Jornal do Brasil 22/08/09
Coisas da Política
Villas-Bôas Corrêa
Não apenas o Senado mas o Congresso, com o governo em parceira suicida, estão tentando escapar da crise da roubalheira parlamentar pela porta dos fundos. Não basta sair de cena sem enterrar o defunto. E é o que desde esta semana passou a ser adotado, pelo governo e a oposição, com espaço para o presidente Lula sepultar o maior escândalo dos últimos tempos no cemitério de multiuso, escavado na Praça dos Três Poderes.
O cansaço derruba a teimosia em prolongar um bate-boca que já passou da conta, com a repugnância da distinta plateia, dos que pagam o ingresso e sustentam a bandalheira e o elenco de tão contraditórios desempenhos. Com o rosto suado na foto da visita a Natal, na viagem do dia para inaugurar uma escola técnica, empunhando um imenso quadro que é redondo, presente da gentileza potiguar, o presidente Lula em mangas de camisa para aliviar o calor nordestino falou aos repórteres para virar pelo avesso a avaliação dos diversos aborrecimentos de uma semana azarenta. E aos tropeços com a evidência, tingiu as afirmações mal equilibrado nas pernas de pau: “Não vejo crise no PT. O PT continua forte, com muitas possibilidades” – o que é uma conclusão óbvia que briga com a premissa. Elogiou a senadora Marina Silva (AC), que acaba de se desligar do PT pelas mesmas razões que pedira demissão do Ministério do Meio Ambiente: segundo Lula porque quis; segundo a ex-petista e ex-ministra, porque “este é um governo insensível às causas sociais” E não havia mais sentido em ficar no partido para convencer o PT da importância da causa ambiental.
Ora, em todos os capítulos da novela que começa com o erro inicial de nomear uma militante da defesa ambiental para ministra de um governo que pende como árvore na tempestade para a derrubada para o desenvolvimento da pecuária, o plantio da soja, a construção de hidroelétricas. Lula desprezou a saída dos dois senadores petistas e os resmungos repetentes do líder da bancada, senador Aloizio Mercadante (SP), que já engatou a marcha a ré para aceitar o convite para um encontro com Lula.
O senador paranaense Flávio Arns deixou o partido, anunciando o desligamento na reunião do Conselho de Ética do Senado que livrou do processo todos os acusados. Transformar derrota em vitórias é um desafio para qualquer liderança. No caso de Lula e da sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, os índices recordistas de aprovação popular do presidente Lula, acima dos 80%, é alavanca para a convicção da vitória. Pela primeira, com a sombra de ameaça com a entrada da ex-ministra Marina Silva, como candidata para sustentar a prioridade da preocupação ambiental, traz um novo tema para arejar a campanha, que prometia mais uma repetição das duas últimas, com a eleição e a reeleição de Lula. Ainda muito distante de uma solução é a crise ética que lambuzou o Legislativo, com a praga da desmoralização. Um caso com a sua singularidade: a saída está à vista, é a única, mas ainda inviável. Só quem não quer ver não enxerga: o Congresso só se reconciliará com a opinião pública se a folgada maioria dos eleitos nas urnas de 3 de outubro de 2010 assumir o compromisso durante a campanha, mostrando o rosto no horário de propaganda eleitoral – em rede de televisão e de emissoras de rádio, em declarações aos jornais, revistas, na internet – de, como primeira medida da reforma política, acabarem com todas as mordomias, sem exceção, incluindo as passagens mensais para o fim de semana nas bases eleitorais, com verba a imoral indenizatória, celulares pagos pela Viúva, verba para pagamento de hotéis, para a compra de jornais e revistas, enfim para a farra que acabou no desmoralizante escândalo da roubalheira que envergonha o país.
O velho Congresso de antes da mudança da capital para Brasília não pode ser comparado com o atual, sem os descontos de quase meio século em que o mundo mudou. Mas cada caso tem as suas peculiaridades. E a evocação no embalo da saudade do velho repórter com 60 anos e quebrados de militância ininterrupta na cobertura política são pode nem quer fugir do exame dos contrastes. O Senado no majestoso Palácio do Monroe, derrubado para a construção de uma garagem subterrânea, e a Câmara dos Deputados no Palácio Tiradentes, sede da Assembléia Legislativa, com seus 200 deputados, era de uma sobriedade de convento diante do que está aí. Os parlamentares ganhavam os seus subsídios mensais, os extras das sessões extraordinárias, e só. Muitos moravam em hotéis modestos no Catete, Flamengo, Botafogo, e nem todos tinham carro. Nas férias parlamentares, o pagamento em dobro garantia a compra de passagens aéreas ou em ônibus para o descanso com a família.
O tempo não anda para trás. Mas, ou este Congresso cria juízo e acaba com as mordomias, ou esta farra acaba mal.
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