Hércules Rodrigues de Oliveira - Professor universitário, mestre em administração (Publicado no jornal Estado de Minas, em 21/05/09)
O Brasil desenvolve tecnologia de ponta, tornando-se por isso alvo de interesses de outros países e ou de empresas internacionais
Lembro-me de que certa feita, em uma viagem a Foz do Iguaçu (PR), ele nos brindou com um delicioso almoço e, como não podia deixar de faltar – fechando com chave de ouro –, ele fez um pé de moleque, com manobras mirabolantes, sobre a pedra de mármore da pia da cozinha, alegando que era para dar liga. Fiquei sabendo então que ela era o segredo da iguaria. Por meio dessa história gustativa, convido os comensais a refletir sobre a falta de liga que venho observando entre a prática da inteligência de Estado, enquanto ferramenta de proteção do conhecimento, e a propriedade intelectual (PI), que protege toda a criação e expressão da atividade inventiva e da criatividade humana, em seus aspectos científicos, tecnológicos, artísticos e literários. Grosso modo, é o que a maioria das pessoas conhece tão somente como marcas e patentes, que, em suma, representam a proteção jurídica para o inventor e escritor. Nesse cenário, com vários parceiros, existem dois atores importantíssimos, cada qual na sua esfera de atribuição: do lado da inteligência de Estado, com a missão institucional de proteger o conhecimento, está a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – sucessora do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) –, que, para tanto, instituiu o Programa Nacional de Proteção ao Conhecimento Sensível; de outro, a academia, representada pelas universidades que promovem pesquisas e inovação. Fatos históricos de um passado não muito distante promoveram, em razão de posturas ideológicas, o distanciamento e a desconfiança de algumas instituições com a Abin, fato este que deve ser exorcizado, em nome de um bem muito maior, qual seja, fazer cumprir o nosso destino como a grande nação líder do Hemisfério Sul, construindo uma sociedade solidária, que garanta o desenvolvimento nacional e promova o bem-estar de todos. A Abin deve estar presente em encontros, seminários ou congressos sobre propriedade intelectual, na condição de ator e de agente de mudança, não apenas como ouvinte. Nos quadros da inteligência, existem homens e mulheres, mestres e doutores oriundos da academia, em condições objetivas de agregar valor à produção e à proteção do conhecimento nas instituições de pesquisa nacionais. A Abin já assinou protocolos de cooperação técnica com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), mas não tem a varinha de condão para transformar corações e mentes. Perde-se com isso a nação brasileira; cientistas e pesquisadores deixam de conhecer mais uma forma de proteção de seus conhecimentos e até mesmo da própria integridade física contra atos de vandalismo, sabotagem, espionagem e terrorismo, que existem de fato e são perfeitamente identificáveis, e que não mais residem no imaginário de cada um de nós como fruto das peripécias hollywoodianas do famoso agente 007, James Bond. Etnocêntricos, todos somos, mas devemos ter a sabedoria de aprender com a relativização. Vivemos novos tempos e uma nova ordem mundial. O conhecimento tecnológico é e será cada vez mais constituído como objeto de troca. Estados, empresas e outros atores econômicos estão gerando conhecimentos úteis e caros para si e para terceiros. Não há dúvida de que, no mundo globalizado, com rápidas mudanças, esses agentes procuram mais e mais a eficiência nos mecanismos de proteção do conhecimento por elas gerados ou custodiados, que se transforma, geralmente, em patente. Não se pode permitir que a profecia vire realidade no contexto de Nelson Rodrigues, quando cita, de forma ferina, a síndrome do vira-lata. O Brasil desenvolve tecnologia de ponta, tornando-se por isso alvo de interesses de outros países e de empresas internacionais. Mas a “liga” não é conversa só de cozinheiro, pois, para que ela ocorra, nesse contexto, é preciso quebrar paradigmas, iniciando um processo de crescimento e respeito mútuo. Registre-se, mestre-cuca, que, apesar da primeira carta patente de que se tem notícia ter sido concedida na Itália, em Veneza, em 1474, para artesãos que fabricavam peças de vidro, a primeira ação de espionagem está registrada no Velho Testamento, no livro Números, capítulo 13: a ordem direta do Deus todo-poderoso a Moisés para que enviasse espiões à terra de Canaã. Devemos ficar atentos: Estados ou empresas buscarão adquirir o conhecimento de que necessitam onde quer que ele seja produzido, comprando-o ou roubando-o.
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