quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Bases da discórdia

Folha de São Paulo 11/08/09
Editoriais
Ao "convocar" Obama por conta de ampliação do acordo EUA-Colômbia, Lula reforça pantomima bolivariana na Unasul

COMO PREVISTO , a reunião da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) em Quito foi dominada pelo tema da ampliação do uso de bases militares colombianas pelos Estados Unidos. A claque bolivariana impôs à retórica do encontro um ultrapassado tom de antiamericanismo.
A armadilha de Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Evo Morales (Bolívia) voltou a enredar o presidente do Brasil. Lula "convocou" Barack Obama para uma reunião da Unasul -algo que teria tanta chance de resultar em diálogo produtivo quanto um ultimato da troica a Álvaro Uribe, caso o presidente da Colômbia tivesse comparecido à cúpula. Com sua manifestação, o brasileiro só fez legitimar a pauta extemporânea.
Não se trata de dizer que o Brasil e outros países sul-americanos extrapolam ao ocupar-se da presença militar da maior potência mundial em sua vizinhança. A ampliação do acordo EUA-Colômbia traz um elemento de desequilíbrio que merece cuidado, em particular à luz da recente reativação da Quarta Frota americana para este subcontinente. Nada que se equipare, porém, a "ventos de guerra" sobre a região, como se expressou Chávez com a desmesura habitual.
Basta ouvir especialistas a respeito, como fez esta Folha. Militares brasileiros entrevistados descartam qualquer ameaça estratégica no uso das sete bases pelos EUA. Enxergam no acordo uma extensão da colaboração antiga para combate ao tráfico de drogas e à guerrilha, cada vez mais indistinguíveis.
Com efeito, Uribe não pode contar com seus vizinhos bolivarianos na solução desse conflito interno. Há indícios de tolerância e até de colaboração com as Farc (a narcoguerrilha colombiana) da parte de Venezuela e Equador. Foi com o apoio dos EUA que Bogotá colheu duas vitórias significativas em 2008: um ponto final aos sequestros promovidos pelas Farc e a redução de 18% na área plantada de coca, acompanhada da queda de 28% no volume de produção de cocaína, segundo dados da ONU.
O erro de Uribe e Obama foi o de não terem preparado nações-chave da região, como o Brasil, para a ampliação do acordo. Um esforço de transparência teria evitado a propagação da versão de que os EUA operariam diretamente novas bases na Colômbia, quando isso não está previsto.
O próximo teste da Unasul será em Buenos Aires, em nova reunião presidencial a realizar-se ainda neste mês, possivelmente com a presença de Uribe. Aí ficará mais claro se o bloco está destinado a tornar-se só mais um palanque para o chavismo ou uma aliança regional forte o bastante para desfechar um combate coordenado e eficaz ao narcotráfico no subcontinente.


EUA se propõem a combater crime na América Central
Intenção, anunciada em comunicado conjunto com México e Canadá, pode acirrar mais as tensões com a América Latina
Discurso é o mesmo usado para justificar a ampliação da presença militar dos EUA na Colômbia, que causou dura reação sul-americana

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Se se realizar a reunião entre Barack Obama e os presidentes da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva anteontem na cúpula do bloco em Quito, há mais chances de aumentarem os ruídos do que de ser amortecido o impacto do anúncio de bases colombianas a serem utilizadas por militares dos EUA.
Para saber por que, basta ler o trecho do comunicado emitido anteontem pelos três governantes da América do Norte (além de Obama, Felipe Calderón, do México, e Stephen Harper, do Canadá), no trecho que trata do crime organizado transnacional.
Começa dizendo que os três governos "reconhecem que não podem limitar seus esforços [no combate ao crime] apenas à América do Norte". Emenda informando que instruíram os respectivos ministros a "empenhar-se para uma maior cooperação e coordenação na medida em que trabalhamos para promover a segurança e o desenvolvimento institucional com nossos vizinhos da América Central e do Caribe".
A alegação oficialmente dada para o acordo em torno das bases colombianas é bastante semelhante a essa, qual seja a de "promover a segurança" (da Colômbia, no caso), por meio do combate ao terrorismo e ao narcotráfico, crimes de que é acusada a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
É bom lembrar que, no Caribe e na América Central, ficam, respectivamente, Cuba e Nicarágua, dois dos outros sócios da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), cujos três presidentes na América do Sul (o venezuelano Hugo Chávez, o equatoriano Rafael Correa e o boliviano Evo Morales) foram os três mais estridentes na condenação do acordo entre EUA e Colômbia.

Narcotráfico
O que complica o eventual diálogo entre os "bolivarianos" e o governo dos EUA é que ninguém sério nega a necessidade de uma cooperação transnacional para enfrentar o mais transnacionalizado de todos os crimes, que é o narcotráfico.
Tanto é assim que a Unasul anunciou anteontem a criação de um conselho destinado a combater o narcotráfico, reconhecimento (de resto tardio) de que os países sul-americanos nem se coordenam suficientemente nem têm tido êxito, em suas próprias fronteiras, nesse tipo de combate.
Difícil discordar, por exemplo, do trecho do comunicado Obama/Harper/Calderón em que afirmam: "Redes criminosas transnacionais ameaçam todos os nossos três países". Os 12 países da Unasul diriam coisa diferente a respeito deles próprios?
A força do crime ligado às drogas é tamanha que a polícia mexicana anunciou que prendeu líderes de uma gangue que planejava assassinar ninguém menos que o próprio presidente Calderón.
Seria uma resposta à guerra que o presidente mexicano desencadeou contra os cartéis do tráfico, envolvendo até o Exército. A propósito: são cada vez mais fortes os indícios de que essa guerra, embora muito longe de ser vitoriosa, está forçando os cartéis a deslocarem parte de suas operações para a América Central.
Tudo somado, um eventual diálogo Obama/Unasul colocará à mesa a pergunta: quem é o inimigo a combater, os EUA e seus "sete punhais apontados para a América do Sul" -como diz Fidel Castro, em referência ao número de bases colombianas em que os EUA poderão atuar- ou o narcotráfico?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Dê sua opinião, livremente, respeitando os limites da legalidade e da ética.

Fórum da Inteligência

Este é um espaço destinado ao debate e à manifestação democrática, livre, coerente e responsável de idéias sobre Inteligência.