Correio Braziliense 17/08/09
SEGURANÇA PÚBLICA
Especialistas apontam erros e acertos na atuação da Força Nacional, que este mês completa cinco anos. Governo defende que desempenho do grupo tem melhorado com o passar do tempo
Renata Mariz
Cinco anos de atuação, quase 9 mil homens treinados, 30 mobilizações, 32,2 mil quilos de drogas apreendidas, um morto em serviço, dois óbitos de civis durante confronto, 14 processos administrativos provocados por denúncias, 10 agentes desmobilizados devido a desvios de conduta, custo médio de R$ 40 milhões anuais. No quinto aniversário da Força Nacional de Segurança Pública, cuja aula inaugural se deu em agosto de 2004, um balanço das atividades da tropa de elite, cercada de polêmica desde que foi criada, enseja análises das mais variadas. Acertos e tropeços na condução do grupo formado por bombeiros e policiais militares de todos os estados brasileiros foram apontados por especialistas ouvidos pelo Correio, numa mostra de que o tema permanece controverso.
Para Alexandre Augusto Aragon, secretário nacional de Segurança Pública interino, que integrou a primeira turma da Força, o desempenho da tropa tem melhorado paulatinamente, à medida em que deficiências iniciais vêm sendo supridas. Uma delas, segundo Aragon, era a dificuldade de mobilização rápida, uma vez que os agentes da Força passavam por um treinamento de três semanas em Brasília e voltavam a seus estados. “Na primeira e mais difícil operação, que foi no Espírito Santo, numa crise que envolvia área urbana e sistema prisional, demoramos praticamente 15 dias entre solicitar o agente ao estado, emitir passagens e reuni-los em Brasília, para depois enviá-los”, lembra o secretário.
Com o objetivo de driblar a dificuldade, em agosto de 2008 o formato do treinamento mudou. “O agente vem e fica um ano em formação, numa base em Luziânia (GO), integrando o que chamamos de Batalhão de Pronto Emprego. Mas o contingente que está nos estados também pode ser acionado”, explica. Sociólogo e ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, Rodrigo Pimentel defende a existência e manutenção da Força, mas questiona suas aplicações. “É preciso ter critérios bem definidos sobre quando mobilizá-los. Na minha avaliação, deveria ocorrer em situações pontuais, tais como greve de policiais, de agentes penitenciários, catástrofes naturais e pandemias. Mas o que vimos, muitas vezes, me pareceu aplicações meramente midiáticas”, afirma o ex-policial e hoje consultor na área de segurança pública.
Ataques
Pimentel destaca o caso do Rio de Janeiro, local onde a Força já esteve duas vezes. Numa delas, no início de 2007, o grupo chegou à cidade depois da onda de ataques contra ônibus e policiais realizada por traficantes, deixando 20 mortos e 32 feridos. “Eles até ficaram em barreiras, local onde deveriam ter permanecido, nas primeiras semanas. Mas foram deslocados, em seguida, para fazer cerco no Complexo do Alemão, sem nenhuma percepção de queda de violência, verificável em número de homicídios e roubos”, critica Pimentel.
Para o especialista em segurança pública da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Ignácio Cano, a Força deveria ter incorporado a característica de elucidação de crimes. “Ao optar por usar a tropa para fazer um patrulhamento ostensivo, perdeu-se a chance de criar um grupo forte na tarefa de investigação”, ressente-se Cano. O professor assinala, porém, uma filosofia positiva no que diz respeito à ética e aos direitos humanos. “Não investir no treinamento focado no confronto é um alento”, destaca.
Aragon confirma o caráter mais ostensivo do grupo, mas destaca que os quase 9 mil homens estão prontos para o combate na linha de frente, quando for necessário. “Temos pelotões especializados em diversas situações, como rebeliões em presídios, enchentes e conflitos rurais”, explica.
Desvios de conduta
A característica de atuar na retaguarda dá à Força Nacional bons números no que diz respeito a mortes provocadas e baixas sofridas. Porém, mais que o óbito em serviço — apenas um, em cinco anos —, o que vem retirando homens do grupo de elite têm sido os desvios de conduta. Números de uma inspetoria criada na Força há um ano mostram 14 denúncias que originaram processos administrativos dentro da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Além disso, 10 homens foram desmobilizados.
Entre as ocorrências mais comuns, estão abuso de autoridade e suposta agressão na abordagem. Tratando-se de crime, o processo administrativo é enviado à Justiça Militar, ao Ministério Público e à corporação de origem do agente. O sociólogo e ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro Rodrigo Pimentel destaca que as diárias recebidas pelos agentes quando estão trabalhando pela Força — média de R$ 120 — inibem um mal arraigado nas corporações brasileiras: a corrupção. Por outro lado, o ex-capitão do Bope questiona a aplicação dos recursos. “Acho ótimo que os homens da Força ganhem uma remuneração justa, com a qual eles podem até dobrar seus próprios salários, dependendo do tempo que durar a operação. Mas por que não investir nas polícias locais?”
Este ano, a Força tem um orçamento de R$ 25 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública e R$ 4 milhões do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). Os recursos do Pronasci serão canalizados para a construção de um novo local de treinamento no 9º Batalhão de Polícia, no Gama (DF). A base de Luziânia continuará ativa para outros treinamentos oferecidos pelo governo federal.
O professor da Uerj Ignácio Cano considera que a Força está no caminho certo, mas, quanto ao desempenho até agora, prefere avaliações específicas. “Temos de avaliar cada operação caso a caso. Temos notícias positivas da presença da Força, como em Mato Grosso do Sul. Mas também há reclamações, inclusive de abusos, como quando foram para Vitória, por exemplo”, destaca. No Entorno, onde a Força ficou por 10 meses, ocorreu algo que quase sempre acontece: os indicadores de criminalidade caíram. Mas bastou os homens saírem da área para a violência explodir novamente.
Por dentro da Força
Efetivo: 8.991
Em operação no momento: 458
Operações realizadas: 30, em 13 estados
Operações em andamento: quatro, em MS, RO, PA e PR
Agentes mortos em operação: um
Óbitos em confronto com homens da Força: dois
Prisões efetivadas: 1.178
Veículos recuperados: 46
Foragidos recapturados: 54
Armas de fogo apreendidas: 650
Fonte: Secretaria Nacional de Segurança Pública
Orçamento da tropa*
2006 — R$ 21,9 milhões
2007 — R$ 58 milhões
2008 — R$ 42,5 milhões
2009 — R$ 30 milhões
* De 2006 para cá, os valores para custear a Força Nacional passaram a sair do Fundo Nacional de Segurança Pública. Antes disso, o investimento era pulverizado em diversas rubricas
Fonte: Secretaria Nacional de Segurança Pública
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