Estado de Minas 31/07/09
Proposições de ideologias ateias não garantem elementos indispensáveis à capacidade individual e coletiva no que se refere à ciência e ao significado do respeito à vida
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
santo padre Bento XVI, na carta encíclica Caritas in Veritate, configura um horizonte indispensável para a abordagem do enorme desafio que é o respeito pela vida. Não poucos, incluindo estudiosos de diferentes campos do saber, correm o risco de alavancar suas reflexões em impostações ideológicas – que em si não possuem a força suficiente para suscitar e manter a capacidade humana de pensar, escolher e agir respeitando a vida.
É incontestável a inconsistência de ideologias que se configuram a partir de uma análise da realidade que prescinda de valores sem os quais se torna inviável o processo permanente de capacitação humana para uma conduta que respeite a vida. As perspectivas analíticas e proposições de ideologias ateias não conseguem propor e garantir o conjunto de elementos indispensáveis para a capacidade individual e coletiva no que se refere à ciência – e ao todo que compõe o significado do respeito à vida. Até mesmo a teologia, como campo do saber e do pensar, pode correr o risco de perder o que lhe é próprio: a abordagem e o tratamento da transcendência como elemento determinante de seu discurso e de suas intuições, reduzindo-se, como não deixou já de ocorrer, a uma sociologia sem a propriedade do que esse campo do saber possui de próprio do seu objeto formal.
O papa Bento XVI, na argumentação da carta encíclica, adverte, propõe, convida e indica a necessidade de incluir observações de caráter valorativo, que não se reduzem ao que está na consideração da realidade em si, mas que a ilumina e desvenda entreveros próprios de suas complexidades. Muitos podem pensar que ainda basta partir simplesmente de questões que configuram a análise da realidade pela formatação própria dos contornos de ideologias, incluindo aquelas ateias. Na mesa de discussão está posto, pelo ensino magisterial da Igreja Católica, na recente encíclica, que é indispensável entender o desenvolvimento econômico, a sociedade civil e a fraternidade a partir de parâmetros e sistemas valorativos – que estão para além do que simplesmente é a realidade da vida da sociedade, seus mecanismos e do que conseguiram, arruinando, fazer dela.
Assim, o desenvolvimento dos povos não pode ser desvinculado, no seu entendimento e nos seus andamentos, do que forma, ética, moral e religiosamente, o significado amplo e comprometedor do que é o respeito pela vida. E não é apenas uma questão de salvação planetária. Há algo que está acima dos números das metas definidas pelas cúpulas e fóruns, embora, lamentavelmente, não tenham sido cumpridas. Essas metas não são cumpridas por uma má vontade e por uma incapacidade de governos, instâncias e da sociedade em geral. Mas também pela pequenez de estatura que só conquista e tem aqueles que pautam sua conduta na força de valores que estão para além dos funcionamentos da natureza ou do estritamente gerencial e administrativo das responsabilidades governamentais, sociais e políticas.
Quando se fala, por exemplo, de pobreza, põe-se o desafio de alargar os seus conceitos e entendimentos. Ora, no cenário da pobreza mundial, a provocação das altas taxas de mortalidade infantil, em muitas regiões, se deve, sim, ao baixo nível econômico das populações. Mas, também, às práticas de controle demográfico, em várias partes do mundo, por parte de governos que muitas vezes, sublinha o papa Bento XVI, difundem a contracepção e chegam mesmo a impor o aborto. Não são poucas, e por isso mesmo merecem atenção, as muitas legislações difusas e contrárias à vida, incluindo países economicamente mais desenvolvidos.
Dessa forma, por uma opção estreita de entendimento acerca da vida, essas legislações alavancam uma mentalidade antinatalista considerada, enganosamente, como progresso cultural. O papa não deixa de denunciar, na carta encíclica, que “há a fundada suspeita de que às vezes as próprias ajudas ao desenvolvimento sejam associadas com determinadas políticas sanitárias que realmente implicam imposição de um forte controle dos nascimentos. Igualmente preocupantes são as legislações que preveem a eutanásia e as pressões de grupos nacionais e internacionais que reivindicam o seu reconhecimento jurídico”. É muito importante, portanto, que se compreenda que a abertura à vida está no centro do verdadeiro desenvolvimento. Isso significa dizer e entender que não se pode prescindir, na consideração do desenvolvimento, da referência a valores que estão acima e são maiores que a simples dissecação da realidade enquanto revela seus mecanismos perversos. Pode-se correr o risco de constatar, saber, conhecer e explicar, sem contudo ter força para dar o passo novo e a conquista de um novo desenho do cenário contemporâneo. “Quando uma sociedade começa a negar e suprimir a vida, acaba por deixar de encontrar motivações e energias necessárias para trabalhar a serviço do verdadeiro bem do homem”, diz o papa Bento XVI.
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