Estado de Minas 23/08/09
Jacques Schwartzman - Diretor do Centro de Estudos sobre Ensino Superior (Cespe) da UFMG
Em recente trabalho apresentado em Belo Horizonte, o professor Edson Nunes, ex-presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) comentava sobre leis que pegam e não pegam. O melhor exemplo é a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) – regulamentada pela Constituição Federal –, que define que as universidades se caracterizam pela “produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; um terço do corpo docente em regime de tempo integral”.
Em comunicado recente do Ministério da Educação (MEC), várias universidades foram convocadas para preencher a terceira condição. Se isso ocorrer, terão o reconhecimento como universidades? E a produção acadêmica relevante, quem a avaliou? Parece que foi substituída, na prática, pela aprovação pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de três mestrados e um doutorado, mas isso não está em nenhuma lei. Essa quantidade de programas de pós-graduação seria válida para instituições de qualquer tamanho e atenderia o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como explicitado na Constituição, para todas as áreas?
Veja-se também que novas universidades (em torno de 10) foram criadas pelo programa de expansão de universidades federais por meio de projetos de lei a serem discutidos e aprovados pelo Congresso Nacional sem passar pela análise do CNE, como se faz para as demais instituições. Assim, não importa a qualidade do projeto, todos serão aprovados, pois a lógica é política e não há como ser contrário a uma iniciativa desse tipo. Se existem, os problemas aos poucos serão resolvidos. Mas por que criá-las como universidades, e não como centros universitários? Poderíamos perfeitamente esperar que tenham desenvolvido a pesquisa e a pós-graduação e só depois transformá-las em universidades. Mas ninguém quer ser “rebaixado” para centro universitário, mesmo que a legislação sobre a sua criação os coloque como uma forma alternativa de organização, mais especializada em ensino de qualidade e sem a obrigação de fazer pesquisa. No entanto, o próprio conceito de centro tem seus problemas, como se pode observar no decreto presidencial que o caracteriza como tendo excelência no ensino e um quinto de docentes em regime de tempo integral e um terço do corpo docente com titulação de mestre ou doutor.
As duas últimas exigências são fáceis de ser cumpridas, mas como avaliar a excelência do ensino? O decreto prevê que deverão ter avaliação positiva pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Isso pode ser traduzido pela obtenção de uma nota 3 (numa escala de 1 a 5) em seus cursos pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Isto é, o que é condição mínima para o funcionamento de cursos de graduação torna-se parâmetro para criar um centro com cursos que deveriam ser caracterizados como de excelência. Além disso, o Enade não esclarece suficientemente se o bom ou mau desempenho dos alunos provêm da qualidade deles ou do esforço da instituição em agregar-lhes conhecimento. Resultado: não se consegue mais distinguir entre bons e maus cursos e essa falta de informação diminui a qualidade da decisão na hora da escolha de um curso de graduação. Para culminar a confusão o CNE autorizou o uso do termo “uni” para a denominação dos centros. A intenção do legislador não prevaleceu: centros universitários não têm necessariamente ensino de excelência, assim como universidades não se distinguem pela pós-graduação e pesquisa relevante e de qualidade.
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