quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A tortura, a fé e o Estado

Jornal do Brasil 26/08/09

Mauro Santayana


A GRÉCIA, que descobriu a lógica e exaltou a ética como a essência do estado e da política, executava os condenados à morte atando-os a tábuas expostas ao sol. Ali, sob a vigilância de guardas, sem água e sem comida, dessecavam-se até o fim. Antes, na Babilônia, prisioneiros eram colocados no oco de estátuas de bronze, sob as quais ateavam fogo.

Versão menos estética foi autorizada pelos invasores norte-americanos a seus aliados afegãos: entalar os presumíveis talibãs em contêineres, para que fossem asfixiados e assados, sob o sol do deserto.

Na Inquisição, os torturadores iam além do Estado: diziam agir em nome de Deus. Matar em nome de Deus é o mais terrível dos paradoxos: se Ele é onipotente e senhor de todos os destinos, não necessita que o homem, sua criatura, venha a defendê-lo. É em nome de Deus, do Estado, de uma ideologia, que alguns grupos humanos alugam torturadores e assassinos.

O presidente Obama está em uma esquina do labirinto. O procurador geral, Eric Holder Jr., foi além do chefe de governo, ao nomear John Durham procurador especial, a fim de investigar os novos casos de tortura, revelados pelo diretor-geral da CIA, Leon Panetta. Obama tivera antes a iniciativa de retirar da agência a tarefa de interrogar “terroristas”, atribuindo-a ao FBI, sob a superintendência de um grupo de sua inteira confiança. Os republicanos, sob a liderança de Dick Cheney, acusam-no de ser “frouxo” na defesa da segurança do povo norte-americano, e exaltam a política dura de Bush. Soube-se também – por Leon Panetta – que agentes da CIA, e matadores contratados, gastaram milhões de dólares a fim de caçar e eliminar “terroristas” em todos os lugares do mundo. Quando Panetta diz que os resultados foram inexpressivos, convém saber em que julgam que falharam: se mataram menos do que pretendiam, ou se assassinaram ao acaso. Se, na Colômbia, os “falsos positivos”, inocentes recolhidos de forma aleatória, mortos e sepultados clandestinamente, serviram para gratificar militares criminosos, o mesmo procedimento é esperado de empresas privadas de segurança, como a Blackwater.

A CIA sempre procurou mercenários para o dirt job, o trabalho sujo de assassinar os que resistem contra o imperialismo americano.

Nem sempre, os contratados são mais “eficientes” do que seus próprios agentes.

Como narra – entre outros casos – Tim Weiner, em seu excelente estudo sobre a CIA (Legado de cinzas, edição brasileira da Record), a agência, mediante a máfia, entregou a Tony Varona, o principal de seus agentes em Havana, milhares de dólares e um frasco de veneno, a fim de liquidar Fidel Castro. Varona passou-o ao empregado da sorveteria, a fim de ser misturado ao sorvete a ser servido ao líder cubano. Semanas mais tarde, os homens da segurança cubana encontraram o veneno congelado, em um dos refrigeradores da sorveteria. O presidente que aprovou a operação foi o louvado John Kennedy, que, em seguida, intensificaria a guerra contra o Vietnã.

Será difícil aos norte-americanos descobrir que o maior inimigo está em sua atitude diante do mundo. Eles criam seus inimigos externos, quando esses escasseiam, e constroem conspirações para manter seus cidadãos permanentemente amedrontados, dispostos a reagir sem lucidez. A maioria dos eleitores de Obama o escolheu com a esperança de que a sua política de paz recuperasse o prestígio americano no mundo.

Se faltar ao presidente o apoio de seu povo agora, no caso da CIA, Obama estará condenado ao malogro.

Há muitos mistérios na História dos Estados Unidos, ainda não desvendados. Entre os mais recentes, há o do assassinato de Kennedy.

E, mesmo com a confissão de Timothy Mc Veigh, permanecem dúvidas sobre a explosão do Edifício Federal de Oklahoma, em 1995.

Ainda que Bin Laden tenha aplaudido o atentado de 11 de Setembro, restam coisas estranhas a serem esclarecidas. A mais inquietante delas é a falha dos serviços de monitoramento aéreo em detectar o desvio de três aviões de sua rota, a tempo de, pelo menos, tentar forçá-los a aterrissar. Enfim, sendo o mundo, em si mesmo, um mistério, é natural que a vida seja uma sucessão de mistérios. Alguma coisa é certa: todos os povos que se contaminaram pelo espírito de cruzada e pela ambição de domínio acabaram vencidos pela História.

Sendo o mundo um mistério, a vida será uma sucessão de mistérios

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