O Globo 29/07/09
Intuição: arma de guerra
Benedict Carey
A cena não era muito incomum, pelo menos não em Mossul, no Iraque, numa manhã de verão: um carro parado na calçada, na contramão do trânsito, com as janelas totalmente fechadas. Dois garotinhos em idade pré-escolar olhavam pelo vidro traseiro, as faces bem juntas, como se compartilhassem um segredo. O soldado que patrulhava a rua parou. Devia estar muito quente lá dentro; do lado de fora estava 48 graus Celsius.
"Permissão para me aproximar, senhor, para dar a eles um pouco de água", pediu o soldado ao primeiro sargento Edward Tierney, que comandava os nove homens da patrulha naquela manhã. "Eu disse não. Não", contou o sargento Tierney em entrevista por telefone do Afeganistão, onde se encontra agora. Ele conta que foi compelido a se afastar da cena antes que soubesse por que: "Meu corpo subitamente ficou mais frio; sabe, aquela sensação de perigo iminente."
As Forças Armadas americanas já gastaram bilhões em tecnologias de interferência em sinais elétricos, capazes de detectar e destruir o que os militares chamam de artefatos explosivos improvisados - as bombas que se revelaram a maior ameaça no Iraque e no Afeganistão onde o sargento Tierney, atualmente, treina soldados para detectar ataques com explosivos.
Mas a tecnologia de ponta, embora ajude a reduzir baixas, continua sendo um complemento ao mais sensível sistema de detecção de todos: o cérebro humano. Tropas no terreno, usando apenas seus sentidos e experiência, são responsáveis por frustrar a maior parte dos ataques a bomba e, como o sargento Tierney mencionou, sempre citam um frio na barriga e o pressentimento como suas primeiras pistas.
Todo mundo tem pressentimentos - sobre as razões dos amigos, sobre o mercado de ações, sobre o jogo de pôquer. Mas as tropas americanas se encontram agora no centro de um grande esforço científico cujo objetivo é entender como, numa situação de vida ou morte, o cérebro de algumas pessoas pressente o perigo e as fazem agir bem antes de outras.
Experiência também conta, mas não só
A experiência conta, é claro: se você já viu algo antes, é mais provável que consiga antecipá-lo da próxima vez. Mesmo assim, pesquisas recentes sugerem que há algo mais em ação. Pequenas diferenças em como o cérebro processa imagens, como interpreta emoções e como administra as oscilações nos níveis dos hormônios ligados ao estresse ajudam a explicar por que algumas pessoas pressentem o perigo iminente antes da maioria.
Ao longo dos últimos dois anos, o pesquisador do Exército Steven Burnett supervisionou um estudo sobre a percepção humana e a detecção de bombas, envolvendo 800 militares. Os soldados foram submetidos a interrogatórios e a testes de personalidade, bem como a simulações em campo. Cientistas mediram sua percepção de profundidade, vigilância e habilidades correlatas. O estudo foi mais um a concluir que a velocidade com a qual o cérebro lê e interpreta as sensações do próprio corpo e as emoções e a linguagem corporal dos outros é central para evitar perigos iminentes.
- Não faz muito tempo as pessoas pensavam em emoções como coisa ultrapassada, como sentimentos que tinham pouco a ver com o processo racional de tomada de decisão - afirmou Antonio Damasio, diretor do Instituto do Cérebro e Criatividade, da Universidade do Sudeste da Califórnia. - Hoje, isso mudou. Vemos as emoções como programas de ação práticos, cujo objetivo é resolver um problema antes mesmo da tomada de consciência.
Patrulhar as ruas de Mossul nunca é uma tarefa rotineira. Uma pedra faltando no calçamento, uma ligeira sombra num canal, uma pilha de latas vazias, qualquer coisa pode ser letal. E todos se fazem a mesma pergunta: O que está diferente? O que está fora do lugar?
Até hoje o sargento Tierney não sabe essa resposta. Talvez fosse a posição do carro; talvez o fato de ninguém ter investido contra o grupo, como era de hábito. Ou mesmo o estado de sonolência que parecia tomar conta de todos. Talvez a soma de tudo isso. Mas o fato é que ele mandou seus homens recuarem a tempo de não serem atingidos pela forte explosão que acabou matando as duas crianças.
- Não consigo apontar para uma coisa específica - ele contou. - Só tive aquela sensação que temos quando saímos de casa, temos certeza de que esquecemos algo, mas levamos um tempo para descobrir o que é.
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