “Não é agradável ver essa militarização excessiva da América do Sul, com a presença de atores extrarregionais”, disse ao Correio uma fonte do Itamaraty. “Isso não contribui para um ambiente pacífico e de cooperação, inclusive no âmbito militar, no continente.”
O comentário reservado do diplomata brasileiro reflete a tensão crescente entre dois vizinhos que nos últimos sete anos — desde que o direitista Álvaro Uribe assumiu o governo na Colômbia — protagonizaram sucessivas crises, algumas delas contornadas com ajuda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na noite de ontem, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, anunciou o “congelamento” das relações e a retirada de seu embaixador em Bogotá. Chávez denuncia “mais um plano de invasão gringa” a seu país, e antecipou que negociará um aprofundamento da cooperação militar na visita que fará dentro de 15 dias a Moscou. Nos últimos três anos, Caracas importou da Rússia aviões, helicópteros, 100 mil fuzis e sistemas de defesa antiaérea.
O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, não hesitou em fazer a ligação direta entre os dois movimentos do governo colombiano. Comentando a acusação sobre a apreensão de um lote de foguetes antitanque (bazucas) de fabricação sueca em um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Maduro denunciou “uma montagem grosseira”, como “pretexo para as bases militares americanas em território colombiano”, disse. “Sempre que surge um tipo de conjuntura, começa a funcionar o aparato de mídia para construir meias-verdades a partir de mentiras e justificar o injustificável.”
É no mesmo tom que a intriga envolvendo os dois vizinhos, mais a Suécia e os Estados Unidos, é tratada por um representante da assediada esquerda civil colombiana, vista com desconfiança tanto pelos militares quanto pela guerrilha. “O mais estranho é que o governo só fala nessas armas suecas agora, em pleno processo de instalação dessas bases americanas”, disse à reportagem o dirigente comunista Carlos Lozano, interlocutor habitual com as Farc em assuntos de ordem humanitária. “Dizem que se trata de cooperação com os EUA para enfrentar ‘o narcotráfico e o terrorismo’, mas isso servirá apenas para prolongar e agudizar o conflito armado interno que temos em nosso país.”
Lozano nota o “incômodo” causado pelo acordo militar na vizinhança, e afirma que a Venezuela não é o único país sul-americano com razões para observar com atenção o desenrolar da crise. “É uma manobra com duas direções: acabar com as Farc e estabelecer uma plataforma de espionagem não apenas sobre a Venezuela, mas também o Equador e até o Brasil, pois os americanos não têm muita confiança no governo brasileiro, que lidera uma posição independente na América do Sul”, analisa.

Correio eletrônico
Rumores sobre a presença de armamento moderno contrabandeado pelas Farc, inclusive mísseis antiaéreos que colocariam em risco a aviação — fator de desequilíbrio do conflito em favor do Exército, nos últimos anos — se intensificavam desde o início do ano. Mas em sua edição mais recente a revista colombiana Semana reconstituiu a história da apreensão, feita “há alguns meses” no sudeste do país, como parte das operações contra o chefe de operações militares da guerrilha, conhecido como Mono Jojoy. Os números de série teriam sido rastreados pela Suécia e associados a um lote vendido legalmente à Venezuela.
A revista teve acesso ao texto de mensagens eletrônicas extraídas pelos militares do computador do comandante guerrilheiro Raúl Reyes, abatido em março de 2008 no bombardeio a um acampamento do lado equatoriano da fronteira. Neles, outro alto dirigente rebelde, Iván Márquez, menciona entendimentos com militares venezuelanos para a compra de bazucas (leia trechos).
Desde a morte de Reyes, o governo equatoriano suspendeu as relações com a Colômbia, e a Justiça do país pediu a prisão do ex-ministro colombiano da Defesa Juan Manuel Santos, como responsável pelo ataque. No início deste mês, o governo colombiano divulgou um vídeo no qual o Mono Jojoy afirma que as Farc teriam feito uma contribuição financeira (1)para a campanha eleitoral do presidente equatoriano, Rafael Correa.

1 - GUERRILHA DESMENTE
As Farc desmentiram o envio de dinheiro para a campanha de Rafael Correa. “Como nova cortina de fumaça e na tentativa de agredir o senhor presidente do Equador, Washington e Bogotá manipularam um vídeo das Farc”, diz o comunicado. Correa pedira aos rebeldes “um pronunciamento claro” sobre as acusações de Bogotá. “Negamos ter entregue dinheiro a qualquer campanha eleitoral de qualquer país vizinho”, arremata o texto, assinado pelo secretariado (alto comando das Farc).

Trechos

E-mail para Raúl Reyes
Como estava previsto, em 3 de janeiro me reuni com os generais (Cliver) Alcalá e (Hugo) Carvajal, com o qual já me havia reunido em três ocasiões na companhia de Ricardo (Rodrigo Granda). Falamos do Plano Patriota, de troca (de prisioneiros), da “parapolítica” e de três aspectos do plano estratégico: finanças, armas e política de fronteiras. (…) Nesse meio tempo, eles farão chegar (na semana que vem) 20 bazucas de grande potência, segundo eles, das quais 10 seriam para Timo (Timochenko, comandante das Farc atuante na fronteira com a Venezuela) e 10 para cá.

Email para Marulanda e demais membros do Secretariado
Os artefatos que recebemos com Timo são foguetes antitanque de 85mm, dois tubos e 21 cargas. O amigo diz que eles têm mais de mil cargas e logo nos entegarão mais, assim como alguns tubos (lançadores).

Tecnologia no combate ao crime

Jornal do Brasil 29/07/09

É bem-vinda a incorporação do veículo aéreo não tripulado – batizado de Vant – ao arsenal da Polícia Federal a ser utilizado nas regiões de fronteira. Munido de radares com câmeras fotográficas e de vídeo de alta precisão que podem ser utilizadas a qualquer hora do dia, o novo avião, fabricado em Israel, fez seu voo inaugural em céu brasileiro na segunda-feira, em cerimônia que contou com a presença do ministro da Justiça, Tarso Genro, e autoridades da área de segurança nacional. Embora cara (o governo vai gastar R$ 114 milhões para implantar a primeira fase do projeto, que contará com 14 aeronaves), a tecnologia já se mostrou excelente aliada no combate à criminalidade em diversos países, e tende a diluir seu custo diante dos benefícios que traz consigo.
A nova arma da PF é imperceptível a olho nu, voa com autonomia de 37 horas, a 10 quilômetros de altura, e pode acompanhar o alvo em tempo real, ao vivo e em cores. O voo experimental do Vant foi realizado na primeira base de operações do projeto, em São Miguel do Iguaçu, no Paraná. Ali, representantes do governo puderam acompanhar imagens nítidas de alvos em movimento, transmitidas via satélite. O local da base não foi escolhido à toa. Trata-se da tríplice fronteira Brasil–Paraguai–Argentina, por onde transitam anualmente milhões de pessoas e quantidade igualmente enorme de contrabando.
Conforme revelou levantamento da própria Polícia Federal, entre julho e setembro do ano passado, só do Paraguai, chegou ao país o equivalente a R$ 9 milhões em cigarros contrabandeados através da fronteira de quase mil quilômetros. De acordo com a Associação Brasileira de Combate à Pirataria, já são 50 as fábricas de cigarro no Paraguai, produzindo 47 bilhões de unidades por ano.
A pirataria da indústria tabageira, no entanto, é apenas um dos problemas naquela região, junto ao tráfico de drogas e de armas. A tríplice fronteira é uma área sob permanente suspeita internacional também por conta do avanço do terrorismo no mundo. Agências de países como os Estados Unidos e Israel – os maiores alvos desses grupos – enviam seguidos informes sobre a movimentação de terroristas ou de transações financeiras entre as organizações e pedem a colaboração brasileira para localizá-los. Até hoje, não há casos comprovados, mas a vigilância nunca é demasiada.
Até o fim do ano serão instaladas quatro bases, uma delas em Brasília, que abrigará também um centro de treinamento para operadores do sistema. As outras três estarão funcionando a pleno vapor até março do ano que vem em Manaus, Porto Velho e Foz do Iguaçu. Mas a Polícia Federal promete estender a vigilância aérea a todo o território nacional. Os recursos para a primeira fase já estão assegurados no orçamento do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci).
Cabe ressaltar que a PF será a primeira polícia do mundo a utilizar aviões não tripulados, antecipando-se até mesmo às Forças Armadas, que também querem a tecnologia, mas por enquanto só avaliam as propostas. Policiais federais fizeram testes há 12 dias e já se certificaram da eficácia do sistema. De posse da nova ferramenta, espera-se o uso racional e pró-ativo da tecnologia a serviço do cidadão.

Tarso: segredo de Justiça "praticamente" terminou

Jornal do Brasil 29/07/09


O ministro da Justiça, Tarso Genro, voltou a negar ontem que o vazamento de conversas telefônicas da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tenha partido da Polícia Federal. Gravações divulgadas pela imprensa mostram o peemedebista, o filho dele, Fernando Sarney, e a neta, Maria Beatriz Sarney, negociando uma vaga no Senado para o namorado dela, Henrique Dias Bernardes.
– As divulgações feitas sequer são objeto de inquérito. Mostram apenas uma pessoa orientando para fazer contração por DAS (cargo comissionado, sem concurso público) de outra pessoa, o que é livre – explicou Tarso. O ministro afirmou ainda que só irá investigar o caso se for pedida intervenção da Polícia Federal. E ressaltou que, depois da aprovação de lei que permite ao investigado ter acesso ao processo, o sigilo da investigação acabou.
– Se trata de uma divulgação de informação. O segredo de Justiça praticamente terminou no Brasil, já que o investigado pode ter acesso ao inquérito. O segredo é meramente formal – defendeu.
Na sexta-feira passada, o Ministério Público Federal no Maranhão pediu à PF que abrisse inquérito para investigar a divulgação de conversas telefônicas. Na segunda-feira, o corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Hamilton Carvalhido, deu prazo de 48 horas para que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região informe as providências tomadas sobre o vazamento das conversas. A assessoria do TRF-1 informou que o desembargador Mário César Ribeio, que responde pela corregedoria durante as férias do desembargador Olindo Herculano de Menezes, já prestou as informações.

Cientistas estudam cérebro de militares para prever situação de risco

O Globo 29/07/09
Intuição: arma de guerra

Benedict Carey

A cena não era muito incomum, pelo menos não em Mossul, no Iraque, numa manhã de verão: um carro parado na calçada, na contramão do trânsito, com as janelas totalmente fechadas. Dois garotinhos em idade pré-escolar olhavam pelo vidro traseiro, as faces bem juntas, como se compartilhassem um segredo. O soldado que patrulhava a rua parou. Devia estar muito quente lá dentro; do lado de fora estava 48 graus Celsius.
"Permissão para me aproximar, senhor, para dar a eles um pouco de água", pediu o soldado ao primeiro sargento Edward Tierney, que comandava os nove homens da patrulha naquela manhã. "Eu disse não. Não", contou o sargento Tierney em entrevista por telefone do Afeganistão, onde se encontra agora. Ele conta que foi compelido a se afastar da cena antes que soubesse por que: "Meu corpo subitamente ficou mais frio; sabe, aquela sensação de perigo iminente."
As Forças Armadas americanas já gastaram bilhões em tecnologias de interferência em sinais elétricos, capazes de detectar e destruir o que os militares chamam de artefatos explosivos improvisados - as bombas que se revelaram a maior ameaça no Iraque e no Afeganistão onde o sargento Tierney, atualmente, treina soldados para detectar ataques com explosivos.
Mas a tecnologia de ponta, embora ajude a reduzir baixas, continua sendo um complemento ao mais sensível sistema de detecção de todos: o cérebro humano. Tropas no terreno, usando apenas seus sentidos e experiência, são responsáveis por frustrar a maior parte dos ataques a bomba e, como o sargento Tierney mencionou, sempre citam um frio na barriga e o pressentimento como suas primeiras pistas.
Todo mundo tem pressentimentos - sobre as razões dos amigos, sobre o mercado de ações, sobre o jogo de pôquer. Mas as tropas americanas se encontram agora no centro de um grande esforço científico cujo objetivo é entender como, numa situação de vida ou morte, o cérebro de algumas pessoas pressente o perigo e as fazem agir bem antes de outras.

Experiência também conta, mas não só
A experiência conta, é claro: se você já viu algo antes, é mais provável que consiga antecipá-lo da próxima vez. Mesmo assim, pesquisas recentes sugerem que há algo mais em ação. Pequenas diferenças em como o cérebro processa imagens, como interpreta emoções e como administra as oscilações nos níveis dos hormônios ligados ao estresse ajudam a explicar por que algumas pessoas pressentem o perigo iminente antes da maioria.
Ao longo dos últimos dois anos, o pesquisador do Exército Steven Burnett supervisionou um estudo sobre a percepção humana e a detecção de bombas, envolvendo 800 militares. Os soldados foram submetidos a interrogatórios e a testes de personalidade, bem como a simulações em campo. Cientistas mediram sua percepção de profundidade, vigilância e habilidades correlatas. O estudo foi mais um a concluir que a velocidade com a qual o cérebro lê e interpreta as sensações do próprio corpo e as emoções e a linguagem corporal dos outros é central para evitar perigos iminentes.
- Não faz muito tempo as pessoas pensavam em emoções como coisa ultrapassada, como sentimentos que tinham pouco a ver com o processo racional de tomada de decisão - afirmou Antonio Damasio, diretor do Instituto do Cérebro e Criatividade, da Universidade do Sudeste da Califórnia. - Hoje, isso mudou. Vemos as emoções como programas de ação práticos, cujo objetivo é resolver um problema antes mesmo da tomada de consciência.
Patrulhar as ruas de Mossul nunca é uma tarefa rotineira. Uma pedra faltando no calçamento, uma ligeira sombra num canal, uma pilha de latas vazias, qualquer coisa pode ser letal. E todos se fazem a mesma pergunta: O que está diferente? O que está fora do lugar?
Até hoje o sargento Tierney não sabe essa resposta. Talvez fosse a posição do carro; talvez o fato de ninguém ter investido contra o grupo, como era de hábito. Ou mesmo o estado de sonolência que parecia tomar conta de todos. Talvez a soma de tudo isso. Mas o fato é que ele mandou seus homens recuarem a tempo de não serem atingidos pela forte explosão que acabou matando as duas crianças.
- Não consigo apontar para uma coisa específica - ele contou. - Só tive aquela sensação que temos quando saímos de casa, temos certeza de que esquecemos algo, mas levamos um tempo para descobrir o que é.

Chávez e Correa ameaçam Uribe

O Globo 29/07/09
TENSÃO NO CONTINENTE

Venezuelano congela relações com Colômbia e equatoriano fala de 'resposta militar' ao país vizinho
Janaína Figueiredo

O suposto vínculo entre a Venezuela e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) voltou a provocar sérios problemas para o presidente Hugo Chávez, sobretudo para o relacionamento de seu país com o governo do presidente colombiano, Álvaro Uribe, que esta semana revelou a descoberta de armas suecas compradas pela Venezuela em mãos da guerrilha. A crise aumentou ontem, depois que Chávez convocou o embaixador venezuelano na Colômbia, congelou as relações diplomáticas e econômicas entre os países e ameaçou expropriar todas as empresas colombianas "em caso de nova agressão".
As denúncias sobre uma parceria entre o venezuelano e as Farc voltaram a estremecer a política andina, em meio a novas advertências do presidente do Equador, Rafael Correa, às autoridades colombianas. Um ano e meio após o ataque a um acampamento das Farc em território equatoriano - episódio que provocou a morte de Raúl Reyes, na época uma figura de proa da guerrilha - Correa assegurou que uma nova interferência da Colômbia em seu país o obrigaria a uma reação, e seus adversários o acusaram de estar "arrastando o Equador para uma guerra".
- Se a Colômbia nos agredir de novo, a resposta será militar. Não permitirei uma nova invasão do território pátrio, como ocorreu em 1º de março de 2008 - declarou Correa, que semana passada negou ter recebido uma contribuição financeira das Farc em sua campanha eleitoral de 2006, informação dada num vídeo em que aparece um dos líderes das Farc, Mono Jojoy, e que teria sido encontrado por militares colombianos.

As Farc negaram ontem terem enviado dinheiro para a campanha de Correa.
A tensão entre os países aumentou no momento em que Chávez e Correa temem um possível acordo entre a Colômbia e os EUA, que permitiria a Washington utilizar bases colombianas. Com este pano de fundo, o surgimento de evidências sobre uma parceria entre Chávez e as Farc é útil para a estratégia da Casa Branca de desprestigiar seu principal adversário na região.
Apesar de deslegitimadas no cenário internacional e enfraquecidas internamente (o grupo chegou a ter 20 mil guerrilheiros e hoje teria menos de dez mil), as Farc se transformaram num dos principais elementos de conflito entre os governos andinos. Na visão do analista argentino Jorge Battaglino, professor de Segurança Sul-Americana do mestrado de Relações Internacionais da Universidade Di Tella, "o conflito em torno das Farc faz parte de uma briga superior entre a Venezuela e os EUA, na qual a Colômbia aparece como principal aliado dos EUA, e o Equador, com menos peso, é sócio do governo chavista".
- As suspeitas sobre uma aliança entre Chávez e as Farc ajudam o governo americano - disse Battaglino.
Segundo ele, "para a Casa Branca, o governo chavista é a principal ameaça que existe hoje na região".
- Não sabemos se as Farc financiaram os governos de Chávez e Correa, se as armas suecas foram de fato vendidas pela Venezuela. O que, sim, sabemos é que as Farc viraram um problema grave não somente para a Colômbia, mas também para a Venezuela e o Equador - afirmou o professor.
Pouco antes de o governo Uribe denunciar a presença de armas venezuelanas em acampamentos das Farc, o presidente venezuelano acusou o governo americano de pretender ter uma plataforma para atacar o seu país no território colombiano.
- O presidente ianque (Barack Obama) está transformando a Colômbia numa plataforma para agredir povos irmãos - declarou Chávez.
À noite, Chávez repetiu a atitude que teve após o ataque colombiano a Reyes e retirou seu embaixador:
- Ordenei a retirada de nosso embaixador em Bogotá, para retirar nosso pessoal diplomático. Congelaremos as relações com a Colômbia.

Governo da Suécia pede explicações
O clima, que já não era dos melhores, ficou ainda mais complicado quando o próprio presidente colombiano informou sobre a descoberta de armas sofisticadas (armas antitanque AT4) compradas pela Venezuela na década de 1980, em poder das Farc. A operação de venda para o governo venezuelano foi confirmada pelo fabricante sueco, a Saab Bofors Dynamics, e autoridades da Suécia exigiram uma explicação ao governo venezuelano.
- Estamos trabalhando junto com autoridades da Colômbia para investigar a questão, e entramos em contato com autoridades venezuelanas para esclarecer como estas armas terminaram na Colômbia - disse a ministra do Comércio sueca, Ewa Bjorling.
Após denunciar uma "campanha suja" contra seu governo, o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, afirmou que seu país responderá "no momento oportuno" ao pedido de explicações da Suécia.

terça-feira, 28 de julho de 2009

De Tancredo a Sarney, aprendemos muito

O Globo 28/07/09

Arnaldo Jabor

A verdade do país aparece sob a lama

O Brasil mudou dentro de nós — muito.
Não falo só da História recente. Falo de nossa vida interior desde 1964 até hoje. Falo de bobagens, detritos, coloquialismos, escândalos que criaram uma mutação silenciosa em nossas cabeças.
Antes de 64, o ritmo das coisas tinha a linearidade de um filme acadêmico. Para nós, jovens de esquerda, o país era ameaçado por uma sinistra “direita” — causa de todos os dramas.
Não sabíamos que éramos parte do problema.
Falávamos em “luta de classes”, mas não conhecíamos a violência da “reação”.
Dizíamos: “Nosso exército é democrático porque é de classe média, e a burguesia nacional é progressista. Não trairão Jango”. Nosso raciocínio era uma equação primitiva.
Nada descreve o choque da aparição de Castello Branco na capa da “Manchete”. Nunca ouvíramos falar daquele homenzinho fardado, feio como um ET. Rompeu-se em 64 o sonho de que as “ideias” mudariam o mundo. Dissolveuse o “futuro harmônico” de um socialismo imaginário.
Um general baixinho mandava em todos, acima das “sagradas massas”.
Aprendizado: a ignorância popular, a dureza das coisas, o acaso eram mais fortes que nossos ingênuos desejos. Fizemos, claro, um diagnostico “histórico”: “64 foi um golpe dado pelo conservadorismo das elites diante das massas surgidas na industrialização, com o apoio do imperialismo”. Tudo bem — mas foi muito mais que isso. Foi um golpe dado pela classe média apavorada, com medo de sua própria “esquerda”. Não havia “operários” no Brasil, antes de surgir a alegoria de Lula, para orgasmo dos intelectuais da Academia. Em 64, descobrimos que não havia “massas proletárias”.
Achávamos que íamos lutar contra fascistas e yankees e fomos vencidos por nossas tias. A adesão à 64 foi impressionante.
Nossos pais, primos, avós, todo mundo (descobrimos) era “de direita”. A derrota do janguismo foi coberta de ridículo. Houve um lado “bom” nisso: o pensamento político que flutuava em certezas teve que se rever. Perdêramos a inocência — surgiu a esquerda autocrítica que viria a fundar o PSDB, duas décadas depois. A ela se opôs, desde então, a esquerda ortodoxa (apoiada pela igreja idealista e acadêmicos metafísicos), que não renegou a antiga fé e desembarcou seus dogmas no PT.
Em 66, começaram as passeatas pela liberdade.
Antes do Ato no5 havia algum espaço de protestos, com uma vaga permissão de Castello e até do Costa e Silva, num populismo verde-oliva. Achávamos que a volta da liberdade resolveria tudo. A luta pela democracia nos cegou para o quebra-cabeças de um país maluco, que conheceríamos depois.
As manifestações de rua acabaram com a decretação do Ato Institucional no5, como um final de piada, com dona Iolanda Costa e Silva, nossa perua-Lady Macbeth berrando para o marido já lelé: “Fecha o Congresso, Arthur, fecha!”.
Em 68, um raio partiu a vida. A consciência nacional conheceu a morte. Não falo só da tortura ou da violência, mas da morte na alma.
Acabou a idéia de “povo unido”, e começou a época dos francos atiradores, dos guerrilheiros suicidas, soltos em paisagens vazias.
Quem não viveu de 69 a 73 não sabe o que é loucura, piração de cabeças. Saímos da ilusão para o desespero. De um lado, a morte heroica na guerrilha, do outro o “desbunde” na cultura arrasando as melhores mentes no LSD e no misticismo — e tudo cercado pela show da grana multinacional, criando o “milagre” brasileiro, jorrando yuppies endinheirados e dando ao povão a imagem de grande progresso, feito de Transamazônica, Itaipu e porrada.
Nem reforma agrária nem educação — somente a Copa de 70 e estatismo retumbante, financiado pela onda bancária internacional.
Em 72 começa a crise do petróleo mundial, provocando a tal “abertura” política de Geisel (não por acaso). A Opep ajudou na demanda de liberdade pois, sem petrodólares, a ditadura foi ruindo. À medida que a capacidade de endividamento diminuía, crescia o desejo de democracia. Quem ditava as regras? Os militares? Não: a marcha das coisas. Fomos aprisionados em 64 para contrair a imensa dívida externa que os bancos internacionais nos enfiaram pela goela e “libertados” em 85 para pagá-la. Assim, veio a democracia.
Todos se “uniram” no “amor à Pátria”, de Ulisses a Quércia, de Tancredo a João Alves, aquele anão do orçamento (lembram?). Houve a ingênua ilusão de que éramos “irmãos” contra o Mal autoritário dos militares. Tancredo morre na porta do Planalto, Sarney assume, e, depois, Collor.
Collor fez uma revolução contra si mesmo, expondo com seu narcisismo suicida o absurdo do sistema político sob as saias da “democracia”.
Sua loucura escancarada nos abriu os olhos.
Depois, por acaso, por uma paixão de Itamar, entrou FHC, que nos deu oito anos de vida real e racionalidade, odiado pela inveja de seus colegas da Academia e sabotado pela velha esquerda lotada no PT.
Depois dos oito anos tucanos, chegou Lula paz e amor, dominado pelos bolchevistas de Dirceu, até chegar o “libertador” Jefferson, o iluminista do “mensalão”, destruindo a “revolução da corrupção”.
Hoje, estamos aprendendo muito, e vejo, com um “desesperado otimismo”, a “sarneização” de Lula. O tsunami de políticos nordestinos em quadrilha tem nos ensinado muito sob a oligarquia patrimonialista que nos domina.
Sarney é um doutorado. Quem quiser entender esse homem vá ao Maranhão ver a miséria de um estado. E quem quiser entender o Brasil estude minuciosamente a vida de Sarney, de 66 até hoje. Explica o país.
A verdade do Brasil é coloquial, feita de pequenos ladrões, sujas alianças políticas, corrupção endêmica e incompetência administrativa.
Já sabemos que somos parte desta estupidez secular.
Prefiro nossa vergonha de hoje aos rostos iluminados dos jovens inocentes de minha geração.
Assumir a doença é o início da sabedoria.

O crime agora é vigiado das alturas

Jornal do Brasil 28/07/09

Veículo Aéreo Não Tripulado vai monitorar fronteira e Amazônia com imagens em tempo real
Vasconcelo Quadros

A nova arma da Polícia Federal para vigiar e combater o crime na região de fronteira é imperceptível a olho nu, voa com uma autonomia de 37 horas, a uma distância de 10 quilômetros da terra – altura de cruzeiro – e pode acompanhar o alvo em tempo real, ao vivo e a cores. Um voo experimental do primeiro Veículo Aéreo Não Tripulado (Vant) foi mostrado ontem ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e ao diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, na primeira base de operações do projeto, em São Miguel do Iguaçú, no Paraná.
O novo avião, de tecnologia militar israelense e com uma envergadura de 10 metros, munido de radares com câmeras fotográficas e de vídeo de alta precisão – que podem ser utilizadas a qualquer hora do dia – pode voar por uma extensão de mil quilômetros ininterruptos, transmitindo imagens nítidas de alvos em movimento, captados via satélite na Terra. Durante o vôo de ontem as autoridades puderam acompanhar, numa base improvisada em São Miguel do Iguaçu, as imagens transmitidas pela aeronave. O governo vai gastar R$ 114 milhões para implantar a primeira fase do projeto, que terá 14 aeronaves e priorizará a região da fronteira do Brasil com Paraguai e Argentina.
Até o fim do ano serão instaladas quatro bases, uma delas em Brasília, que abrigará também um centro de treinamento para operadores do sistema. As outras três estarão funcionando a pleno vapor até março do ano que vem em Manaus, Porto Velho e Foz do Iguaçu. Mas a Polícia Federal vai estender a vigilância aérea a todo o território nacional.
– O Ministério da Justiça tem recursos e vontade política para a implantação do Vant – garantiu Tarso Genro, ao conhecer e se encantar com o projeto. Segundo o ministro, os recursos para a primeira fase já estão assegurados no orçamento do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), a vitrine do Ministério da Justiça para o setor.
O delegado Luiz Fernando Corrêa explicou que a tríplice fronteira foi escolhida como piloto por seu simbolismo estratégico como porta de entrada do contrabando e tráfico de drogas e armas. A PF é a primeira polícia do mundo a utilizar aviões não tripulados e se antecipa até mesmo às Forças Armadas, que também querem a tecnologia, mas por enquanto estão avaliando as propostas. Seu foco é a segurança nacional. Já a PF visa inicialmente o crime organizado e a cooperação internacional. Seu alvo inicial será o monitoramento de movimento estranhos na região de fronteira e, especialmente, na Amazônia. A PF faz testes há 12 dias e já se certificou da eficácia do sistema. É possível, por exemplo, fazer o acompanhamento completo do trajeto de um veículo ou pessoas que cruzem a fronteira.
A PF usará a ferramenta também para auxiliar nas operações em conjunto com os países vizinhos, como o Paraguai, Colômbia, Bolívia e Peru. Até agora apenas o Paraguai tem convênio com a polícia brasileira.
Embora o projeto comece pela tríplice fronteira e seu destino inicial seja o combate ao contrabando, tráfico de drogas e armas ou crimes ambientais, nada impede que os equipamentos sejam usados para rastrear também outros alvos da Polícia Federal ou de órgãos de segurança e informação internacionais com os quais há tratados de cooperação.
A tríplice fronteira é uma área de permanente suspeita internacional por conta do avanço do terrorismo no mundo. As agências de países como os Estados Unidos e Israel – os maiores alvos desses grupos – mandam seguidos informes sobre a movimentação de terroristas ou de transações financeiras entre as organizações e pedem a colaboração brasileira para localizá-los. Até hoje não há casos comprovados.

Farc têm armas da Venezuela, diz Bogotá

O Estado de São Paulo 28/07/09

Colômbia e Suécia cobram explicação sobre armamento militar sueco comprado por Chávez e encontrado em acampamento da guerrilha
AFP, REUTERS E AP

Os governos da Colômbia e da Suécia estão pedindo ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que explique como um lote de armas suecas vendido a Caracas foi parar nas mãos de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
O lote - composto por lança-foguetes AT-4 e armas antitanque - foi apreendido pelo Exército colombiano num acampamento das Farc em julho do ano passado.
"Encontramos munição e equipamentos potentes e armas antitanque que um país europeu vendeu à Venezuela e apareceu nas mãos das Farc", disse o vice-presidente colombiano, Francisco Santos.
Em Estocolmo, o conselheiro político do Ministério do Comércio da Suécia, Jens Eriksson, disse que seu governo pediu "que responsáveis pelo governo da Venezuela deem explicações sobre como esse equipamento militar foi encontrado na Colômbia".
Chávez e o presidente do Equador, Rafael Correa, são acusados de colaborar com a guerrilha esquerdista que há mais de 40 anos enfrenta o governo colombiano.
Ontem, em resposta à denúncia colombiana, o chanceler venezuelano, Nicolas Maduro, acusou Bogotá de fazer uma "campanha brutal" com o objetivo de "justificar a presença de bases militares americanas em território colombiano".
O argumento de Maduro repete acusação semelhante feita por Chávez na semana passada. Na ocasião, o presidente venezuelano disse que a Colômbia estaria abrindo as portas "ao inimigo" ao discutir com Washington a assinatura de um acordo que permite ao Exército americano usar três bases em solo colombiano. Bogotá justifica o acordo dizendo que os EUA auxiliarão apenas no combate ao narcotráfico.
No domingo, a revista colombiana Semana disse que há dois meses Bogotá vem cobrando explicações de Caracas sobre o controle do comércio de armas. A fabricante, Saab, disse ter exigido, no momento da venda, a garantia de que a Venezuela seria o destino final das armas, mas "às vezes, elas (as armas) terminam onde não deveriam estar".

Suécia cobra Chávez por armas achadas com as Farc

Folha de São Paulo 28/07/09

Vendidos à Venezuela, lança-foguetes suecos estavam em poder da guerrilha
Apreensão foi divulgada por Bogotá; para o governo venezuelano, acusação é "show" para justificar as bases dos EUA na Colômbia

Armas de fabricação sueca vendidas nos anos 80 à Venezuela foram encontradas em poder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), afirmou ontem o governo da Suécia, que questionou o governo Hugo Chávez a respeito.
O pedido de explicações, apresentado em Estocolmo pelo conselheiro político do Ministério do Comércio da Suécia, Jens Eriksson, reforça as acusações feitas pelas autoridades colombianas à Venezuela no fim de semana e ontem.
O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, disse que a acusação é um "show midiático" para justificar o aumento da presença militar dos EUA na Colômbia. Os países negociam ampliar o uso pelos americanos de ao menos três bases colombianas, o que Chávez considera uma ameaça.
O vice-presidente da Colômbia, Francisco Santos, mencionou ontem a apreensão de um "potente arsenal" com a guerrilha, parte dele vindo da Venezuela. Santos pediu "vigilância externa" sobre a questão.
Anteontem, o presidente colombiano, Álvaro Uribe, disse ter reclamado "nos canais diplomáticos apropriados" sobre as armas das Farc. Ele afirmou que a guerrilha marxista, que se financia com o narcotráfico, estuda comprar mísseis terra-ar.

Volta da tensão
As acusações de Uribe coincidiram com a publicação de reportagem sobre o tema pela revista colombiana "Semana", que citou fontes anônimas do governo. Antes, a revista britânica especializada em defesa "Jane"s Intelligence Weekly" havia reportado o mesmo.
Segundo as revistas, foram apreendidos com as Farc lança-foguetes AT-4, espécie de bazuca de manuseio tido como fácil, de pouca precisão, fabricados pela sueca Saab Bofors Dynamics. Ontem a empresa "lamentou" o achado com as Farc, consideradas terroristas por EUA e União Europeia.
Vender armas ou repassá-las a grupos terroristas viola leis internacionais desse comércio.
O chefe da agência sueca que supervisiona exportações de armas, Jan-Erik Lovgren, afirmou a uma emissora de rádio que os artefatos foram vendidos à Venezuela nos anos 80.
A "Semana" diz que os AT-4 foram encontrados com as Farc em julho e outubro de 2008. O dado foi entregue à Suécia, que confirmou, com base nos números de série, a origem deles.
O governo Uribe, segundo a revista, questionou a Venezuela sobre o episódio em junho, mas não teria obtido resposta.
A decisão de Bogotá de abordar publicamente o tema dá fôlego à tensão diplomática bilateral, reacesa recentemente em decorrência do acordo militar em negociação entre Estados Unidos e Colômbia.
Ambos os episódios são um revés na reaproximação entre Uribe e Chávez iniciada pouco após o bombardeio colombiano a uma base das Farc no Equador, em março de 2008.
À época, a Colômbia ameaçou processar a Venezuela e o Equador por seus supostos elos com as Farc, com base em dados achados em laptops da guerrilha. Com a reaproximação, o tema arrefecera.

Colesterol sob controle

Estado de Minas 28/07/09

A simples elevação do colesterol, independentemente de outros fatores, significa, no mínimo, risco 30% mais alto de morte por infarto
Raul Dias dos Santos
Diretor científico do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)

As doenças cardiovasculares, infartos e derrames cerebrais são responsáveis por cerca de um terço das mortes nos adultos brasileiros de ambos os sexos. Em 95% dos casos, esses são decorrentes da obstrução da passagem de sangue para o coração e para o cérebro por placas de gorduras, o que denominamos de aterosclerose. A aterosclerose é velha conhecida dos médicos e, em mais de 80% dos casos, é causada por pressão alta, diabetes, tabagismo, obesidade abdominal (barriga de chope), sedentarismo e colesterol elevado no sangue. Dados recentemente publicados na revista The Lancet, de estudos que avaliaram mais de 900 mil indivíduos, mostram claramente a relação entre a elevação do colesterol do sangue com o risco de morte por infarto do miocárdio. A elevação de apenas 40mg/dl no colesterol do sangue de um indivíduo para outro nas faixas etárias dos 40-50 anos, dos 50-59 anos e dos 60-69 anos significa um risco aumentado de morte por doença isquêmica do coração (a consequência do infarto) de respectivamente 56%, 42% e 28%. Ou seja, uma simples elevação do colesterol, independentemente da presença dos outros fatores de risco, que, aliás, podem piorar a coisa, significa, no mínimo, um risco 30% mais alto de morte por infarto. A boa notícia é que um estudo realizado por pesquisadores internacionais e publicado em junho na revista British Medical Journal, com mais de 70 mil indivíduos (1/3 mulheres), mostra que reduções moderadas do colesterol (em média 30%), em pessoas sem história prévia de doença cardiovascular, reduz o risco de infarto em 30%, o risco de derrames em 29% e a mortalidade em 12%! Esse estudo confirmou os benefícios da redução do colesterol em indivíduos que já haviam sofrido previamente um problema cardiovascular. O benefício será tanto maior quanto maior for o risco, ou seja, colesterol alto associado à pressão alta, diabetes, tabagismo ou naqueles indivíduos que já sofreram infartos ou derrames, e quanto maior for o tempo de tratamento (pelo menos quatro anos). Um dos grandes problemas para implementação do controle do colesterol no Brasil e em outros países do mundo é que colesterol alto não dói! Oras, se não dói, se a gente não vai atrás para saber se ele está elevado, não vai encontrar o problema. Dessa forma, é necessário medir o colesterol pelo menos a cada cinco anos para saber se ele está alto. Uma vez elevado, é necessário controlá-lo com alimentação saudável ou medicação (estatinas) conforme a necessidade e o risco de problemas do coração. Uma pergunta interessante, já que há tanto benefício da redução do colesterol: como anda o controle do colesterol no Brasil e no mundo? Não muito bem infelizmente. Em estudo recente, que coordenei com quase 10 mil pessoas de nove países, publicado na mais importante revista de cardiologia do mundo, a americana Circulation, apenas 30% dos pacientes de altíssimo risco para doença cardiovascular estava com o colesterol controlado! Ou seja, 70% persistiam com o colesterol alto mesmo em uso de medicações. Como estava o Brasil nessa classificação? Dos nove países avaliados, controlamos o colesterol melhor apenas do que a França e a Espanha e perdemos para os EUA, Holanda, México, Taiwan, Coreia e Canadá. Como melhorar? Uma coisa seria termos remédios para colesterol na rede pública para beneficiarmos as pessoas menos privilegiadas – felizmente isso já ocorre e estamos melhorando: há anos o governo federal, o governo do estado de São Paulo e muitas prefeituras no Brasil disponibilizam medicamentos como a sinvastatina e a atorvastatina gratuitamente para os brasileiros. Mas só isso não adianta, é necessário ter conscientização sobre o problema para detecção do colesterol elevado rotineiramente e adesão ao tratamento. O tempo médio de uso de estatinas no Brasil é de apenas dois meses quando o tratamento deveria ser contínuo para o resto da vida! Temos que melhorar a educação sobre o problema. Reduzir o colesterol é como previdência privada: investimento aos poucos e em longo prazo com benefício lá na frente após muitos anos! O dia do colesterol serve para lembrar os brasileiros desse problema. Derrubem o colesterol e viva a saúde!

sábado, 25 de julho de 2009

Moralidade, Hitler e paisagens

Folha de São Paulo 25/07/09
CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Há momentos em que gostaria de ser de fato amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como ele me classificou em entrevista à revista "Piauí". Não, presidente, não é para pedir emprego que estou velho demais para mudar de lado no balcão da vida.
É que amigo, ao menos do meu ponto de vista, é quem diz as verdades, as agradáveis e as desagradáveis. Desconfio que, no entorno de Lula, ou falta coragem para dizer verdades desagradáveis ou o presidente não as ouve. Só assim se explica a catarata de bobagens em que se especializou.
A mais recente delas é esta: "Uma coisa é você matar, outra coisa é você roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby". Pior: dito assim como se fosse a mais fantástica descoberta da mente humana desde que Moisés exibiu as tábuas da lei.
Perdão, presidente, mas é ridículo, muito ridículo. Até minha netinha Alice, de quatro meses, é capaz de produzir uma frase com obviedades menos galopantes.
Está na hora de Lula entender que está saindo do palanque para entrar na história. Por enquanto, a catarata de bobagens passa incólume porque a popularidade continua elevada e a maior parte dos que conferem a Lula os índices de aprovação conhecidos não liga a mínima para frases tolas.
Mas os livros de história podem não ser tão condescendentes. Aliás, nem todos os que gostam do governo Lula o são, a julgar pelo que escreve Raphael Portella, professor aposentado de universidades públicas: "No geral, aprecio o governo Lula, mas no aspecto moral, de defesa da honestidade, dos princípios republicanos, fico do outro lado".
Acrescenta uma frase mortal: "A biografia de Hitler não é melhor porque ele pintava paisagens". Cuidado, pois, amigo Lula, com as paisagens que pinta.

Socorro!

Eliane Catanhede 22/07/2009

O maior número de mortes (46%) de adolescentes no Brasil é por... homicídio! Bem mais do que por causas naturais (25%) e por acidentes (23%). E dois a cada mil brasileiros deverão morrer antes dos... 19 anos!
É assustador, o que nos faz automaticamente refletir: por que a gente gasta tanto papel, tanta tinta, tanto espaço e tantos neurônios para escrever sobre a avalanche de desmandos do Senado, dos Sarney, dos Jader, dos Renan, dos ACM, dos mensaleiros, dos aloprados, em vez de escrever sobre a barbaridade dos assassinatos dos nossos jovens?
A resposta é simples: porque há uma relação profunda de causa e efeito entre as duas coisas, entre corrupção e violência na sociedade. Qualquer estudo mostra isso: quanto mais transparente e honesto o país, melhor distribuição de renda e menor violência; quanto mais corrupto, pior distribuição de renda e maior violência. Ainda mais num país onde as armas de fogo circulam como balinhas de hortelã por toda a parte.
Descrever as minúcias do empreguismo, dos salários desproporcionais, dos atos secretos, dos desvios dos três Poderes e dos nossos governantes cumpre, assim, vários papéis que, somados, desaguam num só: a tentativa de construir um país mais transparente e honesto, mais justo e com maior segurança.
Primeiro, as pessoas se informam e se indignam. Depois, a tendência é que todos ponham as barbas de molho e velhas práticas sejam trocadas por novas e limpas. E, enfim, com menos dinheiro público desviado para poucos, sobra mais para a maioria. Além de aumentar a confiança internacional e, com ela, os investimentos. Isso é desenvolvimento. Desenvolvimento também pode ser sinônimo de paz.
PS - O estudo sobre a mortalidade dos jovens é do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, com Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, a ONG Observatório de Favelas e o Unicef (braço da ONU para a infância).
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/elianecantanhede/ult681u598892.shtml

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Anormal profundo

O Globo 24/07/09

Míriam Leitão

Parece pequeno. Afinal, o que é um emprego no meio de tanto desvio? O que é mais um ato secreto no meio de tantos baixados por tanto tempo? O que é mais uma ajuda de Agaciel Maia, que ajudou tanto os senadores que o nomearam e o mantiveram na Casa? O que é uma filha pedindo um favor a seu pai, que transfere o pedido para o avô da jovem, que quer apenas um emprego para o namorado?
Tudo parece normal e pequeno, e é um exemplo exato do velho vício brasileiro que tem piorado nos últimos tempos. Maria Beatriz Sarney acha normal dizer: “Pai, meu irmão saiu do Senado, dá para o Henrique (namorado dela) entrar no lugar dele?” A pergunta revela que uma jovem chamada Beatriz, da elite brasileira, acha que o país tem que dar um emprego público a seu namorado, sem concurso, através do tráfico de influências.
A tragédia brasileira poderia terminar aí, se o pai, Fernando Sarney, dissesse: — Não, minha filha, o que é isso? Cargo público se consegue por concurso, por mérito.
Mas Fernando não surpreende.
Nem a filha, nem o país. “Podemos trabalhar isso sim”, diz ele. E mais adiante: “Vou falar com Agaciel.” Agaciel é o mesmo dos escândalos passados. É o mesmo que foi posto no cargo por José Sarney. Este também não surpreende: “Já falei com Agaciel, pede o Bernardo para falar com ele.” Bernardo é o rapaz que está saindo do cargo. Irmão de Beatriz, neta de José Sarney, que nomeou Agaciel.
Filha e pai têm conversas no dia seguinte. Seria bom, se a jovem dissesse: — Pai, pensei esta noite, que absurdo eu pedi ontem! É uso da máquina pública como se ela pertencesse à nossa família.
Se ela tivesse dito isso, havia esperança de que uma nova geração da mesma família tivesse valores novos.
Infelizmente, ela insiste, acha normal que se o irmão saiu da vaga, que ela seja dada ao seu namorado. Vai ao avô com o pedido. Ele poderia ter dito, para melhorar sua biografia: — O que é isso, minha neta? Isso não se faz! Mas ele reclama que ela demorou a tratar do assunto.
Falasse antes para “eu agilizar”.
Os telefonemas e transações continuam. Fernando Sarney liga para o ajudante de ordens do pai para explicar a questão e diz uma frase emblemática: “O irmão está saindo, é uma vaga que podia ser nossa.” O país ficou sabendo assim que existem vagas “deles”, capitanias, que vão do irmão da Beatriz para o namorado da Beatriz.
Em outro diálogo, o outro filho de Fernando Sarney, João Fernando, mostra como eles ocupam essa capitania.
Ele trabalha em outra vaga familiar, no gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), amigo de José Sarney. João Fernando se diverte. Conta ao pai um fato inusitado. O senador, seu chefe, o chamou.
“Eu pensei que era coisa séria.” E era para vê-lo porque ele nunca vai lá. Todos acham normal. Pai, filho, senador Cafeteira, que um jovem se abolete num cargo público e não compareça ao local de trabalho.
“Chamei para te ver”, disse o senador Cafeteira.
Voltando ao caso de Henrique, o que precisava ocupar o cargo do irmão da namorada, neta de José Sarney.
O ajudante de ordens diz que o senador Sarney falará com Agaciel Maia, o diretor do Senado. Fernando, então, fala com o pai.
José Sarney reclama de novo dos prazos: “Mas ele (Bernardo, irmão da Beatriz) entrou logo com um pedido de demissão...” O que o avô não gostou é dessa pressa de sair antes que o cargo ficasse garantido com a família. E promete falar com Agaciel. Fernando, seu filho, responde: “É só isso aí, é isso que eu queria. Que tu desse uma palavrinha com ele (Agaciel).
Se tu der, resolve.” E resolveu. O cargo foi dado ao namorado da Beatriz, em ato secreto.
Nesses diálogos obtidos pelo “Estado de S. Paulo” está desnuda uma faceta da política brasileira. Um velho vício do Brasil, agravado: a família em questão é rica, muito rica. O avô, patriarca do clã, está inclusive esfriando a cabeça numa ilha particular. Poderia pendurar quem quisesse nos muitos negócios da família: Henrique, Bernardo, Beatriz, João Fernando. Aliás, os prósperos negócios familiares estão nas mãos do pai de Beatriz, sogro de Henrique. Por que não ocorre a ninguém isso? Ainda haveria uma esperança, se após o diálogo divulgado, o presidente do Senado repetisse a frase que disse diante de Tancredo morto: “Serei maior que eu mesmo.” E encerrasse toda aquela conversa de mais uma vez tratar os bens públicos como parte de suas muitas propriedades.
Fosse maior do que tem sido, por décadas.
Mas não há esperança. Os diálogos eram aqueles mesmos.
Lá da sua ilha, o patriarca desculpa a todos: “Foram conversas de pai e filho.” São sempre assim então as conversas de pai e filho? O senador sem voto Wellington Salgado (PMDBMG), conhecido por abonar qualquer mau comportamento, diz que é tudo normal.
É político ocupando “espaço disponível”. Espaço para ele não é no sentido figurado, é físico mesmo: é emprego para a parentela. O advogado da família diz que o crime é divulgar a conversa.
“É diálogo de natureza política”, entende o ministro da Justiça, Tarso Genro.
Tudo parece normal. E é um instantâneo do anormal profundo com o qual o país tem convivido.
COM ALVARO GRIBEL

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Fernando Sarney tinha informantes na Abin

O Globo 23/07/09

SÃO LUÍS - Interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal, com autorização judicial, mostram que o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), mantinha uma rede de informantes que lhe garantiram saber da movimentação da polícia na quebra de seu sigilo bancário, entre outras coisas. Um telefonema ocorrido no dia 17 de abril do ano passado, às 12h16m, entre Fernando e o pai, evidencia que o próprio senador buscava notícias sobre as investigações envolvendo seu filho. Também queria saber sobre o juiz que cuidava do processo.
Uma das fontes do grupo, como deixa transparecer a gravação, seria a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Outra seria alguém do Banco da Amazônia. Em 2008, quando os diálogos foram captados, o atual vice-governador do Maranhão, João Alberto de Souza, era diretor do banco. Fernando pergunta ao pai se tinha novidade "sobre aquele meu negócio", ao que o senador responde que, até aquele momento, "não me deram nada". Mas Fernando diz que já obtivera notícias:
Fernando Sarney: - Olha aqui, e aquele meu negócio? Alguma novidade?
José Sarney: - Não, até agora ainda não me deram nada.
Fernando: - Muito bem, mas eu aqui já tive notícia do Banco do Amazonas.
Sarney: - Da Abin?
Fernando: - Também.
Sarney: - Tá bom.
O filho do senador, então, diz ao pai que o banco já havia sido notificado pelo juiz da 1ª Vara Federal de São Luís, Neiam Milhomem Cruz. O processo corria em segredo de Justiça.
Fernando: - Formal, semana passada chegou. É um sinal de que estão mexendo, mas o daqui eu sei a origem.
Sarney: - Do Banco Central?
Fernando: - Não, daqui é o juiz da 1ª Vara.
O senador orienta o filho a mandar ver o processo e Fernando responde que já providenciou isso. E diz ao pai que obteve a informação sobre a quebra de seu sigilo bancário "em off", isto é, alguém lhe disse em segredo.
Fernando: - Isto é em off, né. Mas eu mandei ver agora o documento normal para que eu possa ver na internet do que se trata.
E reafirma:
- Foi em off, foi hoje de manhã que chegou a informação e eu estou concluindo ela.
Sarney: Mas o menino me disse ontem ...
No decorrer da Operação Boi Barrica, que investiga suposta arrecadação ilegal para a campanha de Roseana Sarney (PMDB) ao governo do Maranhão, em 2006, e que acabou descobrindo um eventual esquema de lavagem de dinheiro e tráfico de influência, a PF identificou que um agente da instituição, Aluizio Guimarães Mendes Filho, repassava informações privilegiadas ao grupo.
Aluizio trabalhava como segurança de Sarney e reaparece nas conversas em que Fernando pede ao pai para ajudar na nomeação do namorado da filha. Atualmente, é chefe do Serviço de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do governo de Roseana. A assessoria de Sarney informou que ele estava incomunicável.
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/07/23/fernando-sarney-tinha-informantes-na-abin-756937812.asp

Criadores e criaturas

Isaac Sandes

Quem criou quem? Deus ao homem ou o homem a Deus?O recente e triste episódio da morte de Michael Jackson nos joga na cara a enigmática e, até considerada, herética pergunta.Lá atrás, em uma quadra perdida de sua existência, quando se tornou consciente de sua finitude, o homem passou a criar deuses. Quer seja Tupã, Javé ou Maomé.E, nessa sua saga sobre a face de planeta, nunca deixou de viver sem um deus para dividir com ele o carregar do pesado fardo que consiste na consciência de si mesmo, na ciência da própria morte e na brevidade de sua vida.Assim, para cada fato ou evento em que não encontrasse explicação adequada à sua pobre lógica, ele ia criando um deus ou um ídolo como espécie de conforto e projeção de si mesmo, bastando para isso apenas um agente catalisador do processo, encontrado na figura de um líder tribal ou de alguém interessado na detenção de parcela de poder.Tal não tem sido diferente com os ídolos populares. A mídia, com seus poderosos instrumentos, se encarrega de criar astros e nós, por nosso lado, nos encarregamos de chancelar a criação de um deus.É de se obeservar que, quando de épocas em que não existia o poder avassalador da mídia , também não existiam os deuses e ídolos advindos do mundo artístico e esportivo.A genialidade de Mozart, de Bach, Leonardo da Vinci, de Michelangelo e tantos outros, passou por aqueles que viveram sua época, sem qualquer endeusamento ou idolatria. Ao contrário, alguns deles morreram no mais completo ostracismo e mesmo miséria financeira.Por quê? Porque naqueles tempos não existindo a poderosa mídia essa tarefa estava afeta apenas a um setor que dominava a cena política e social. A então poderosa igreja. Era ela quem criava os ídolos e deuses de então. Levando a humanidade a uma catarse que ia das peregrinações a Jerusalém até as santas cruzadas.Hoje, mudado apenas o centro do poder criador, temos, da mesma forma, legiões que se deslocam até Graceland e certamente se deslocarão em adoração até Neverland.Interessante e paradoxal é que, para criarmos nossos deuses, temos que primeiro matar um homem, a exemplo do pobre Michael. Dando-se, em tese, o contrário com a suposta criação do homem que, para existir tem apenas que nascer. Ou será que, do outro lado, algum deus teve que morrer para que um homem nascesse ? Fato é que, com isto, está respondida a segunda parte de nossa pergunta, sem dúvida, o homem cria deuses. Agora, se deus cria homens, essa é uma pergunta que só poderia ser definitivamente respondida por quem acabou de ultrapassar os portais das conhecidas dimensões, ou seja, o nosso querido e recém criado Michael.

Blog de George Sarmento http://blogdogeorgesarmento.blogspot.com/2009/06/criadores-e-criaturas.html

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Escuta da Abin a Sarney reforça criação de controle externo

Mega Debate 22/07/09

BRASÍLIA - A suspeita de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vazou informações sobre uma investigação sigilosa para a família Sarney deve reforçar as propostas da criação de um controle externo das atividades de inteligência do Executivo. Uma proposta nesse sentido deverá integrar o chamado pacto republicano, um conjunto de projetos discutidos entre Executivo, Legislativo e Judiciário que deve ser encaminhado ao Congresso no início de março. No Senado, já tramita um projeto sobre o assunto, mas o texto está longe de ser aprovado.Suspeita é que a família Sarney recebia informações sigilosas da agência sobre apuração de irregularidades.O autor, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), afirma que a participação de agentes da Abin na produção de dossiês ilegais e no vazamento de informações para políticos é comum e precisa ser coibido. "O que tem acontecido hoje é vermos agentes desviados e fazendo dossiês indevidamente. O que devemos fazer é manter o serviço secreto, mas dar a ela uma tonalidade profissional", afirmou. "Isso mostra a necessidade de profissionalização da Abin e o controle externo das atividades de inteligência" acrescentou, sem querer comentar o caso Sarney.O projeto de autoria de Torres prevê a criação de uma comissão externa para fazer o controle das atividades da Abin. Os membros dessa comissão acompanhariam o trabalho de agentes e o relatariam a um grupo restrito de senadores, obrigados a manter o sigilo das informações. Entre os sete membros que integrariam essa comissão, dois seriam indicados pelo presidente do Senado.A proposta de um controle maior das atividades de inteligência tem o apoio do presidente do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Antes mesmo de ter sido supostamente grampeado, Mendes criticava o vazamento de informações de investigações sigilosas. Além disso, o presidente do Supremo defendeu, nas discussões do pacto republicano, a atualização da lei de abuso de autoridade, que estipulará punições mais severas para responsáveis por grampos ilegais e por divulgação de conversas telefônicas interceptadas com autorização judicial.InvestigaçãoA eleição ainda recente de Sarney para a Presidência do Senado deixa adversários receosos de se manifestar sobre o caso. Além disso, a Casa ainda não tem um novo corregedor, encarregado de apurar internamente as denúncias que envolvem os parlamentares. Corregedor, por sinal, que será indicado nas próximas semanas pelo próprio Sarney.Na gravação feita pela PF com autorização judicial, em abril de 2008, Fernando Sarney pergunta ao pai, José Sarney, se há alguma novidade sobre o que seria um processo sigiloso protocolado na 1ª Vara da Justiça do Maranhão. Sarney responde: "Não, até agora não me deram nada." Fernando prossegue: "Muito bem, mas eu aqui já tive notícia, aqui do Banco da Amazônia." O senador pergunta: "É, né. Da Abin?" E o filho responde: "Também."O suposto vazamento dessas informações pela agência trataria de dados da Operação Boi Barrica, em que a PF investiga a possibilidade de uma empresa de Fernando Sarney estar envolvida com esquema de financiamento ilegal na campanha eleitoral de 2006.A suspeita foi suscitada pelas interceptações telefônicas e pelo comportamento dos investigados depois de informadas da existência de uma operação policial. De acordo com ofício encaminhado pela PF à 1ª Vara Criminal de São Luís, onde o caso é investigado, Fernando Sarney praticamente deixou de usar o celular e passou a lançar mão de "terminais acessórios, que poucas vezes haviam sido utilizados" depois de ser avisado da investigação. A Polícia Federal informou que não investigará se agentes da Abin passaram informações para Fernando.
http://www.megadebate.com.br/2009/07/escuta-da-abin-sarney-reforca-criacao.html

Ir além da segurança

Estado de Minas EDITORIAL - 22/07/09

Assassinato de jovens no país já é tragédia que exige forte reação

É muito grave o quadro desenhado por uma pesquisa sobre assassinatos de jovens no Brasil, a partir de dados de 2006, coletados em 267 cidades com mais de 100 mil habitantes. Mantidas as atuais condições de abandono e de falta de políticas públicas bem articuladas e persistentes de combate à violência e de oferecimento de alternativas para esse segmento da população, o país vai continuar produzindo a vergonhosa estatística de 13 mortes por dia. Trata-se, sem dúvida, de uma verdadeira carnificina patrocinada pela sociedade contra os adolescentes que ainda sobrevivem nos médios e grandes centros urbanos. A previsão indica que, até 2012, 33,4 mil jovens de 12 a 18 anos terão sido mortos pela violência dessas cidades, sendo que, apenas em Minas, essa macabra contagem pode chegar a 3,298 nos próximos sete anos. O estudo foi realizado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a ONG Observatório de Favelas. No ranking das cidades pesquisadas, Foz do Iguaçu (PR) é a campeã absoluta, com base no Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), que mede o número de mortes de jovens para cada mil habitantes no período. A média nacional é alta, 8,5. Mas aquela cidade da divisa com o Paraguai está muito acima, com 9,74. E o segundo lugar é a mineira Governador Valadares, com 8,74. Minas tem ainda três municípios entre os 20 mais violentos do país para jovens: Contagem, em 13º lugar; Ibirité, 17º; Betim, 19º; e Ribeirão das Neves, em 20º. Os três se localizam na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os pesquisadores constataram que a maioria das mortes são provocadas por disparos de armas de fogo e as principais causas estão associadas ao consumo de drogas, dívidas com traficantes, conflitos envolvendo meninas sexualmente exploradas e brigas de gangues em regiões mais violentas ou disputadas pelo tráfico. Na verdade, essa realidade, embora chocante, não deveria surpreender. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao se referir a esse levantamento, confessou ter seu governo fracassado na formulação e na execução de políticas públicas focadas no combate à violência que vitima de forma letal número tão expressivo de jovens. Mas é fundamental uma reação rápida que ofereça respostas à altura da gravidade da situação. Para começar, será engano resumir a questão ao âmbito policial e atribuir responsabilidade apenas às autoridades de segurança pública. Sem a compreensão de que é preciso oferecer, além da educação, oportunidade, espaço e equipamentos para o lazer, a prática de esportes e o treinamento profissional que justifique uma opção pelo bem, em contraposição à sedução do dinheiro fácil e do poder enganoso do crime. É hora de dar força a programas que vão além da segurança e que já demonstraram eficácia, a ponto de reduzir a criminalidade medida pela pesquisa em 2006, como o Fica Vivo, levados pelo governo do estado aos jovens de famílias fragilizadas pela pobreza e por décadas de abandono pelos governos e pela sociedade. É mais confortável apenas esperar que a polícia prenda os que se marginalizaram. Mas a realidade mostra é que nada vai melhorar sem o envolvimento de todas as pessoas que podem, por conhecimento, disponibilidade de tempo ou de recursos, oferecer alguma contribuição.

Segurança e participação

Estado de Minas 22/07/09

É hora de mudar o conceito de se fazer segurança pública. É preciso ouvir e dar voz a todos e formular uma política nacional

Tarso Genro - Ministro da Justiça
Regina Miki - Coordenadora-geral da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg)

Estamos próximos de concluir um dos momentos mais importantes na história da segurança pública brasileira: a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), que tem mobilizado o Brasil por meio de etapas municipais, estaduais e preparatórias. A participação ampla, geral e irrestrita é uma realidade em todas as regiões do país e, em agosto, 2.097 representantes da sociedade civil, trabalhadores da segurança pública e do poder público estarão reunidos em Brasília, para consolidar propostas de princípios e diretrizes destinadas à construção de um novo paradigma para o setor e uma política nacional de segurança pública. E Minas contribui para esse novo modelo de segurança pública. Comprometido com o combate à violência, Minas Gerais é o 18º estado brasileiro a sediar a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg). Essa etapa estadual, que começou ontem e termina amanhã, na capital mineira, elegerá 45 representantes da sociedade civil e 44 trabalhadores para participar da etapa nacional. Eles terão direito à voz e voto e poderão defender as especificidades do estado na construção de uma política nacional para o setor. Além disso, Minas indicará gestores públicos para a etapa nacional. O envolvimento dos estados, municípios e das comunidades nas discussões sobre segurança pública é uma importante conquista. As etapas municipais e as conferências livres, por exemplo, estão consolidando a vocação das cidades e das comunidades de propor e desenvolver estratégias preventivas que combinem a atuação de instituições policiais e ações sociais e urbanas, a partir de diagnósticos locais e em conjunto com a sociedade. Os dados são animadores, pois representam o engajamento de cidadãos de diversos grupos sociais em um debate inédito. Prova disso foram as conferências livres, realizadas na capital e em municípios como Betim , Santa Luzia, Ibirité, Ribeirão das Neves, Juiz de Fora, Uberlândia, Uberaba e Montes Claros, que reuniram mais de 1.500 pessoas. A efetiva participação da sociedade fortalece e legitima a ação desse processo, com resultados que surpreendem e vão além do programado. Há, também, grande preocupação com o pós-Conferência: é preciso garantir a manutenção e o fortalecimento dos fóruns de participação, por meio de conselhos atuantes, na esfera municipal, estadual ou nacional. Para compor um sistema de segurança completo e harmônico entre os poderes constituídos e a sociedade é imprescindível, também, rever a composição do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), órgão colegiado de cooperação técnica entre a União, os estados e o Distrito Federal no combate à criminalidade e à violência. O Conasp, subordinado ao Ministério da Justiça, ainda é um modelo que privilegia as tomadas de decisão verticalmente, pois é composto pela cúpula das polícias, sem interferência de representantes dos profissionais de segurança pública e da sociedade civil organizada. Conquista que ilustra bem a consolidação de resultados da 1ª Conseg até aqui é o diálogo que ocorre entre as forças policiais, gestores e sociedade civil, que tradicionalmente tinham dificuldade de relacionamento. Hoje, esses grupos buscam, em conjunto, soluções inovadoras para a segurança pública brasileira, como o que já foi proposto pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) e está desenhado institucionalmente no projeto da Conferência: o papel do cidadão precisa ser potencializado, principalmente em relação a projetos de natureza preventiva. Ou seja, é necessário combater o crime, a marginalidade, mas, sobretudo, desenvolver políticas para cortar as raízes alimentadoras do delito. Se o Brasil não tiver políticas de segurança pública que levem em conta ações sociais, corre o risco de caminhar, cada vez mais, para uma situação de barbárie crescente, pois as cidades serão apropriadas por aqueles que desejam substituir o Estado pelo crime organizado. Outra mudança de paradigma gerada pelo Pronasci é o policiamento comunitário, uma filosofia de segurança pública baseada na interação constante entre a corporação policial e a população. Esta é a hora de o Brasil mudar o conceito arcaico de se fazer segurança pública. E não se furtará a esse compromisso. Não basta promover a integração entre órgãos policiais, é preciso ouvir e dar voz a todos e formular uma política nacional de segurança pública, na qual o Estado democrático de direito seja respeitado, para que a garantia dos direitos individuais e coletivos não se transforme em letra morta na Constituição Federal.

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