segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Conferência sugere polícia menos militarizada

Zero Hora 31/08/09

Divergências impediram que teses como unificação de corporações fossem aprovadas em Brasília

Os PMs devem ser cada vez menos militares e mais policiais.Após três dias de debates, essa é a principal decisão tomada pelos 2,7 mil participantes da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), realizada em Brasília.

A chamada desmilitarização das PMs é uma das 40 diretrizes aprovadas pelo encontro, que reuniu policiais e representantes de organizações não-governamentais (ONGs) que lutam contra a violência. Para os participantes da conferência, desmilitarizar não significa o fim das PMs, mas a gradual reforma dos regulamentos militares considerados autoritários (que expõem o policial a humilhações) e o fim da sua postura guerreira, de quem sai às ruas para combater o inimigo.

– Policial tem de ser guardião da sociedade, não combatente – explica o secretário nacional de Segurança Pública, o gaúcho Ricardo Balestreri, que atua no Ministério da Justiça e foi um dos anfitriões do encontro.

Quem esperava mudanças bombásticas na política nacional de segurança saiu frustrado. A maior parte das 40 diretrizes aprovadas pela Conseg prioriza reivindicações classistas do setor de segurança, como piso salarial unificado ou regulamentação das guardas municipais como polícias municipais. Quase todas as propostas polêmicas ficaram de fora, como a criação de um Ministério da Segurança Pública, o ciclo completo de polícia (em que PMs poderiam presidir flagrantes de prisão) ou a redução da maioridade penal. Até mesmo uma sugestão que era consenso, a destinação de no mínimo 12% da receita estadual para a rubrica de segurança pública e reserva de 5% do orçamento municipal para combate a crimes, não foi incluída no documento final. A ideia era apoiada pelo Ministério da Justiça.



Ciclo completo foi proposta mais polêmica no evento

Muito mais do que mero idealizador, o Ministério da Justiça foi o inspirador de grande parte das ideias trazidas a Brasília pelos participantes da Conseg. A conferência foi precedida de 1.359 reuniões realizadas este ano em 514 municípios com mais de 200 mil habitantes. Quase todas as propostas elaboradas coincidem com o ideário dos partidos de esquerda – e vão desde mudanças radicais na estrutura das PMs até controle das atividades policiais por parte de conselhos formados pela sociedade civil. Isso acontece porque a maioria absoluta dos participantes é sindicalista da área de segurança pública ou militante de ONGs que olham o modelo tradicional de Polícia com desconfiança.

Os encontros resultaram em 364 propostas, debatidas nos três últimos dias em Brasília. O resultado é um documento com 40 diretrizes e 10 princípios que devem orientar a Política Nacional de Segurança Pública. O Ministério da Justiça não só enviou representantes para defender seu ponto de vista em cada reunião, como também custeou a maioria dos encontros preparatórios da Conseg. O governo federal investiu R$ 10 milhões para realizar essa consulta, sendo R$ 4 milhões repassados aos Estados para realização de pré-conferências.

Os debates mais acalorados foram dedicados ao ciclo completo da polícia, proposta pela qual as polícias Civil e Militar dividiriam a investigação dos crimes e o policial que fizesse a prisão realizaria o flagrante.



Os resultados

O QUE FOI APROVADO

- Desmilitarizar as polícias e realizar a transição da segurança para atividade eminentemente civil.

- Piso salarial nacional para policiais.

- Controlar e supervisionar as empresas de segurança.

- Conselho de Fiscalização das Atividades Policiais e do Sistema Penitenciário: a ideia é que funcione de forma semelhante ao Conselho Nacional de Justiça. Terá representantes externos, do MP e da Justiça.

O QUE NÃO PASSOU

- Unificação das polícias Militar e Civil.

- Criação do Ministério da Segurança.

- Recursos fixos para a Segurança.

- Ciclo completo das polícias: o policial que prende realiza o flagrante, seja ele PM ou policial civil. Hoje, só as Polícias Civis podem presidir prisões em flagrante. Foi sugerido que PMs fizessem flagrantes de crimes contra o patrimônio. A Civil ficaria com crimes contra a vida e tráfico de drogas.

Precedente perigoso

Zero Hora 31/08/09

Paulo Brossard

Entre os tropeços do presidente da República nos últimos dias, dissonantes de sua habitual galhardia no manejo da palavra, lembrei que ele “entrou a litigar abraçando a causa de uma entre duas altas servidoras, como se fosse adequado a um presidente imiscuir-se em controvérsia dessa ordem”. Limitei-me a dizer que ele detém soma de poderes que vão além dos que lhe assina a Constituição. São imensos, mas nem por isso duram sempre. Mais não disse porque prefiro ficar no mundo objetivo dos fatos em vez de perambular por entre intermináveis subjetividades. Contudo, confesso, não supunha que tão cedo se estampassem os efeitos danosos de suas indevidas interferências, tudo para prestigiar a servidora que ele, unipessoalmente, fizera candidata à sua sucessão.

Num repente, número expressivo de altos funcionários da Receita demitiu-se das funções de confiança que vinham exercendo, denunciando a contaminação do serviço pelo vírus da politiquice. Dia seguinte, mais um lote deles, distribuídos por vários Estados, repetiu o gesto insuspeitado. Mais um dia, e novo contingente. Só em São Paulo, foram 20. E, desse modo, em setor de particular responsabilidade, inopinadamente, armou-se séria crise ou que outro nome tenha ou lhe seja dado.

Embora todos os segmentos do serviço público tenham a mesma natureza, interligados por regras tradicionais do Direito Administrativo e hoje por preceito expresso da Constituição, nem todos eles se igualam. Os setores militares, por exemplo, têm peculiaridades decorrentes de sua própria natureza; igualmente os referentes às relações exteriores; o segmento da Receita também tem suas características. Começa por ser dos melhor aparelhados, aliás, para lidar com múltiplas situações distribuídas por enormes faixas de brasileiros e estrangeiros aqui residentes; ou muito me engano, ou para a Receita não há segredos inacessíveis; vou além, pela posse de seus instrumentos de trabalho, chega a ser perigosa, razão por que o desvio de um milímetro nas regras de isenção, objetividade, discrição, reserva, equilíbrio, imparcialidade, enfim da fidelidade às suas finalidades, pode converter-se em insegurança coletiva e descrédito fatal de um serviço relevante. Não me sinto habilitado a opinar a respeito do caso, mas as circunstâncias que têm cercado o episódio não são lisonjeiras, pois ninguém pode ignorar nem menosprezar o sentido da demissão da chefe da Receita seguida de demissão de altos servidores, em declarado sinal de protesto pelo ingresso do partidismo em setor que não pode ser contaminado por esse mal que, começado, não se sabe como e onde termina.

Esta a situação atual da Receita. Sem pretender firmar uma conclusão a respeito do que está acontecendo ou do que aconteceu, volto a acentuar, o que há é uma situação de inafastável perplexidade ou de muitas perplexidades. E isto, querendo ou não, compromete a credibilidade do serviço. Para o ministro da Fazenda, isso não passa de “balela” e o que se pretende ocultar é a ineficiência da antiga chefe do órgão. Seria preferível que o ministro não tivesse falado. Um troca-tintas qualquer poderia ficar nesse plano, um ministro de Estado não poderia. É verdade que este já se celebrizou com os acontecimentos da abolição da CPMF em dezembro de 2007 e o compromisso feito em nome do presidente da República acerca de não serem aumentados tributos que compensassem a extinção da famosa contribuição provisória, que agora, com outro nome, se pretende ressuscitar.

O que me parece fora de dúvida é que os serviços da Receita hão de ser acima de qualquer dúvida acerca de sua idoneidade ou ela se converte em instrumento de insegurança de brasileiros e estrangeiros residentes no país, como proclama a Constituição. E não será com expedientes de subúrbio que a boa reputação será restabelecida.

*Jurista, ministro aposentado do STF

Caminhos para a segurança

Folha de São Paulo 31/08/09

MARINA SILVA

Terminou ontem a 1ª Conferência Nacional e Segurança Pública, após quatro dias de debates sobre segurança e cidadania. No Brasil, o enfrentamento do crime e da violência se resume, basicamente, a agravar as penas, criar novos tipos penais, construir mais prisões e aumentar os efetivos policiais. Tudo se passa como se as dinâmicas violentas e delituosas pudessem, de fato, retroceder frente à dissuasão da força e da pena. Mas o que ocorre é muito diferente: a punição, pelo Estado, alcança como regra apenas os responsáveis pelos delitos mais comuns à exclusão social.

Após alguns anos sem liberdade, os encarcerados retornam ao convívio social. Uma parte significativa deles -cujas penas jamais foram individualizadas, a quem nunca se ofereceu a chance da profissionalização, sequer da alfabetização- terá adquirido habilidades e feito relações que os levam à reincidência agravada. Outra parte, mesmo disposta a não mais delinquir, terá poucas chances de inserção profissional, pelo estigma do cárcere, sendo como que empurrada à sobrevivência ilegal. Os presídios são, por isso mesmo, uma forma muito cara de, numa amarga ironia, tornar as pessoas piores e a sociedade mais insegura.

Setores críticos à visão tradicional têm insistido que violência e crime são subprodutos de uma ordem social injusta. Daí deduzem ser preciso enfrentar as causas desses problemas a partir de mudanças sociais. Há uma verdade pela metade nesta ideia. A desigualdade social, de fato, tensiona a sociedade e estimula o crime, mas é apenas um dos fatores de risco para crime e violência.

Se esses fenômenos são subprodutos da exclusão social, como explicar que só uma pequena parte dos mais pobres envereda pelo crime? E por que, na outra ponta, há também delinquentes entre os mais abastados? Penso que é necessário superar abordagens unilaterais. Nenhuma sociedade moderna pode subestimar a importância das polícias, nem deixar de responsabilizar os que violam a lei.

Na democracia, as polícias são regradas pelo direito e seu êxito depende, sobretudo, do grau de proximidade e de confiança construído com a população. De outra parte, a sociedade deverá exigir do Estado políticas públicas fundadas em diagnósticos, orientadas não "para a ocorrência" -como se tornou comum no modelo reativo de policiamento-, mas por resultados. Sobretudo, será preciso que União, Estados e municípios assumam suas responsabilidades quanto à prevenção, colocando o foco nos fatores de risco para o crime e a violência. Não basta investir mais, é preciso investir melhor.

Virtudes esquecidas

Estado de Minas 31/08/09

Otacílio Lage, Jornalista

No dia a dia do país, palavras como fraude, corrupção, golpe, falcatrua, maracutaia, desvio, superfaturamento, contrabando, falsificação, roubo, furto e afins povoam os noticiários. Nas redações de jornais, revistas, rádios e TVs, elas são inseridas em boa parte dos textos que vão para as páginas e ao ar, numa costura cansativa, repetitiva, enfadonha. Não há um só dia que os repórteres se veem livres delas. No contexto, elas decorrem de outras palavras e expressões como desonestidade, falta de integridade moral e de caráter. Entre as virtudes que o ser humano deve aprender a desenvolver para expressar sua perfeição latente, a integridade constitui um dos fundamentos da dignidade da pessoa. Aquele que é desprovido dela é então indigno de si mesmo e da confiança dos outros. Diriam uns que é relativamente difícil ser totalmente íntegro em pensamento, palavra e ato, porque as circunstâncias da vida nos confrontam constantemente com nossa própria imperfeição e nos submetem a múltiplas tentações.

Mas o que é integridade? É o respeito aos valores morais em que acreditamos, desde que eles estejam em consonância com o bem-estar físico, mental e espiritual dos outros. Ser íntegro é viver em conformidade com seus ideais, desde que estes não se oponham aos interesses alheios. Inversamente, não ser íntegro é mentir para si mesmo, seja para se consolar por agir mal e tentar ficar de consciência limpa, seja para enganar os menos experientes em algum momento. A integridade anda abraçada com a honestidade, virtude que é a expressão de uma alma pura. Na escolta das duas, está a equidade (senso de justiça).

Hoje, no Brasil, honestidade, integridade e equidade estão vivendo nas sombras, com um receio danado de dar as caras. No cenário cotidiano, a sujeira é tanta e a falta de brio, de honra e de cumprimento de promessas é tão vergonhosamente patente que elas parecem deserdadas pela maioria dos 190 milhões de habitantes deste país de substantivo potencial. Não se pode ser íntegro quando se é desonesto. No sentido mais claro, honestidade é a virtude da pessoa de respeitar os bens materiais de outrem e nunca procurar se apropriar deles de maneira indigna ou fraudulenta. Infelizmente, há pessoas – hoje, em grande número – sem escrúpulos que se enriquecem dando trambiques ou roubando mesmo os pertences alheios. Falta aí espiritualidade e sobra vontade desmedida de possuir bens materiais. Muitos desses espertos querem provar que são mais inteligentes ou mais poderosos do que aqueles a quem prejudicam. Não importa o motivo, mas nada justifica o fato de ser desonesto, a não ser a falta de evolução ou de educação desses indivíduos.

Os noticiários envolvendo políticos, então, passam recibo do que vivemos no país em termos de integridade e honestidade. Nas edições de ontem e de hoje, o EM mostra como a chaga da corrupção está presente em cidades pequenas e pobres de Minas Gerais. Na área empresarial, pipocam todos os dias casos de fraudes, falsificação de medicamentos, sonegação fiscal, desvio de cargas, recepção de contrabando, gasolina adulterada, queimadas criminosas, desleixo com a conservação do meio ambiente e do patrimônio histórico etc. Em todos esses exemplos, a desonestidade campeia solta, rodeada por mentiras e até mesmo por ações do crime organizado. No campo político, as pessoas usam e abusam de seu carisma para implantar na opinião pública ideais partidários e dogmáticos, às vezes, com vieses filosófico ou religioso? Quase sempre, elas não são sinceras e carecem totalmente de honestidade em seus propósitos. Geralmente, sua motivação principal é a busca de poder e honrarias, o que revela paralelamente um ego dominador. Essa forma de desonestidade é, ao mesmo tempo, insidiosa e perigosa, pois, sob aparência de sinceridade e verdade, pode induzir a erro milhões de pessoas e subjugar sua consciência.

No cotidiano brasileiro, muitos estão convencidos de serem honestos, e o são efetivamente. Entretanto, será que sua honestidade é baseada numa integridade real ou no medo de que lhes poderia ocorrer se fossem apanhados em delito de desonestidade? Seriam eles também respeitadores das leis caso tivessem certeza de poder violá-las com total impunidade? Nada é menos seguro que isso. Um indivíduo é considerado muito honesto quando resiste a todas as tentações para sair dos trilhos da integridade, caracterizando-se como incorruptível, no sentido mais nobre do termo. A incorruptibilidade é uma virtude que todos deveriam ter a intenção de desenvolver; é a honestidade plena.

O Brasil está envolto por um manancial de fatos escusos, para não dizer termos mais fortes, como se jogássemos água no terreno já encharcado. Haja falta de integridade, tão escassa por nossas plagas. Esta virtude também recorre ao senso de justiça, embora saibamos que é difícil ser justo, tanto para consigo mesmo como outros, porque somos imperfeitos e julgamos em função das nossas próprias opiniões, que, muitas vezes, não são necessariamente boas. No nosso dia a dia, há comportamentos de certos políticos, governantes e empresários que revelam uma evidente má-fé ou vontade de ser injusto, quase sempre por interesse. Os mais inclinados a esse tipo de comportamento estão entre os que acham que o fim justifica os meios. A pessoa justa jamais usa sua função, sua autoridade, seu poder ou sua força para obrigar as outras a dizer ou fazer seja lá o que for que eles desaprovem ou que vá contra o seu bem-estar. A integridade não deve ser limitada a mantermos relações sinceras com os outros Ela está relacionada à maneira como aplicamos à nossa própria vida os princípios morais que defendemos frente aos outros.

Apesar de suas fraquezas, inerentes ao homem, melhor seria que as pessoas se esforçassem para viver tanto quanto possível em consonância com seus ideais, a fim de serem um exemplo para as outras com as quais convive ou sobre as quais exercem poder de influência. No Brasil, os honestos e íntegros têm pouca regalia. A maioria depende de promessas cumpridas, da integridade e da lisura dos que governam e administram e da honestidade de quem produz, transporta e negocia.

Sonhar nunca é demais, mas quem sabe um dia o nosso país abraçará de vez as palavras integridade e honestidade, escoltadas pela equidade e avalizadas pela Justiça. Integridade é ainda o respeito à palavra dada, o que implica cumprirmos nossos compromissos, sejam quais forem. Antes de prometermos isso ou aquilo, devemos, portanto, mensurar com cuidado se somos efetivamente capazes de cumprir as promessas feitas. Na verdade, mais vale nos abstermos de prometer, dizer ou fazer seja o que for. Há muitas pessoas que ao longo da vida, às vezes, se veem obrigadas a voltar atrás em suas promessas. Mas fazer disso um hábito é porque realmente não têm palavra ou mesmo honra. E, quando a pessoa perde a confiança das outras e a honra, até sua integridade física está comprometida. Haja carapuça!

Combate à corrupção

Estado de Minas 31/08/09

Reta final com ajuda da internet
Campanha contra a candidatura de políticos com ficha suja será intensificada na rede mundial de computadores. Faltam 200 mil assinaturas para que projeto de lei seja enviado ao Congresso
Isabella Souto

A internet será a nova arma do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) para a última semana da corrida às 200 mil assinaturas de brasileiros que faltam para que seja enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei de iniciativa popular para impedir a candidatura de pessoas que tenham sido condenadas em processos judiciais em primeira instância – a chamada Campanha Ficha Limpa. Um vídeo de nove minutos com a história da campanha – iniciada em maio do ano passado – e explicações sobre o projeto foi incluído na página www.mcceorg.br, com link para que os internautas possam enviar o seu conteúdo por e-mails.

Quem acessar o site também poderá imprimir o formulário para coleta de assinaturas e entregar em qualquer igreja. “A ideia é reforçar a questão da cidadania, que deve ser exercida por cada pessoa. O vídeo chama a todos para essa reta final, e o ideal é que todos que assistam repassem por e-mail”, explicou ontem o secretário executivo-adjunto da Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Daniel Siedel. A Constituição Federal determina que propostas de iniciativa popular devem ter pelo menos a assinatura de 1,3 milhão de eleitores de todo o Brasil. Até a última sexta-feira, o movimento já havia obtido 1,1 milhão.

Na quinta-feira os organizadores da campanha têm uma reunião para definir como será a atuação no feriado do próximo dia 7, quando tradicionalmente acontece o Grito dos Excluídos, manifestação popular em todas as capitais brasileiras. De acordo com Daniel Siedel, a expectativa é de que neste ano, em razão das denúncias de corrupção e nepotismo envolvendo o Senado, a adesão ao movimento seja ainda maior – o que poderá representar ainda mais assinaturas ao Ficha Limpa.

MISSA Os mineiros parecem ser os mais engajados na Campanha Ficha Limpa. Até a sexta-feira passada, liderava o ranking nacional com 197.629 assinaturas. E ontem os eleitores aproveitaram a tradicional missa de domingo para engordar ainda mais a lista. Na Catedral da Boa Viagem, no Bairro de Lourdes, em Belo Horizonte, chegou a ser formada uma fila de interessados em aderir à campanha depois da missa das 11h.

Cansada de anular o voto nas últimas eleições por não confiar em nenhum candidato, a secretária do internato rural da Escola de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria do Carmo Machado Lage, resolveu fazer parte do protesto. “Li ontem (sábado) no Estado de Minas que o prazo para a campanha está acabando e fiz questão de assinar hoje (ontem). Acho essa campanha maravilhosa e concordo com a posição da Igreja. Só espero que valha a pena, pois temos que impedir que os desonestos cheguem ao poder ”, completou. A dona de casa Raimunda Roselene Domingues Justina ouviu com atenção as palavras ditas na missa das 9h na Igreja Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, no Bairro Pompeia, e assinou a lista na manhã de ontem. “Temos de impedir que o país fique ainda pior”, justificou. O motorista Nilo Daniel da Silva é um dos milhares de mineiros que aderiram à campanha. E torce para que os deputados federais e senadores aprovem a matéria tão logo chegue ao Congresso Nacional. “Deus está com a gente para tentar melhorar este país. As pessoas más não devem permanecer na política”, acredita.

Cheney reluta em cooperar com investigação sobre a CIA

Dom, 30 Ago, 06h20

WASHINGTON (Reuters) - O ex vice-presidente norte-americano Dick Cheney disse que pode se recusar a falar com um promotor que analisa suspeitas de abuso de prisioneiros da CIA, uma investigação que ele classificou como política e ruim para a segurança nacional.

Cheney foi um dos críticos mais contundentes da decisão do secretário de Justiça Eric Holder na semana passada de nomear um novo promotor especial para analisar a fundo os interrogatórios brutais de suspeitos de terrorismo capturados durante o governo do ex-presidente George W. Bush.


Indagado se conversaria com o promotor John Durham se fosse procurado, Cheney disse no programa de TV "Fox News Sunday": "Vai depender das circunstâncias e do que acredito serem de fato suas investigações. Fui muito direto em minhas declarações sobre esse assunto."


Os casos sob investigação incluem a simulação de uma execução, o uso de uma furadeira para amedrontar um prisioneiro e a técnica de simulação de afogamento conhecida como waterboarding em Khalid Sheikh Mohammed, acusado de ser o mentor do 11 de setembro, em 183 ocasiões.


"Tenho muito orgulho do que fizemos no que diz respeito a defender a nação com sucesso nos últimos oito anos", disse Cheney em entrevista. "E não é necessário um promotor para descobrir o que eu penso. Eu já expressei minhas opiniões."


Cheney disse não saber que métodos foram utilizado à época em casos específicos, mas defendeu os interrogadores, dizendo que "as técnicas intensivas de interrogatório foram absolutamente essenciais para salvar milhares de vidas americanas."

domingo, 30 de agosto de 2009

Comissão mantém decreto que redefiniu sistema de inteligência

Por: Agência Câmara
Data de Publicação: 28 de agosto de 2009
Gilberto Nascimento Marcondes Gadelha: decreto não produz inovação, mas simples regulamentação do dispositivo legal. A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional rejeitou na quinta-feira (26) o Projeto de Decreto Legislativo 861/08 , do deputado José Aníbal (PSDB-SP), que pretende sustar os efeitos do decreto presidencial que redefine a organização do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin).

O relator, deputado Marcondes Gadelha (PSB-SP), concluiu que o decreto não extrapola o poder regulamentar do presidente da República, como alega o autor do projeto.

Em síntese, o Decreto 6.540/098 inclui cinco novos órgãos do governo no Sisbin - o Ministério da Justiça, Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Fazenda e Controladoria-Geral da União. O texto presidencial também permite à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão central do Sisbin, manter em caráter permanente representantes dos outros órgãos no sistema.

Ditadura militar

José Aníbal argumenta que a estrutura proposta tem semelhanças com o extinto Serviço Nacional de Inteligência (SNI), vigente durante a ditadura militar. Ele alega que o serviço mantinha servidores em cada órgão de inteligência das Forças Armadas e dos ministérios e usava suas informações para pressionar adversários.

De acordo com Gadelha, as alterações promovidas pelo presidente são previstas na Lei 9.883/99, que instituiu a Abin. Segundo ele, o texto legal estipula que os órgãos ou entidades governamentais que produzem informações do interesse da agência constituirão o Sisbin, "na forma de ato do presidente da República".

As instituições incluídas no sistema cumprem essa função, logo, conforme ressalta o relator, "o decreto não produz inovação, mas simples regulamentação do dispositivo legal".

Outro PDC rejeitado

Diante dessa conclusão, o relator rejeitou também o Projeto de Decreto Legislativo 1322/08, do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que susta apenas o artigo segundo do Decreto 6.540/098. Trata-se justamente do dispositivo que permite à Abin manter representantes dos outros órgãos públicos no Sisbin.

Tanto Aníbal quanto Jungmann alegam que o decreto pode ferir direitos e garantias individuais ao dar acesso a informações sigilosas para pessoas não autorizadas pela Justiça. Na opinião de Gadelha, ocorre justamente o contrário. Para ele, o decreto traz "uma série de medidas que reforçam a defesa desses direitos".

Gadelha defende que o texto tem o mérito de disciplinar o intercâmbio de informações entre os órgãos que integram o Sisbin, "evitando vácuo legislativo que reforce ações informais entre os agentes". Na concepção do parlamentar, a medida também é benéfica por aumentar o controle sobre o acesso e a divulgação de dados sigilosos.

Tramitação

O projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, inclusive quanto ao mérito, e depois será votado pelo Plenário.

Notícias relacionadas:Projeto amplia poder da comissão que fiscaliza a AbinDeputado quer aperfeiçoar a Comissão de Inteligência do CongressoSeveriano Alves é o novo presidente da comissão que fiscaliza Abin Deputados acusam Abin de irregularidades na Satiagraha

Reportagem - Maria Neves

Relatório da Cia sobre tortura.

Relatório da Cia sobre tortura.

Veja a íntegra do relatório

Cheney diz que documentos divulgados revelam que interrogatórios livraram os EUA de ataques

O Globo 25/08/09

RIO - O ex-vice-presidente dos Estados Unidos Dick Cheney disse, nesta terça-feira, que os documentos da CIA, a agência de inteligência americana, divulgados na segunda-feira, com informações extraídas em interrogatórios, reforçam a sua visão de que as técnicas controversas utilizadas para extrar depoimento de suspeitos de terrorismo preveniram ataques e foneceram informação crucial ao governo americano sobre a al-Qaeda, informou a CNN.
"Os documentos divulgados na segunda-feira claramente demonstraram que pessoas submetidas a técnicas de interrogatório controversas forneceram o volume de inteligência que ganhamos sobre a al-Qaeda. Essa inteligência salvou vidas e preveniu ataques terroristas", disse o ex-vice em um comunicado escrito.

Cheney também criticou a decisão do governo Obama de pedir que um promotor federal determine se agentes da inteligência americana violaram a lei em interrogatórios que alguns comparam a sessões de tortura.

Na segunda-feira, o presidente dos EUA Barack Obama aprovou a criação de uma equipe de elite para interrogar os principais suspeitos de terrorismo. No mesmo dia, o procurador-geral dos EUA, Eric Holder, designou um promotor para examinar quase uma dúzia de casos em que funcionários e contratados da CIA são acusados de ter violado leis de antitortura e outros estatutos ao ameaçar, humilhar e maltratar suspeitos de terrorismo.

Interrogadores armaram falsas execuções - o que é probido pela Convenção Antitortura das Nações Unidas - para tentar assustar os presos e forçá-los a falar, diz o relatório. Em um momento, um tiro foi disparado em uma sala ao lado de onde o suspeitos estava sendo interrogado para que ele pensasse que um outro prisioneiro estava sendo morto naquele momento.

O diretor da CIA,Leon Panetta, disse que boa parte do que está no relatório é "história antiga", e a Casa Branca afirmou que o presidente Obama ainda prefere "olha adiante, e não para trás" no que se refere ao tratamento dado a suspeitos de terrorismo.

Cheney criticou as mudanças anunciadas por Obama e Holder na segunda-feira, dizendo que a decisão de Obama de deixar o Departamento de Justiça "investigar e possivelmente processar funcionários da CIA serve como um lembrete do motivo pelo qual tantos americanos tem dúvidas sobre a habilidade do seu governo em ser responsável pala segurança" do país.

- As atividades da CIA para levar adiante as políticas do governo Bush foram diretamente responsáveis pela derrota do esforço da al-Qaeda em lançar ataques de forte impacto aos Estados Unidos - concluiu Cheney.

Fugir do médico é coisa de homem?

Estado de Minas 30/08/09
Ministério da Saúde estuda medidas para estimular a população masculina a investir na prevenção contra um dado alarmante: eles são dois de cada três pessoas mortas no país
Junia Oliveira

O administrador de empresas Ricardo Martins Ribeiro, de 36 anos, tinha a típica vida dos tempos modernos. Responsável pelos negócios de três empresas, em meio à correria total, nada de se preocupar com hábitos saudáveis: estresse, nenhum tempo para refeições e apenas aquela paradinha para comer um salgado aqui e outro ali. Mas, há seis meses, essa rotina teve de ser subitamente repensada. Ao sentir palpitações repetidas vezes, ele decidiu procurar um médico e recebeu o diagnóstico depois de uma bateria de exames: hipertensão. Desde então, o jeito foi entrar nos eixos. “Tomei os remédios, a pressão normalizou e faço controle alimentar, de forma saudável. Na hora do almoço, o telefone apita e paro o que estiver fazendo para comer”, diz. Ele explica o fato de ter sido surpreendido pela doença: “A mulher sabe que deve ir ao ginecologista, já o homem se pergunta: ‘Vou fazer controle de quê? Qual especialidade devo procurar? Um cardiologista ou um clínico?’. Nunca encaixa com trabalho, sempre marca e cancela, deixando sempre para depois, até a hora que não tem mais jeito”.

Ricardo Ribeiro é um dos 20,1% de homens moradores em Belo Horizonte que tiveram o diagnóstico clínico de hipertensão, segundo dados do Ministério da Saúde. No grupo das mulheres, esse índice é de 28,2%. A análise clínica confirmou outra doença que requer cuidados específicos, o diabetes, em 4,4% da população adulta masculina e em 5,6% da feminina. Nas mulheres, o percentual das duas enfermidades é maior exatamente porque elas procuram mais o diagnóstico que eles. E é por causa desse desleixo com a própria saúde que os homens adoecem e morrem mais no país.

A falta de cuidados médicos, a despreocupação com a prevenção e o hábito de procurar os serviços de saúde quando a dor ultrapassa o limite do suportável fazem com que eles engrossem uma assustadora estatística: quase 60% dos óbitos no Brasil são de homens – aproximadamente dois a cada três casos de morte. Os dados são do Ministério da Saúde, que quer reverter esse quadro com a Política Nacional de Saúde do Homem, lançada esta semana. Ao todo, serão investidos R$ 613,2 milhões em nove eixos de ação, entre eles de comunicação, promoção à saúde, expansão dos serviços, qualificação de profissionais e investimento na estrutura da rede pública.

Belo Horizonte ocupa posições preocupantes em alguns setores que se tornaram problema de saúde pública. A capital tem o quarto maior índice de homens fumantes (22,5%), atrás de São Paulo (27,7%), Macapá (24,7%), Campo Grande (23,5%) e Boa Vista (23,5%). E ocupa a mesma posição entre os sedentaristas, depois de Rio Branco, Natal e Maceió.

Enquanto a campanha do ministério tenta atingir os menos preocupados, alguns homens já se adiantam e provam que o melhor é mesmo se cuidar. O empresário João Antônio de Campos Meneghin, de 52, é um dos que vão na contramão das estatísticas. Ele sai de Lagoa Santa, na Grande BH, para se consultar com um médico na capital, especialista na medicina ortomolecular. “Tenho um zelo excessivo. Se sinto qualquer coisa, vou ao médico. E não abro mão de um checape anual, de fazer o exame de próstata, de sangue, eletrocardiograma e teste ergométrico quando é possível. Não espero estar mal para me consultar”, relata.

Corrupção e pobreza de mãos dadas

Levantamento feito pelo EM mostra que 81 dos 85 municípios mais pobres de Minas foram investigados nos últimos sete anos por envolvimento em casos de improbidade e fraudes
Alessandra Mello, Maria Clara Prates e Luiz Ribeiro
Não é coincidência. Segundo levantamento feito pelo Estado de Minas com base em estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), em 81 dos 85 municípios mineiros com menor índice de desenvolvimento, a pobreza está de mãos dadas com a corrupção. Um casamento que está longe do fim e sacrifica a população, afastando-a de serviços básicos como educação e saúde, especialmente no Norte de Minas e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri, onde estão concentradas as cidades com piores indicadores. O mais grave, entretanto, é que o ciclo cruel de baixo desenvolvimento e corrupção está longe do fim porque, para o cientista político Rubens Figueiredo, só a punição exemplar seria capaz de mudar essa realidade.

Não é preciso ser um estudioso para perceber, por exemplo, que São João do Pacuí, no Norte de Minas (município com pior índice no estado e entre os 30 piores do país em trabalho, renda, educação e saúde), convive, desde 2002, com ações de improbidade administrativa e investigações que vão desde fraudes em convênios até contratação de empresas fantasmas e licitações fraudulentas. “Nos municípios menores, praticamente não existe controle social dos recursos. Quase a totalidade das câmaras municipais é cooptada pelo Poder Executivo e também se envolve nas negociatas”, afirma o procurador André Vasconcelos Dias, da Procuradoria da República em Montes Claros.

Infelizmente, São João do Pacuí não está sozinho. Em muitos casos, os municípios aparecem como alvo em mais de uma das recentes operações da Polícia Federal desencadeadas para conter a sangria nos cofres públicos, desde 2006. Um exemplo é Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, que entrou para a lista das cidades investigadas em 2008 tanto na Operação Pasárgada – que apurou liberação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) de forma fraudulenta – , quanto na João-de-barro – que estancou desvios de recursos de emendas parlamentares para obras de saneamento. Minas Novas ocupa hoje o 768º lugar em desenvolvimento entre os 853 municípios mineiros.

DESVIO DE VERBA O terceiro pior município do estado em desenvolvimento, Bonito de Minas também penalizou sua população quando perdeu recursos que deveriam ter sido investidos em saúde, até ser pilhado na Operação Sanguessuga, em 2006, que apurou o desvio de verbas em licitações superfaturadas para a compra de ambulâncias. O procurador afirma que outras cidades norte-mineiras, como Ibiaí, Ibiracatu, Icaraí de Minas, Josenópolis, Juvenília, Pai Pedro, Lagoa dos Patos, Ninheira, Santo Antonio do Retiro e Varzelândia, são investigadas por desvio de recursos. Todos os 81 municípios entre os 10% menos desenvolvidos são alvo de inquéritos ou processos em curso na Procuradoria Especializada em Crimes de Agentes Políticos ou nas promotorias locais.

O SEQUESTRO DO EMBAIXADOR AMERICANO

O Globo 30/08/09

Exército assumiu morte de Jonas
Em dossiê sob sigilo há 40 anos, Força admite responsabilidade no assassinato do guerrilheiro

Bernardo Mello Franco



Num dossiê mantido em sigilo há quatro décadas, o Exército assume a responsabilidade pela morte do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, considerado o primeiro desaparecido político da ditadura militar. Ele comandou a ação mais ousada da luta armada contra o regime: o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, de 4 a 7 de setembro de 1969 - que completa 40 anos na próxima sexta-feira. Segundo relatos de presos políticos, Jonas foi morto a pontapés, ao fim de uma longa sessão de tortura feita por militares e civis da Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo.

O paradeiro do corpo nunca foi revelado, e as Forças Armadas jamais admitiram o crime oficialmente. O documento obtido pelo GLOBO foi produzido pelo Centro de Informações do Exército (CIE), vinculado ao gabinete do então ministro da Força, general Aurélio de Lyra Tavares. Sua existência comprova que a cúpula da ditadura foi avisada sobre a morte de Jonas nos porões. Mesmo assim, a Justiça Militar o condenou "à revelia" duas vezes, em 1970 e 1977, com base na Lei de Segurança Nacional. Somadas, as penas chegariam a 33 anos de prisão.

O relatório foi redigido em 8 de outubro de 1969, com o título de "Informação n. 2.600" e carimbos de "confidencial". Jonas foi capturado e morto nove dias antes, em 29 de setembro. No documento, os militares evitam a palavra tortura. Dizem que o guerrilheiro reagiu à prisão e morreu em virtude de "ferimentos recebidos" sob custódia da Oban.

O trecho que elucida o crime ocupa apenas quatro linhas do relatório. Diz o seguinte: "Virgílio Gomes da Silva, vulgo Jonas, vulgo Borges, reagiu violentamente desde o momento de sua prisão, vindo a falecer em consequência dos ferimentos recebidos, antes mesmo de prestar declarações". Segundo o cabeçalho, o documento circulou na época por dez órgãos militares, incluindo os serviços secretos da Marinha e da Aeronáutica.

Ao fim do dossiê, foram anexadas informações e fotos de 19 militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) presos após o sequestro. Há cópias de três documentos de Jonas (título eleitoral, carteira de habilitação e uma carteirinha de sócio do Jardim Zoológico de São Paulo) e três retratos 3x4, nos quais ele aparece com e sem bigode. E uma anotação, à mão: "Jonas - Morto - Participou do Sequestro".



Em versão falsa, morto virou "foragido"

Outro documento secreto mostra que a ditadura fabricou uma versão falsa para encobrir o assassinato quatro dias depois do dossiê em que admitia a morte de Jonas. Trata-se do Relatório Especial de Informações n. 28, assinado pelo general Aloysio Guedes Pereira, comandante da 2ª Divisão de Infantaria do II Exército, de 12 de outubro de 1969. Desta vez, no entanto, Jonas foi apresentado como foragido.

Para dar credibilidade à suposta fuga, o relatório mistura fatos verídicos e inventados. Na parte verdadeira, informa o endereço em que ele foi capturado pela Oban e que participou do sequestro de Elbrick "na qualidade de chefe da ação". Na falsa, que "evadiu-se na ocasião em que foi conduzido para indicar um 'aparelho'".

Enquanto o Exército se manteve em silêncio, outros órgãos apresentaram versões divergentes para o caso desde a redemocratização. Em 1985, o projeto "Brasil: Nunca Mais", coordenado por Dom Paulo Evaristo Arns, divulgou depoimentos de dois presos que viram Jonas ser morto na Oban. Em 1993, a Marinha enviou ofício ao então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, com outra versão fantasiosa: ele teria morrido num tiroteio ao reagir à prisão. Só em 2004 foi descoberto, no Arquivo do Estado de São Paulo, laudo do IML com a foto do rosto de Jonas, já morto e desfigurado por agressões.

Na sexta-feira, O GLOBO enviou ao Exército dez perguntas sobre as circunstâncias da morte do guerrilheiro e a existência de arquivos que possam indicar onde seu corpo foi enterrado. A resposta veio em uma frase: "O Centro de Comunicação Social do Exército informa que não existe documento na Instituição que registre a ocorrência mencionada em sua mensagem".

''Imprensa existe para revelar segredos''

Estado de São Paulo 30/08/09
Para o jornalista Eugênio Bucci, necessidade de preservar sigilo judicial não justifica veto a publicação de informações
Daniel Bramatti



O jornalista Eugênio Bucci vê as medidas judiciais de censura no País como uma ameaça à própria essência da imprensa na democracia. "A democracia precisa da imprensa porque esta publica livremente informações e opiniões. Se não é assim, a imprensa deixa de exercer sua função."

Para o autor de A imprensa e o dever da liberdade, "não faz sentido o Judiciário se tornar o editor final do que pode ou não ser publicado".

Desde o dia 31 de julho, o Estado está proibido, por decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, de publicar informações sobre investigação da Polícia Federal que atingiu o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A proibição foi baseada no argumento de que a investigação está coberta por sigilo judicial. "A imprensa existe justamente para publicar o que outros consideram segredos", avalia Bucci.

Dentre os países democráticos, que consagram a liberdade de imprensa em suas Constituições, o senhor sabe de algum outro onde um juiz pode impedir a divulgação de determinada informação?

Não estudo esses casos fora do Brasil, mas eu não tenho notícia de um procedimento desse tipo. Não faz sentido o Poder Judiciário se tornar o editor final do que pode ou não ser publicado. A imprensa só funciona porque é livre para publicar o que julga de interesse público segundo seu próprio discernimento, seus próprios métodos e sua autoridade natural. É claro que, depois, ela responderá pelo que publicar. Mas o editor, ou seja, aquele que dá a palavra final, publique-se ou não, não deve estar abrigado no interior do Estado..

A justificativa dada pelos defensores das medidas judiciais de censura é a necessidade de evitar supostos abusos. Mas há leis para punir quem os comete. A própria existência dessa legislação já não funciona como freio a eventuais abusos da imprensa?

Uma democracia é regida por leis, e a imprensa não está à margem da lei. Mas não precisa de alguém que tome conta dela. Por essa lógica de que é preciso evitar abusos, a imprensa precisaria de uma espécie de pajem, alguém que a ajudasse a não cometer excessos. Se isso prevalecesse, a instituição da imprensa desapareceria, porque sua autonomia resultaria inteiramente revogada. A lógica contida nas decisões judiciais nos levaria a acreditar que a imprensa, em algumas situações, teria de perguntar a uma autoridade se aquilo pode ou não ser publicado. Isso fere de morte a razão pela qual a democracia precisa da imprensa. A democracia precisa da imprensa porque esta publica livremente informações e opiniões.



Como resolver o conflito entre direito à informação e direito à privacidade, ambos com abrigo na Constituição?

O conflito entre os direitos à informação e à privacidade é permanentemente posto. Ele não existe apenas quando um processo corre em segredo de Justiça. Existe em praticamente todas as apurações de maior vulto. Cabe aos jornalistas fazer os julgamentos e as avaliações necessárias para proteger o direito à privacidade, para não agredir pessoas, para não destroçar reputações. Quando a imprensa erra, algumas vezes resulta prejudicada a imagem de uma pessoa. E isso deve ser corrigido, deve ser reparado. Mas, num aprendizado democrático, os mecanismos que os jornalistas adotam para proteger a privacidade vão evoluindo, se aperfeiçoando, e a sociedade ganha com isso. Não é uma autoridade judicial que irá dizer quando e como um jornalista deve proteger a privacidade de quem quer que seja.



Quem tem de zelar pelo chamado sigilo de Justiça, o poder público ou a imprensa?

O compromisso da imprensa é com a sociedade, com o direito à informação do cidadão. De posse de uma informação de interesse público, o dever da imprensa é publicá-la. Da maneira mais correta, mais serena, mais precisa, mais respeitosa possível, mas publicá-la. É falta de razoabilidade supor que, a partir de agora, o compromisso da imprensa seria com os sigilos de Estado. Existem investigações sigilosas de diversas naturezas, e o compromisso com a preservação desse sigilo é dos agentes envolvidos no seu processamento. A imprensa existe justamente para publicar o que outros consideram segredos, segredos atrás dos quais podem se esconder ações que conspiram contra o interesse público. Imagine o que seria do jornalista, se ele não pudesse mais investigar e publicar segredos. O que é uma notícia senão um segredo revelado?



Como o senhor analisa o fato de, na maioria dos casos, a censura judicial ser determinada a pedido de políticos ou pessoas ligadas a eles?

Não disponho dessa estatística, mas ela não me surpreende. Estamos em uma situação em que um processo com sigilo de Justiça pode se converter em uma senha para que alguns se vejam protegidos da função investigativa da imprensa. Portanto seria uma vantagem, um privilégio, perante a imprensa, que alguém se protegesse sob o manto do sigilo de Justiça. É sintomático que quem reivindique essa condição sejam personagens que frequentemente entram em choque com a opinião pública ou com a expectativa de conduta transparente e limpa que a sociedade alimenta em relação a seus representantes.



O que o senhor achou dos argumentos expressos na decisão do desembargador Dácio Vieira a respeito do Estado?

Ele estabelece uma vedação à publicação de qualquer informação relacionada àquele que entrou com o pedido. Estabeleceu-se assim uma espécie de blindagem judicial. E me assusta a possibilidade de generalização dessa atitude. Vamos imaginar um país em que que seja proibida qualquer informação sobre qualquer pessoa que esteja sob investigação. O que seria desse país?

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Revelados detalhes do manual de torturas da CIA

Jornal da Globo 27/08/09

Unificação da polícias em debate em Brasília

Zero Hora 28/08/09

Mais de 2,7 mil policiais, guardas municipais e integrantes de organizações não-governamentais (ONGs) voltadas para a prevenção da violência estão imersos em discussões, em Brasília. A meta é mais que ambiciosa: traçar o futuro da segurança pública no Brasil.

Na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, que começou ontem e termina domingo, eles discutem temas mais do que controversos, como a unificação das polícias, a destinação de percentuais fixos da receita estadual à área da segurança (aos moldes da Lei Calmon para a área de educação) e a criação do Ministério da Segurança Pública.

– Estamos aqui para civilizar e democratizar a segurança. Policial não pode ser visto como inimigo, ele é o guardião da comunidade.

Essas foram as palavras usadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para definir a importância do encontro. Fiel ao seu estilo de improvisar, Lula colheu aplausos ao comparar a importância da segurança com a da pressão arterial. “Em momentos graves, ela sempre sobe na lista de preocupações dos brasileiros”.

Lula finalizou sua palestra com outra frase de efeito.

– Temos de parar de dizer que a polícia é corrupta e formar melhor os policiais. É para isso que estamos aqui debatendo, caramba – concluiu.

As propostas em debate surgiram de encontros realizados ao longo deste ano nos 514 municípios com mais de 200 mil habitantes existentes no Brasil. Desses debates foram retirados 377 diretrizes, que serão agora debatidas em Brasília pelos 2,7 mil participantes da conferência. Dos que têm direito a voto, 30% são representantes governamentais, 40% de ONGs e 30% de entidades representativas de policiais ou guardas.

– É como uma Constituinte do setor de segurança – compara a coordenadora da conferência, Regina Miki, ligada ao Ministério da Justiça.

Uma das propostas que incendeiam os debates é a de unificação das polícias Militar e Civil. Ela depende de reforma na Constituição Federal, que estabelece funções diferenciadas para essas duas forças policiais. Só com uma emenda no Congresso a mudança seria possível. A alternativa estudada pelos debatedores é propor total entrosamento das polícias, com a criação de um Sistema Único de Segurança Pública, uma espécie de conselho nacional a reunir e decidir de forma integrada as políticas de combate ao crime. Isso incluiria ação conjunta das corregedorias.

Outras propostas independem de mudança constitucional e podem ser adotadas pelos governantes. Conheça algumas:

1 Ministério da Segurança Pública – Seria a transformação da atual Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), subordinada ao Ministério da Justiça, num ministério. Encarada com simpatia pelos policiais, ela é questionada dentro do próprio governo, por achar que pode sobrepor funções já existentes.

2 Conselho de Fiscalização de Atividades Policiais e Penitenciárias – Funcionaria aos moldes do Conselho Nacional de Justiça. É quase certa sua aprovação.

3 Criar um Órgão Nacional de Estatísticas de Segurança – A proposta é do próprio Ministério da Justiça, mas depende de aprovação do plenário da conferência.

4 Percentuais fixos para segurança – 12% das receitas estaduais seriam destinadas à segurança, e 30% do Fundo Nacional de Segurança Pública seria direcionado aos municípios. A proposta é do Ministério da Justiça.

5 Escolaridade Superior para todos os policiais – É muito controversa. Apoiada por ONGs, é contestada por muitos policiais, por exigir demais de quem recebe baixos salários.

6 Conter a violência na mídia – Polêmica, a proposta de algumas ONGs é filtrar a veiculação de programas com excesso de cenas violentas. Essa espécie de triagem – ou censura – prévia seria feito por um conselho composto por especialistas em direitos humanos.

7 Tornozeleiras para presos dos regimes aberto e semiaberto – É quase consenso e poderá ter estímulo financeiro para adoção gradual pelos Estados.

8 Diminuição da maioridade penal para autores de crimes hediondos – Proposta por policiais, é rejeitada por defensores dos direitos humanos.

No domingo, as propostas mais votadas darão origem a um documento com 26 princípios e 40 diretrizes para a política nacional de segurança pública. Elas não terão força de lei, mas serão estimuladas pelo governo Lula e pelo Ministério da Justiça (que patrocina a conferência) por meio de verbas e auxílio técnico.

Lula pede fim do "jogo de empurra" na questão da segurança pública

Jornal do Brasil 28/08/09

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou, ontem, na abertura da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), o fim do "jogo de empurra" entre governos, estados, prefeitos e sociedade sobre o problema da segurança no país.

A segurança pública não deve ser tratada como "um cachorro com vários donos que morre de fome", afirmou o presidente.

- Nós, brasileiros, do presidente da República ao mais humilde dos brasileiros, passando pelos dirigentes deste país, todos nós precisamos assumir a responsabilidade de que a segurança pública é um problema de 190 milhões de brasileiros, dentre os quais, nós, que temos cargos públicos, temos que ter maior responsabilidade, porque nós gerimos os recursos e tomamos as decisões - afirmou Lula.

Ao destacar que a maioria dos criminosos é jovem, o presidente atacou os modelos econômicos adotados no passado, que, segundo ele, levaram parte da população à pobreza:

- Quando vejo um jovem sendo preso, fico pensando que quem deveria ser julgado são aqueles que, durante décadas, não permitiram que esse jovem tivesse oportunidade de estudar, de trabalhar - disse.

Assim que encerrou o discurso, Lula deixou a cerimônia para embarcar para Bariloche, na Argentina, onde participará do encontro da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Lula disse que irá à reunião da Unasul para "discutir a tranquilidade da nossa querida América Latina".

A instalação de bases militares norte-americanas na Colômbia é o principal foco de discordância entre os países e se soma ao armamentismo na região e a acordos firmados com potências extrarregionais.

Nem o espetáculo como punição?

Correio Braziliense 28/08/09

Caminhamos para uma situação de poucos controles, ou de controle nenhum. Resta o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que algo vai mal
Por Alon Feuerwerker


Há algo de desajustado num país quando os rumos da disputa pelo poder passam progressivamente à esfera da Justiça. Ontem, as atenções do mundo político estavam voltadas para o Supremo Tribunal Federal (STF), que decidia sobre aceitar ou não a denúncia do procurador-geral da República contra o deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Disso dependiam alguns caminhos da refrega eleitoral no ano que vem.

Mas não é só. Um punhado de governadores percorrem o mandato à espera da decisão final da Justiça, para saber se vão completar os quatro anos no cargo ou serão substituídos pelos adversários derrotados nas urnas. Verdade que há argumento jurídico a embasar a posse dos derrotados, tanto que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assim vem decidindo. Mas soa antinatural. Como explicar ao cidadão comum que quem ganhou a eleição simplesmente vai ser substituído pelo que perdeu? Não seria melhor então fazer outra eleição?

Por que se chegou ao atual estado de judicialização? Os otimistas dirão que é manifestação da crescente eficiência dos controles sobre os políticos. Já os pessimistas argumentarão que é sinal apenas de uma, cada vez maior, preferência dos políticos por hábitos que se chocam com o ordenamento legal. É possível que ambos — pessimistas e otimistas — estejam com alguma razão. Há uma forte pressão social para reforçar as amarras legais sobre as figuras públicas. E anda cada vez mais difícil achar um político que não esteja às voltas com alguma consequência de ter afrontado a lei.

Mas quem tem mais razão? Os pessimistas ou os otimistas? O senso comum supõe que é impossível o sujeito passar pelo poder e não ser alvejado por acusações, denúncias e processos. Mas o mesmo senso comum garante: a coisa mais difícil de achar é um político condenado em última instância por crimes cometidos no exercício do cargo.

Assim, o que resta à sociedade como forma de controle e punição é o espetáculo. E que só pode ser exercido na esfera da opinião pública. Algo que pode ser resumido assim: “Já que no final não vai dar em nada mesmo, vamos malhar o Judas aqui e agora. Talvez não saibamos por que estamos batendo, mas eles certamente saberão por que estão apanhando”.

Parece-lhe algo selvagem? Pois é. Assim se exerce no Brasil o controle social sobre a política (além do voto, claro): malhando os Judas. Daí a frustração com o desfecho, até agora, da crise do Senado. Como o cidadão sabe que no fim das contas os atos administrativos condenáveis devem ficar por isso mesmo, restar-lhe-ia a satisfação de ver o presidente da Casa, José Sarney, percorrer a via crucis do Conselho de Ética e de uma votação em plenário, com o sofrimento decorrente. Nem isso o eleitor vai ter. Os políticos festejam. Já os mais prudentes esperam para ver como será a reação da rua.

Os anos 1990 assistiram à construção de uma cultura política no país, cujo paradigma foi o impeachment do então presidente Fernando Collor. Associou-se a ideia de democracia ao poder dado à opinião pública para colocar freios e limites aos políticos. Mas, pelo abuso deste poder ou por cansaço, ou então pela emergência de um presidente da República suficientemente forte para se contrapor a essa hegemonia, o fato é que caminhamos para uma situação de poucos controles, ou de controle nenhum.

Controle nenhum é exagero. Resta o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que algo começa a ir mal.



No jogo

O STF reintroduziu ontem Antonio Palocci na disputa de cargos majoritários em 2010. Há dúvidas sobre o efeito do Caso Francenildo numa campanha. Como o eleitor reagirá a propaganda que explore o “drama do homem comum do povo que enfrentou os poderosos mas deu-se mal”?

Difícil prever com certeza. Até porque Palocci sempre terá a seu favor o argumento de que, afinal, a Justiça concluiu que ele nada teve a ver com a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo.

Meu palpite? Se Palocci for mesmo candidato em 2010, isso não terá qualquer efeito no resultado da disputa.

Revelados métodos da CIA

Estado de Minas 28/09/08

Washington – A alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Navi Pillay, defendeu ontem que as investigações sobre supostos abusos da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) contra presos cheguem aos escalões políticos mais elevados. A primeira descrição detalhada de como os chamados "prisioneiros de grande importância" eram interrogados surgiu a partir de dezenas de documentos revelados esta semana. O conteúdo é alarmante.
Nos interrogatórios, agentes da CIA forçavam os suspeitos de terrorismo a ficar de pé, nus, durante vários dias sem dormir. Podiam dar tapas, forçar os presos a assumir posições incômodas e mantê-los acordados por 11 dias consecutivos.

Uma outra alternativa era manter o detento em uma caixa preta durante dias, com a possibilidade de ter que conviver com insetos.

Quando tudo isso falhava, restava o "submarino": os interrogadores amarravam o preso num banco, enfiavam trapos em sua boca e nariz e jogavam água em sua cara. Khalid Sheikh Mohammed, por exemplo, mentor dos atentados de 2001, passou por essa técnica de tortura 183 vezes.

A história da investigação criminal

Estado de Minas 28/08/09

João Marques Brandão Néto
Procurador da República

A lei brasileira nem sempre consegue revogar o costume. Um deles que a lei não conseguiu revogar é chamar o Ministério Público, nos processos judiciais, de Justiça pública. Não que exista uma Justiça privada, mas é que, por longo tempo, no Brasil, o juiz presidiu a investigação. A história da investigação criminal entre nós talvez comece com as Ordenações Afonsinas (1456). Talvez, porque desde o século 12 o rei legislava em Portugal. Mas o detalhamento da investigação criminal chegou até nós e ficou por mais tempo nas Ordenações Filipinas (1603). Quando em vigor, a investigação criminal se limitava, basicamente, à audiência de testemunhas. Essa investigação criminal, que hoje chamamos inquérito, então se chamava “devassa”. As devassas eram conduzidas pelos juízes (Livro 1, título 65, itens 31 a 72), que podiam ser “de fora” (nomeados pelo rei) ou “ordinários” (eleitos por homens bons moradores de um determinado “concelho”).

Com a declaração de independência do país, diversas medidas processuais foram tomadas e, numa delas, já se fez a separação entre investigação e processo: o ato 81, de 2 de abril de 1824, impediu que o juiz da devassa julgasse a causa. Mas a consolidação das mudanças ocorridas no processo penal, depois da independência, se deu com o Código de Processo Criminal de 1832, que também inovou – não muito – a investigação criminal. O inquérito policial, então chamado corpo de delito, era feito pelo juiz de paz (art. 12). Mas havia muita confusão na parte que estipulava quem podia fazer a acusação: ora a Justiça, ora o promotor (Código Criminal do Império, 1831, art. 312), ora o acusador privado (Regulamento 120, de 31 de janeiro de 1842, artigos 337 a 339).

Até 1841, portanto, a investigação criminal era feita por juízes: juízes ordinários, na vigência das ordenações, e juiz de paz, de 1832 a 1841. Em 1841, é que os chefes de polícia e seus delegados também passam a fazer investigação. Note-se que é aí que surge a expressão “delegado”, ou seja, o que recebe delegação do chefe de polícia. Mesmo assim, só os desembargadores e os juízes de direito podiam ser chefes de polícia; e só os juízes e cidadãos podiam ser delegados e subdelegados (todos amovíveis e obrigados a aceitar o encargo – Lei 261/1841, art. 2º). Mas a Lei 261 mantinha atribuições policiais com os juízes municipais (art. 17, parágrafo 2º).

A polícia judiciária é criada no Brasil em 1842 (Regulamento 120). Mas a investigação continua a se chamar “auto de corpo de delito” e “formação da culpa” (art. 198) e pode ser conduzida pela polícia ou pelos juízes municipais (art. 262). O inquérito policial, com a conformação mais próxima da que hoje é conhecida, surge no Brasil em 1871 (Decreto 4.824). Sua definição aparece no art. 42, era atribuição da polícia, mas as autoridades judiciárias poderiam nele interferir. Ou seja: continuava a não ser monopólio da polícia e, sim, do Judiciário. Mesmo assim, seu destinatário era o promotor público (art.44), também considerado uma autoridade judiciária.

Com a proclamação da República, cada estado passou a ter sua legislação processual penal. De 1891 a 1941, vigoraram os códigos processuais dos estados, mas Almeida Júnior, em livro de 1911, sempre se reporta às disposições do Código de Processo Criminal de 1832 e leis e decretos que o modificaram, quando escreve já no período republicano. Em 1941, entrou em vigor o atual Código de Processo Penal. Sua espinha dorsal ainda guarda muita semelhança com a legislação processual do Império. O inquérito policial é dirigido pela polícia, mas o destinatário é o juiz (art. 10, parágrafo 1º). Só com a Constituição de 1988, que consagra o monopólio da ação penal pelo Ministério Público (art. 129, I), é que começa a ocorrer uma desjudicialização dos procedimentos investigatórios. Talvez por isso é que, quando se pensa num Ministério Público investigativo, se imagine a figura de um magistrado fazendo diligências policiais. Mas é mera ilusão ótica, causada por um passado que se caracterizou pela investigação sendo conduzida ou controlada pelos juízes, pois quem acusa e é parte, por óbvio, pode e deve participar da coleta de provas.

Acordo e laicidade

Estado de Minas 28/08/09
Incontáveis são os serviços prestados pela Igreja à sociedade brasileira
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

A discussão para aprovação do Acordo Brasil-Santa Sé no Congresso Nacional, como ocorreu na noite de quarta-feira, na Câmara dos Deputados, permite debates e reflexões que revelam sua qualificação. Aquela qualificação esperada pelo povo, por direito e por necessidade. A revelação dessa qualificação se dá pela via da interpretação, materializada nos discursos e argumentações, para gerar compreensão e ordenamentos jurídicos e legislativos que favoreçam a comunidade humana no seu conjunto e no atendimento de suas necessidades.

A qualidade no exercício da função legislativa se mede pela capacidade de interpretação – com a consequente lucidez para abrir caminhos e alargar horizontes. Esta é uma tarefa exigente porquanto todo processo interpretativo está emoldurado de perspectivas e matizes ideológicos de toda ordem. São determinantes os princípios éticos e morais, os valores e as referências históricas, sociais e culturais. Caso contrário, corre-se o sério risco de um processo interpretativo viciado e estreito fazendo escorregar na direção de fisiologismos e posturas cartoriais nefastas para o bem comum.

O debate em questão revelou muito desse âmbito. Aspectos vários estão presentes no campo das interpretações, até mesmo quando se trocava acordo por concordata. O governo brasileiro e a Santa Sé escolheram o caminho do acordo exatamente para não permitir toda e qualquer confusão ou entendimento inadequado quanto ao ponto de honra que é o respeito, distinção e autonomia entre Igreja e Estado, especialmente quanto à laicidade da nação. A discussão gravitou em torno da constitucionalidade da aprovação do acordo nos aspectos das considerações e entendimentos sobre a laicidade do Estado. Escapa, lamentavelmente, muitas vezes que o acordo é a documentação de um correto e adequado relacionamento Estado-Igreja.

Neste caso, trata-se da consolidação, pelo reconhecimento do estatuto jurídico da Igreja, de posições já estabelecidas em vários setores do organismo político-jurídico brasileiro. O acordo, portanto, na condição histórica da Igreja Católica no Brasil, é um pacto que compendia e consolida normas esparsas, às vezes, de conteúdo consuetudinário, num todo orgânico e acessível. Esse encaminhamento nada tem a ver, pois, com entendimentos que apontam privilégios para uma determinada confissão religiosa em detrimento de outras. Não se pode contestar a presença histórica e secular consolidada e os serviços prestados à vida pela Igreja Católica. Serviços incontáveis nestes cinco séculos na sociedade brasileira.

Esta presença se desdobra em argumentos e convicção sobre a importância, direito e necessidade da proposição que a Igreja, por meio do seu órgão máximo de governo, a Santa Sé, encaminha como garantia de um relacionamento saudável e respeitoso entre instituições que servem ao povo e se comprometem com o bem comum. A liberdade religiosa individual, prevista e respeitada pela Constituição brasileira, não pode significar um simples nivelamento na consideração de confissões religiosas. Também não é a liberdade religiosa um simples sinônimo e garantia de condições igualitárias em se tratando da confessionalidade da fé, com suas práticas, seus instituídos e a instituição daí decorrente.

Quando se aborda a questão da laicidade do Estado, não se pode desconsiderar as características de respeitabilidade histórica, social e cultural que a vivência da fé escreve e inscreve na história de um povo. Não se pode cometer o desatino de nivelamentos que igualam condições, situações e prerrogativas apenas por se dizer que é um novo modo, até sem raízes, de se viver a fé. Tal como os procedimentos que fazem da fé um simples mercado mais do que serviço à vida, ou coloca o dinheiro como símbolo do sucesso no lugar de Deus, a escolha na contramão da espiritualidade do discípulo de Jesus Cristo, em se tratando da fé cristã. É importante observar o equívoco do entendimento que considera a laicidade do Estado como prerrogativa que o torna incompatível de acordo com uma instituição, enraizada religiosamente numa profissão de fé, como a Igreja Católica.

Mesmo quando esta instituição, na vivência de sua fé, por seus serviços, presta benefícios que o próprio Estado realiza. E, muitas vezes, não conseguiria prestar sem a presença solidária e comprometida, por esta mesma fé, pela ação múltipla dessa instituição. É preciso lembrar sempre a significativa presença da Igreja Católica no mundo da educação, da saúde, da promoção social, da conscientização cidadã, na vida do povo, especialmente dos pobres e no sustento da vida e de seu sentido. Com o acordo são respeitadas as indispensáveis garantias jurídicas para a Igrejas e se consolidam ganhos para o Estado na execução fiel de suas tarefas e serviços para o bem comum.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Jornal Nacional

Jornal Nacional

Arnaldo Jabor

Isso, sim, é Estado

Folha de São Paulo 27/08/09

ELIANE CANTANHÊDE

BRASÍLIA - Nunca antes neste país se viu crise de tamanha proporção na Receita Federal. O que as dezenas de "renunciantes" reclamam é da ingerência política num órgão essencialmente técnico. De Estado, não do governo de plantão.

Na Petrobras, onde há histórias mal contadas e contas mal somadas, o corporativismo não se armou para defender a empresa de ingerências externas e partidárias. Ao contrário, sucumbiu a elas, numa simbiose que gerou todo um aparato para reações iradas -não contra os que querem tomá-la de assalto, mas contra os que os denunciam.

No Banco do Brasil, houve uma guerra surda entre funcionários de carreira e sindicalistas oportunistas, e o governo foi obrigado a desocupar o que tinha ocupado indevidamente: praticamente todas as diretorias e todas as chefias de órgãos e fundações vinculados. O final foi favorável. Por enquanto...

A Receita não repete a Petrobras nem o BB. Nem prevalece o corporativismo partidário, nem guerras surdas. A reação é pública e faz barulho. O que vale não é a voz do partido, da conveniência pessoal, do oportunismo político, do amém a tudo o que seu mestre mandar lá do Planalto e que sua mestra mandar lá do palanque. O interesse público prevalece sobre o partidário.

Só isso justifica que quadros dentre o que há de melhor na administração pública abdiquem de cargos, títulos, vantagens e digam um sonoro "não". Uma Lina Vieira sozinha não seria capaz de tanto. Uma corporação sólida e invulnerável a "patrões" provisórios é.

É isso o que se espera de um país sério e democrático. Que seus funcionários não apenas estejam acima de qualquer suspeita e que a máquina de fiscalização e eventual punição esteja azeitada mas que tenham consciência do seu papel e não se deixem subjugar.

A Receita se transforma num paralelo com empresas estatais e com o Congresso. No Senado, pode tudo. Na Receita não. Ali não se revoga o que é irrevogável.

Visão desfocada

Estado de São Paulo 27/08/09

Luiz Eduardo Rocha Paiva

O acordo para a utilização de bases na Colômbia pelos EUA ganhou espaço nas últimas semanas, pela repercussão nas relações internacionais no continente. Em termos de ameaça ao Brasil, o governo incomodou-se com a visão apenas da ponta do iceberg. Um acordo que estabelece o limite de 800 militares e 600 civis para a presença norte-americana em sete bases colombianas, distantes da fronteira com o Brasil, seria uma real ameaça? Ou apenas parte dela? Existem campos de pouso em outros vizinhos, inclusive no Paraguai, onde os EUA têm condições de montar bases de operações em poucos dias.

Por que o governo não vê ameaça na existência de dezenas de imensas terras indígenas na faixa de fronteiras, criadas pelo Brasil sob pressão internacional e onde o índio é liderado por ONGs estrangeiras financiadas por potências alienígenas, inclusive os EUA? Organismos internacionais, ONGs e líderes mundiais não veem o índio como cidadão brasileiro e defendem a autonomia de suas terras com base na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, aprovada pela ONU com voto favorável do Brasil.

A pressão internacional no âmbito político, econômico e psicossocial é que concretiza a verdadeira ameaça que, aos poucos, vai nos impondo a soberania limitada na Amazônia. A Nação e suas lideranças assistem passivamente a esse processo, demonstrando não estar à altura das gerações que nos legaram, com inteligência e sacrifício, o país-continente que herdamos. A soberania limitada será exercida pela imposição de diretrizes e pelo uso privilegiado dos recursos da Amazônia, deixando-nos o ônus da administração sob fiscalização estrangeira. Não implica a conquista militar de toda a região, basta controlar uma área de capital importância, em qualquer parte do Brasil, e usá-la como moeda de troca caso o País desperte e passe a resistir àquela pressão.

Segurança nacional não é calcada apenas no poder militar, como ficou provado na desintegração da URSS. Se o Brasil insistir em suas equivocadas políticas e estratégias de ocupação, desenvolvimento, preservação e integração da Amazônia, não adiantará dispor de Forças Armadas potentes, pois as condições objetivas para a imposição da soberania limitada estarão concretizadas em alguns anos. Quem analisar a perda do Acre pela Bolívia e a comparar com a evolução da questão indígena no Brasil, desde o início dos anos 90, perceberá a analogia entre os dois históricos. A China, ao contrário da Bolívia no Acre e do Brasil nas terras indígenas, neutralizou o separatismo da etnia uigur, na província Xinjiang, mediante sua ocupação com a etnia han (chinesa), hoje predominante na região.

Quanto às bases, do ponto de vista militar, as direções estratégicas que partem da Colômbia não são tão favoráveis quanto as oriundas do Atlântico que incidem na Amazônia brasileira através da região guianense. Em termos geográficos, as últimas evitam os Andes, são apoiadas por mar, não dependem tanto do apoio aéreo e estão diretamente orientadas para regiões de capital importância, como a foz do Rio Amazonas, Belém, Boa Vista e Manaus. Em termos políticos, há vínculos atuais e históricos das Guianas com as antigas metrópoles europeias, não ibéricas, interessadas nos recursos da Amazônia, grandes financiadoras de ONGs e aliadas dos EUA na Otan.

A reação brasileira no episódio das bases, ainda que impedisse a concretização do acordo entre a Colômbia e os EUA, pouco contribuiria para a segurança da Amazônia. Nas relações internacionais, o poder do mais forte é empregado sempre que estão em jogo interesses importantes ou vitais. Se a opção militar for necessária para resolver o conflito, uma potência empregará suas Forças Armadas desde que o oponente e seus possíveis aliados não tenham capacidade de dissuasão. Assim foi com os EUA nos Bálcãs e está sendo no Oriente Médio e na Ásia Central.

A visão dos governos brasileiros tem sido desfocada do essencial em termos de segurança nacional, levando-os a graves erros estratégicos por não perceberem que diplomacia e defesa têm por obrigação antever e se preparar para enfrentar uma ameaça quando ela ainda está no horizonte do "possível", pois se esperarem que se torne "provável" será tarde demais para neutralizá-la; e que política externa é diplomacia e defesa. Por isso, o setor militar deve ocupar um espaço no núcleo decisório do Estado, no mesmo nível da diplomacia, como foi no passado. O Barão do Rio Branco, um dos maiores diplomatas e estadistas brasileiros, disse: "Não se pode ser pacífico sem ser forte."

O desequilíbrio entre os campos do poder nacional, com perigosa indigência militar e científico-tecnológica, e, no campo psicossocial, a lamentável decadência moral da Nação tornam o País vulnerável, ainda que se projete como potência econômica. Os recursos nacionais, num mundo ávido por energia, ganham importância para os EUA por estarem em sua área de influência, na medida em que sua obtenção fica mais dispendiosa e incerta em outras regiões do globo.

Por tudo isso, manifestar preocupação com a soberania na Amazônia por causa das bases colombianas é supervalorizar o periférico em detrimento do fundamental. Revela a falta de percepção do que é nossa real ameaça e passa uma imagem de ator terceiro-mundista a reboque do líder bolivariano e de seus aliados - Equador e Bolívia -, três grandes óbices à integração regional. O governo não se manifestou quando o presidente Hugo Chávez propôs à Rússia instalar bases na Venezuela, em sua recente visita àquela potência, como noticiou a imprensa nacional. A política externa brasileira caracteriza-se pelos "dois pesos e duas medidas" e pelo alinhamento a projetos socialistas radicais do Foro de São Paulo para a América Latina.

Ao Brasil faltaram foco e independência ideológica no episódio das bases. E faltam civismo, educação e estadistas para liderar o bloco regional.

Luiz Eduardo Rocha Paiva, general da reserva, foi comandante e é professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

Documento da CIA traz detalhes sobre interrogatórios

Jornal do Brasil 27/08/09

Impedir um preso de dormir, dar-lhe “tapas insultuosos”, lançar jatos d’água e bater a cabeça na parede eram técnicas usadas por interrogadores da CIA para quebrar a resistência de suspeitos de terrorismo, segundo um memorando da agência americana de inteligência.

O documento foi submetido em 30 de dezembro de 2004 ao Departamento de Assessoria Jurídica do Departamento de Justiça, e liberado na segunda-feira graças a uma ação movida pelas entidades Anistia Internacional e União Americana das Liberdades Civis, com base na Lei da Liberdade de Informação.

O secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, nomeou na segunda-eira um promotor especial para investigar abusos contra presos cometidos pela CIA.

A decisão, que pode causar problemas jurídicos para o presidente Barack Obama, ocorre depois de um comitê de ética do Departamento de Justiça sugerir que agentes ou contratados da CIA poderiam ser processados por extrapolarem limites aceitos durante interrogatórios realizados no Iraque e Afeganistão.

“A meta do interrogatório é criar um estado de conhecida impotência e dependência que conduza à coleta de informação”, informa o memorando, que delineia procedimentos adotados contra líderes da Al Qaeda enviados a prisões secretas da CIA.

O documento teve sua existência revelada pelo jornal The Washington Post.

Uma vez interrogado, um “tapa insultuoso” poderia ser dado na sua cara, como forma de correção. O memorando acrescentava que a técnica chamada de “walling” (“emparedamento”, ou bater a cabeça do preso na parede) seria especialmente eficaz.

Funcionários da CIA disseram ainda que tais técnicas violentas eram reservadas a um pequeno grupo de suspeitos de alto escalão, supostamente ligados aos atentados de 11 de setembro de 2001, disse o Post.

Membros do governo Bush, especialmente o ex-vice-presidente Dick Cheney, defendem esse tipo de prática, dizendo que ela não constituía uma forma de tortura e resultava na obtenção de informações que evitaram ataques e salvaram vidas.

Entre as técnicas, impedir um preso de dormir, dar-lhe tapas e bater sua cabeça na parede

A revoada na Receita

Esgtado de Minas 27/08/09
Afastamento de chefes do Fisco federal é crise da má ingerência da política

Por mais que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tente minimizar, a rebelião de chefias na Secretaria da Receita Federal do Brasil, a reação de funcionários graduados de uma das mais sisudas carreiras do serviço público brasileiro é importante. Afinal, a demissão de 12 ocupantes dos postos mais altos da direção da Receita (EM, Política, 26/8) não se deu por mera rotina administrativa. Veio em sequência a uma demonstração de inconformismo pelo fato de a demissão da secretária Lina Vieira ter obedecido a motivos que passam longe das razões técnicas e profissionais, já que se trata de funcionária que vinha cumprindo longa e reconhecida carreira na nada risonha tarefa da fiscalização de tributos federais. A rebelião e todo o clima que ainda vive aquele importante setor do serviço público federal se deveu a mais uma tentativa, desta vez fracassada, do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de aparelhar e interferir em todos os compartimentos estratégicos da máquina estatal.

Foi, aliás, o próprio Mantega quem tinha conduzido a mineira Lina Vieira ao topo da Receita Federal. Era a ponta de um plano de afastar todo o comando do órgão que ainda guardava relação com ex-ministro petista Antonio Palocci. Este nunca escondeu que optara por manter a maior parte da equipe do governo anterior, por confiar na capacidade técnica dos quadros que serviram ao governo tucano. A demissão de Lina Vieira nunca teve seus motivos oficialmente declarados, mas é voz corrente nos corredores do poder em Brasília que ela teria desagradado ao Planalto ao não contemporizar nem esconder discordâncias de uma auditoria de sua repartição com procedimentos contábeis usados pela Petrobras para escapar do pagamento de R$ 4 bilhões dos tributos a que estaria sujeita. O mal-estar se deu em mau momento político, já que a estatal do petróleo estava sob os holofotes da luta da oposição para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra ela no Senado Federal. Até então, o episódio da reunião da ex-secretária da Receita com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, não tinha vindo à tona.

Função que depende de total independência operacional e autonomia administrativa, o combate à sonegação de tributos está entre os pontos de maior sensibilidade a eventuais investidas do interesse político partidário sobre suas atividades. E o que importa neste caso é que os funcionários rebelados tornaram pública, sob todos os riscos de perseguição interna, a rejeição ao que consideraram condenável intromissão política no órgão. Não é caso isolado. De fato, o aparelhamento de órgãos da administração federal, com a sistemática acomodação de apadrinhados políticos ou ocupação de franjas do poder pela companheirada sindicalista, nem sempre preparada, tem sido uma constante. Um bom exemplo de desastre provocado por esse modelo inadequado de gestão é o da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), estruturada no governo Lula a partir de uma diretoria incompatível com a função do órgão. Foi preciso haver o caos aéreo de 2007 para a profissionalização da agência, hoje um modelo de defesa do usuário do serviço público sob concessão. Como o da Anac, são inúmeros os exemplos de ingerência política e aparelhamento de órgãos importantes para a administração pública e para a vida do cidadão. É pena que a reação na Receita e as mudanças na Anac sejam apenas exceções.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Jornal Nacional

O desafio da patente

Estado de Minas 26/08/09

Apesar de o Brasil ser pioneiro em propriedade industrial, ainda é incapaz de transformar sua produção científica em tecnologia e desenvolvimento
Sonia Regina Federman - Examinadora de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), doutora em engenharia metalúrgica e de minas pela UFMG, engenheira química

O Brasil já ocupou lugar de destaque no ramo da propriedade industrial. Em 1809, o príncipe-regente dom João VI levou o país a ser o quarto no mundo a ter a própria lei de patentes. Apesar do feito histórico, em 2007, com 385 pedidos, ele estava atrás da China (4.422), Índia (2.387) e Rússia (547), seus parceiros no Bric, no quesito depósito de patentes no escritório dos Estados Unidos. De forma contrastante com essa fraca atuação na área da propriedade industrial, o Brasil foi responsável por 1,99% dos artigos publicados em periódicos científicos internacionais, com 19.436 artigos editados em 2007. É incontestável o descompasso entre o número de patentes nacionais depositadas nos EUA e o número de artigos publicados.

Por que depositar patentes? Por que essa cobrança nacional pela proteção da tecnologia? Por várias razões. Uma delas é que a patente é uma ferramenta estratégica de conquista mercadológica; outra é que permite a avaliação do nível de competitividade dos concorrentes e possíveis parceiros, além de garantir o direito de lutar por sua autoria em caso de cópia indevida. Normalmente, as pessoas se desculpam com frases do tipo “É muito complicado e burocrático”, “Todo mundo copia” e “Ninguém respeita patentes no Brasil”. Qual o motivo dessas desculpas? Quando não entendemos um assunto – e para compreendê-lo precisamos dispor de tempo extra e vontade –, a tendência é arranjá-las.

Não é verdade que ninguém respeite patente no Brasil. Que o diga empresas do porte da Vale, Usiminas, Petrobras, sem contar com inúmeros depositantes estrangeiros do nível da LG, Mitsubishi, Johnson & Johnson e outras. Uma outra explicação para o baixo número de depósitos nacionais nos EUA pode ser devido à redação da patente, que alguns consideram difícil. Tomando como exemplo o que ocorre na academia, os pesquisadores já estão acostumados a redigir artigos para periódicos nacionais e internacionais. No caso da patente, o que ocorre muitas vezes é o desconhecimento do assunto, uma vez que sua formatação é relativamente simples e parecida com a dos papers. A diferença é que no paper o foco é a pesquisa, e, na patente, uma descrição técnica, que teoricamente está em condições de ser industrializada.

O desconhecimento nessa área chega a ponto de confundir-se patente com marca, dois tipos de proteção completamente distintos. De forma bem simplista, a patente é a proteção de um produto ou processo passível de industrialização, enquanto a marca é o nome pelo qual o produto é conhecido. Para a concessão da patente, é imprescindível que ela atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Um outro aspecto que inibe o inventor nacional é o receio de descrever a invenção detalhadamente de modo que ela possa ser reproduzida por um técnico no assunto. Nesse receio, ele procura omitir informações imprescindíveis à definição da invenção, supondo que assim estará se protegendo.

A patente é um compromisso entre o governo e o inventor: de um lado, o Estado garante a exclusividade durante a vigência da patente e, por outro, o inventor descreve a invenção de forma a permitir sua reprodução pela sociedade, depois de sua vigência. Comparando a patente com um contrato, se as cláusulas contratuais estiverem imprecisas e indefinidas, com certeza, surgirão questionamentos. Paralelamente, se a patente não estiver suficientemente descrita, ela não poderá ser reproduzida e, consequentemente, não será concedida. A patente não é nenhum bicho de sete cabeças e pode se transformar em uma aliada útil e interessante tanto para o pesquisador quanto para o empresário, habituados a enfrentar desafios acadêmicos, técnicos e financeiros muito maiores e complexos que a redação de um pedido de patente.

Apesar de o Brasil ter sido um dos ícones no início da propriedade industrial mundial, ainda é incapaz de transformar sua produção científica em tecnologia e desenvolvimento. Quando se trata de proteger o conhecimento tecnológico e, sobretudo, manter o respeito das nações sabidamente detentoras de tecnologia de ponta, a célebre frase “O que é bom para os EUA (e Japão, China, Índia, Rússia e outros) é bom para o Brasil” é verdadeira. É notório entre as potências tecnológicas que o nosso país tem tanto capacidade científica quanto tecnológica, mas, infelizmente – para nós –, também é flagrante sua dificuldade na geração de desenvolvimento a partir do conhecimento obtido, na maioria das vezes, com recursos governamentais. A posição brasileira no ranking dos países geradores de patentes nos EUA só mudará quando seguirmos o exemplo de China, Índia, Rússia, Japão, Coreia e outros, ou seja, quando protegermos a tecnologia nacional. O Brasil não pode mais se contentar em ser um mero exportador de commodities.

Economia da ecologia

Estado de Minas 26/08/09
José Renato de Castro Cesar - Professor universitário (Face-Fumec), integrante da Academia Mineira de Hagiologia

O modelo minero-industrial e agrossilvopecuário do Brasil é anti-humanista. Os pequenos mineradores, pecuaristas e agricultores, indígenas, seringueiros, trabalhadores rurais sem terra, barranqueiros e afins nunca representaram os fatores e os critérios do desenvolvimento local. Não existe um projeto nacional para o planejamento territorial dos pequenos empresários. Não existe gestão de microbacias, nem fiscalização. O que há é conversa fiada de político corrupto e o mando dos poderosos. Não existe coragem do governante para realizar a reforma agrária.

O que vale na equação absurda do modelo desenvolvimentista nacional é o grande capital e as commodities para exportação. Os ruralistas sabem bem disso e só conseguem aprovar seus projetos e tomar créditos no Banco do Brasil com base na influência e nas relações fiduciárias. As linhas de crédito populares, no Brasil, são um labirinto de suplícios, martírios e humilhações para os pequenos e microprodutores sem estudo básico de primeiro e segundo graus. E, ainda, pagam juros exorbitantes por não oferecerem garantias reais. Esse atraso nas políticas de crédito subsidiado na educação técnica e na saúde das famílias rurais brasileiras está custando à nação o seu salto para o futuro. Os recursos que deveriam ser aplicados aí foram desviados para pagar vereadores, prefeitos, deputados, senadores, ministros e grupos de pseudoempresários que fraudam a nação. Uma infâmia que não termina nunca.

Como dar um basta nisso tudo, senão por via política? É preciso enxergar que a República brasileira nasceu fraudada e, agora, com as falcatruas dos atos secretos do Senado Federal, faliu de vez. Os ruralistas latifundiários, por sua vez, janotas educados, descendentes de barões, não querem (e nunca quiseram) fiscalização, leis ambientais e, tampouco, ações de planejamento em suas terras. Não querem leis que os coíbam ecologicamente. Não entendem de lavoura e não ouvem os técnicos – são imediatistas. Querem o fluxo desordenado de turistas e de capital entrando e o êxodo rural saindo de seus pretensos “arranjos produtivos locais” (verdadeiros feudos). Não respeitam a terra e desprezam os frutos nativos, suas árvores e nascentes. Do outro lado, o governo federal, com suas agências e seus parceiros privados, ganha poder e dinheiro à custa dos pequenos e pobres trabalhadores assalariados e de empreendedores que, escravos da burocracia, lutam pelo sucesso, mas têm contra o governo, cada vez mais imóvel e corporativista – um absurdo inominável. Eis a desordem socialista: a anarquia inconsequente, que deixa ao deus-dará a política, a economia e a indústria.

A economia da ecologia mede as ações das empresas, do homem e da comunidade, em valores econômicos, sociais e ambientais, para avaliar o bem-estar e a qualidade de vida dos seus empreendimentos. Dá uma visão do impacto dessas atitudes e ações. O exemplo que o Brasil passa ao mundo, ao ocupar seu espaço natural, se torna um desafio antropológico, permeado de contradições históricas. A matriz do pensamento que engendra a economia nacional é europeia. É uma matriz alienada diante do consumo e do vale-tudo institucional (Popper & Condry, 1993). Tem na TV o seu fator de alienação implacável, iludindo crianças e jovens e formando adultos frágeis, descrentes e desesperançados; cansados e sem vontade de pensar e de lutar pelas mudanças que constroem um país livre e vitorioso.

Nova distribuição da pesquisa no Brasil

Folha de São Paulo 26/08/09
O mais recente censo da produção científica no país confirma a tendência de crescimento no número de estudos realizados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste


O mapa da produção científica brasileira está mudando. Segundo o mais recente censo do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, ligado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre 2006 e 2008, houve um crescimento no número de pesquisas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que aponta uma descentralização da produção do conhecimento. A participação conjunta das três regiões, em relação a 2006, passou de 26% para 28% (ver gráfico ao lado). Em 1993, quando o levantamento começou a ser feito, o Sudeste detinha 68,5% dos grupos de pesquisa registrados. Em 2008, esse índice caiu para 48,8%.

O diretor de Programas Horizontais e Instrumentais do CNPq, José Roberto Drugowich, explica que essa tendência se deve ao fato de que, no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, os investimentos ocorreram mais tarde. “Por determinação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o CNPq tem destinado, nos últimos anos, um mínimo de 30% dos recursos para projetos dessas três regiões. Com isso, temos garantido a expansão dos grupos de pesquisa nesses locais, sem deixar de ampliar o investimento nos grupos de excelência das regiões Sul e Sudeste, muitos dos quais têm hoje nível internacional.”

Já o Distrito Federal, representado pelas Universidades de Brasília (UnB) e Católica (UCB), perdeu posições no ranking: caiu do nono lugar, em 2006, para o 12º, em 2008. Apesar da queda, a UnB apresentou aumento no número de grupos de pesquisas, pesquisadores e doutores. Já a UCB amarga com a perda no número de projetos, assim como no de pesquisadores e doutores. A professora Adelaide Figueiredo, pró-reitora de pós-graduação e pesquisa da Católica, justifica o desempenho mais fraco em função da Reestruturação e Expansão das Universidades Pública Federais (Reuni), que abriu vagas nas instituições federais. “Muitos dos nossos doutores e pesquisadores fizeram concurso e optaram pelas universidades públicas”, diz.



Mulheres

Outro dado que demonstra a mudança no cenário do conhecimento é o aumento de pesquisadoras. De acordo com o censo 2008, as mulheres já são 51% dos cientistas envolvidos em pesquisas. Para ser ter uma ideia, em 1993, para cada grupo de 100 pesquisadores, apenas 39 eram mulheres.

O censo é uma espécie de radiografia atualizada da ciência brasileira, elaborado a partir de informações dos grupos de pesquisa, sua distribuição geográfica, linhas de pesquisa, bem como a produção científica, tecnológica e artística dos pesquisadores e estudantes. Esse mapeamento é feito a cada dois anos, por meio do Diretório dos Grupos de Pesquisa, onde está representada a comunidade científica.

Os dados sobre os recursos humanos que constituem os grupos, linhas de pesquisa, especialidades do conhecimento, setores de atividade, produção de C&T e padrões de interação dos grupos com o setor produtivo ficam armazenados nesse diretório. Quando o censo é realizado, toda a comunidade científica cadastrada é convocada a atualizar as informações, que são processadas e apresentadas. Ao fim, isso mostra um panorama sobre a capacidade de pesquisa no Brasil.

Participaram do censo 2008 422 instituições, registrando 22.797 grupos de pesquisas, compostos por mais de 104 mil pesquisadores, sendo 66.785 doutores (60% do total). Em relação às linhas de pesquisas, 86.075 foram registradas, quase 10 mil a mais que as registradas no levantamento de 2006. As áreas de medicina, educação e agronomia continuam sendo as três maiores em número de linhas de pesquisas. Já as engenharias, as ciências da computação e as humanas foram as que tiveram maior número de pesquisas.

Ação da CIA salvou vidas, diz Cheney

Estado de São Paulo 26/08/09

Ex-vice-presidente defende técnicas de interrogatório do governo Bush

WP, NYT, Efe, WASHINGTON

O ex-vice-presidente dos EUA Dick Cheney defendeu ontem as técnicas usadas pela CIA nos interrogatórios de suspeitos de terrorismo durante o governo do ex-presidente George W. Bush. Para Cheney, essas ações permitiram "salvar vidas".

Em comunicado, o ex-vice-presidente americano afirmou que os documentos divulgados na segunda-feira sobre os abusos cometidos por agentes da CIA em alguns interrogatórios mostram que as pessoas submetidas ao que ele chama de "técnicas refinadas de interrogatório" deram a maior parte da informação de inteligência sobre a Al-Qaeda.

"Essas informações salvaram vidas e preveniram atentados terroristas", disse Cheney. Ele acrescentou que os detidos "também tiveram papel em quase todas as detenções de membros e associados da Al-Qaeda desde 2002".

Na segunda-feira, foi divulgado um novo relatório de 2004 que revelou que a CIA intimidou com pistolas e furadeiras elétricas suspeitos de terrorismo submetidos a interrogatório, além de ter ameaçado assassinar as famílias dos interrogados.

No mesmo dia, o secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, anunciou a nomeação de um promotor especial para investigar os abusos cometidos por agentes da CIA e por funcionários terceirizados contratados pelo governo. A investigação deverá determinar se há evidências suficientes para que sejam abertos processos criminais contra os responsáveis.

Na semana passada, em outra tentativa de mudar a imagem do governo americano, Obama ordenou a criação de uma unidade especial para os interrogatórios. O grupo será subordinado ao FBI e supervisionado pelo Conselho Nacional de Segurança e da Casa Branca, o que tira da CIA o comando dos interrogatórios.


PROTESTOS

Para Cheney, a decisão de Holder de investigar agentes federais levantará dúvidas sobre a capacidade do governo do presidente Barack Obama de garantir a segurança dos EUA. "As pessoas envolvidas nos interrogatórios merecem nosso agradecimento e não devem ser alvo de investigações políticas ou processos judiciais", afirmou Cheney. "As ações da CIA permitiram destruir todos os esforços da Al-Qaeda de lançar mais ataques contra os EUA."

Em carta enviada ontem a Holder, oito senadores republicanos condenaram a decisão de investigar ações do governo Bush, acusando o secretário de Justiça de promover "uma caça às bruxas". "Tememos que o verdadeiro custo dessa medida recaia sobre o povo americano, que precisa de agentes de inteligência operando sem obstáculos para protegê-lo de muitas ameaças, conhecidas ou não, que os EUA sofrem desde o 11 de Setembro", diz o texto da carta.

A tortura, a fé e o Estado

Jornal do Brasil 26/08/09

Mauro Santayana


A GRÉCIA, que descobriu a lógica e exaltou a ética como a essência do estado e da política, executava os condenados à morte atando-os a tábuas expostas ao sol. Ali, sob a vigilância de guardas, sem água e sem comida, dessecavam-se até o fim. Antes, na Babilônia, prisioneiros eram colocados no oco de estátuas de bronze, sob as quais ateavam fogo.

Versão menos estética foi autorizada pelos invasores norte-americanos a seus aliados afegãos: entalar os presumíveis talibãs em contêineres, para que fossem asfixiados e assados, sob o sol do deserto.

Na Inquisição, os torturadores iam além do Estado: diziam agir em nome de Deus. Matar em nome de Deus é o mais terrível dos paradoxos: se Ele é onipotente e senhor de todos os destinos, não necessita que o homem, sua criatura, venha a defendê-lo. É em nome de Deus, do Estado, de uma ideologia, que alguns grupos humanos alugam torturadores e assassinos.

O presidente Obama está em uma esquina do labirinto. O procurador geral, Eric Holder Jr., foi além do chefe de governo, ao nomear John Durham procurador especial, a fim de investigar os novos casos de tortura, revelados pelo diretor-geral da CIA, Leon Panetta. Obama tivera antes a iniciativa de retirar da agência a tarefa de interrogar “terroristas”, atribuindo-a ao FBI, sob a superintendência de um grupo de sua inteira confiança. Os republicanos, sob a liderança de Dick Cheney, acusam-no de ser “frouxo” na defesa da segurança do povo norte-americano, e exaltam a política dura de Bush. Soube-se também – por Leon Panetta – que agentes da CIA, e matadores contratados, gastaram milhões de dólares a fim de caçar e eliminar “terroristas” em todos os lugares do mundo. Quando Panetta diz que os resultados foram inexpressivos, convém saber em que julgam que falharam: se mataram menos do que pretendiam, ou se assassinaram ao acaso. Se, na Colômbia, os “falsos positivos”, inocentes recolhidos de forma aleatória, mortos e sepultados clandestinamente, serviram para gratificar militares criminosos, o mesmo procedimento é esperado de empresas privadas de segurança, como a Blackwater.

A CIA sempre procurou mercenários para o dirt job, o trabalho sujo de assassinar os que resistem contra o imperialismo americano.

Nem sempre, os contratados são mais “eficientes” do que seus próprios agentes.

Como narra – entre outros casos – Tim Weiner, em seu excelente estudo sobre a CIA (Legado de cinzas, edição brasileira da Record), a agência, mediante a máfia, entregou a Tony Varona, o principal de seus agentes em Havana, milhares de dólares e um frasco de veneno, a fim de liquidar Fidel Castro. Varona passou-o ao empregado da sorveteria, a fim de ser misturado ao sorvete a ser servido ao líder cubano. Semanas mais tarde, os homens da segurança cubana encontraram o veneno congelado, em um dos refrigeradores da sorveteria. O presidente que aprovou a operação foi o louvado John Kennedy, que, em seguida, intensificaria a guerra contra o Vietnã.

Será difícil aos norte-americanos descobrir que o maior inimigo está em sua atitude diante do mundo. Eles criam seus inimigos externos, quando esses escasseiam, e constroem conspirações para manter seus cidadãos permanentemente amedrontados, dispostos a reagir sem lucidez. A maioria dos eleitores de Obama o escolheu com a esperança de que a sua política de paz recuperasse o prestígio americano no mundo.

Se faltar ao presidente o apoio de seu povo agora, no caso da CIA, Obama estará condenado ao malogro.

Há muitos mistérios na História dos Estados Unidos, ainda não desvendados. Entre os mais recentes, há o do assassinato de Kennedy.

E, mesmo com a confissão de Timothy Mc Veigh, permanecem dúvidas sobre a explosão do Edifício Federal de Oklahoma, em 1995.

Ainda que Bin Laden tenha aplaudido o atentado de 11 de Setembro, restam coisas estranhas a serem esclarecidas. A mais inquietante delas é a falha dos serviços de monitoramento aéreo em detectar o desvio de três aviões de sua rota, a tempo de, pelo menos, tentar forçá-los a aterrissar. Enfim, sendo o mundo, em si mesmo, um mistério, é natural que a vida seja uma sucessão de mistérios. Alguma coisa é certa: todos os povos que se contaminaram pelo espírito de cruzada e pela ambição de domínio acabaram vencidos pela História.

Sendo o mundo um mistério, a vida será uma sucessão de mistérios

Fórum da Inteligência

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