Estado de Minas 21/08/09
Justa ordem da sociedade e do Estado está prejudicada pelo exercício inadequado e incompetente da política
Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Princípios e estratégias exitosas de governança corporativa, ou o uso de modelos gerenciais novos com metas ousadas para garantir procedimentos administrativos e financeiros que possibilitem adequado tratamento do estatuto de prioridades e necessidades – ou ainda, a indispensável e exigente competência técnica nos diferentes campos do saber fazer – não têm sido suficientes para alavancar, com fecundidade, na direção e na medida certas, os fluxos dos processos que configuram o tecido social, político e econômico da sociedade contemporânea.
Um tecido que urge uma configuração de mais justiça, respeito às coisas públicas, probidade nas responsabilidades administrativas e empenho marcado pelo sentido do bem comum. As estruturas de produção e o capital, o novo poder contemporâneo, com origem nos primórdios da indústria moderna, não se mantêm na direção certa, sem perder rumo, como a colocação do poder nas mãos de poucos, ou a facilidade de manipulação gerando prejuízos, apenas com o que se compreende e com o que se faz no âmbito do que é o gerenciamento moderno.
É sempre urgente o esforço cotidiano por balizamentos éticos que supervisionem funcionamentos e se constituam como o tecido da consciência. As tentativas e empenhos de movimentos pela ética não têm sido suficientes para mudar o cenário que se revela na panaceia de desmandos, manipulações, improbidades e tantos prejuízos que estão, diariamente, desfilando diante dos olhos de todos – fontes de comprometimentos da cidadania e do sentido da dignidade humana. Na verdade, é preciso retomar, de novo, um grande empenho pela ética.
É preciso um verdadeiro choque porque as incursões feitas em busca da ética na política ou na economia não surtiram ainda os efeitos desejados e necessários. É triste assistir à corrosão de instituições que devem primar pela probidade, e o crescimento de procedimentos mentirosos, em pequena e grande escala, na corporação de grupos ou partidos, na manipulação de instituições ou no comportamento moral de indivíduos. É óbvio que são indispensáveis os ajustes nos funcionamentos normativos reguladores da vida em sociedade.
Assim é a campanha Ficha Limpa enquanto esforço de se conseguirrem 1.309.508 assinaturas de eleitores (1% do eleitorado brasileiro), ainda que possa esbarrar em princípios constitucionais quanto à exata formulação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular. É também sinal evidente de que está em curso na sociedade um empenho pela ética. Curioso é que não tem sido tão fácil conseguir esse 1% de assinaturas. Redobra-se agora, na reta final, o esforço. A lentidão para se alcançar a cifra exigida revela alguma apatia a ser quebrada para devolver à consciência cidadã seu sentido exato e o alcance dos compromissos para vivê-la.
Importante é que por este meio, como necessário se faz por outros, se está pondo em discussão a desqualificação ética que grassa na sociedade brasileira, exigindo procedimentos e posturas arrojadas nessa direção. É incontestável a evidente demonstração de que o dever central da política está comprometido. A justa ordem da sociedade e do Estado está prejudicada por um exercício inadequado e incompetente da política – que é, pois, um exercício de alta responsabilidade para regular o funcionamento do Estado segundo a justiça, para não correr o risco de reduzir-se, lembra o papa Bento XVI, na sua carta encíclica Deus é amor (nº 28), citando Santo Agostinho em De civitate Dei, IV,4, uma banda de ladrões. Neste mesmo número o papa frisa que “a justiça é o objetivo e, consequentemente, também a medida intrínseca de toda a política, que é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos: a sua origem e o seu objetivo estão precisamente na justiça, e essa é de natureza ética”.
A realização da justiça e o exercício ajustado da cidadania remetem a princípios e procedimentos de natureza ética. Não basta garantir princípios éticos nos mecanismos e nos funcionamentos normativos e legais reguladores da política e da vida na sociedade. Urge considerar que o indivíduo, na formação de sua consciência e na sua manutenção, precisa de processos educativos permanentes para introjeção, assimilação e vivência dessas regulagens como remédio para patologias que afloram pela conduta pessoal, trazendo prejuízos nefastos para a comunidade.
Põe-se o desafio em relação a atores e instituições que possam estar no cenário da sociedade como guardiães e promotores destes processos. A garantia dessa qualificação não está simplesmente na consideração dada de um lugar já ocupado, de uma instituição já consolidada, nem mesmo até de uma religiosidade vivida nessa ou naquela opção confessional. É urgente avançar mais na identificação das causas que estão comprometendo a conduta ético-moral dos indivíduos.
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