Estado de Minas 23/08/09
Pesquisa de doutorado apresentada à Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG mostra que, nos próximos 40 anos, casais viverão cada vez mais tempo juntos
Flávia Ayer
Junia Oliveira
A estudante Juliana Jardim Pereira resolveu ter uma vida só dela quando tinha 22 anos. Deixou o conforto da casa dos pais em troca de independência e disposta a assumir todos os custos da nova empreitada. Hoje, aos 24 anos, mora sozinha, banca as próprias despesas e não abre mão de sua liberdade. A enfermeira Carolina Hespanha Almeida só saiu da casa onde sempre viveu para subir ao altar, mês passado, pouco depois de completar 30 anos. Ela e o marido, o engenheiro Tiago Pardini, de 31, são o símbolo dos jovens casais, para quem o importante é a estabilidade financeira, apartamento arrumado e, no futuro, poucos filhos. Enquanto os dois estão apenas começando, histórias não faltam ao casal Áurea e Er Torres, de 79 e 84, ao longo de 57 anos de casamento, muita alegria e quatro filhos, todos independentes e já desgarrados do lar dos pais. Já a dona de casa Elza de Assis Martins, de 61, optou por ficar só depois do fim do casamento e, hoje, mora com o neto, a quem se dedica com o legítimo amor de avó.
O ano é 2009, mas esses moradores de Belo Horizonte se antecipam ao tempo e são verdadeiros retratos de como será a população da capital em 2050. Essas e outras tendências estão na tese de doutorado intitulada Projeção de domicílio por modelo multiestado e aplicação para previsão da frota de automóveis em Belo Horizonte, de Edwan Fernandes Fioravante. O estudo, apresentado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, examinou a dinâmica e os processos demográficos que ocorrem no contexto familiar.
As conclusões apontam, primeiramente, uma mudança no perfil das famílias. Os casais das próximas quatro décadas terão longa vida em comum. A expectativa é de grande proporção de pessoas casadas acima de 65 anos para ambos os sexos. Um dos motivos é a queda da mortalidade, que faz os casais permanecerem por mais tempo juntos. Mas, para que a projeção não contradiga a vida real, a empresária Áurea, casada há 57 anos com o médico Er, ensina: “É preciso ter paciência, é muito fácil se separar. E a mulher tem de ser mais compreensiva. Quantas vezes estava pronta para uma festa e o Er precisava atender um paciente com urgência”, conta.
Renúncia e tolerância que fizeram os quase 60 anos valer a pena e, pasme, voar. “Passou rápido demais. Quando chegamos às bodas de ouro, custei a acreditar”, comenta Áurea. Juntos, tiveram quatro filhos, que lhes deram seis netos. “Todos os meninos (o filho caçula está com 48) estão formados e bem-sucedidos”, orgulha-se Er. Hoje moram sozinhos no apartamento e aguardam ansiosamente o domingo: dia oficial de curtir a família, ao redor de uma mesa farta. E é exatamente em torno dela que se entreolham, trocando declarações. “Quando conheci a Áurea tive uma simpatia e ela só foi crescendo”, confessa Er. “Quando o conheci, minha prima já tinha me falado sobre ele. Já estava preparada, esperando essa gracinha. Meu sentimento é de gratidão a Deus por ter me dado esta família”, diz Áurea.
ATÉ OS 30 Uniões duradouras também deverão vir acompanhadas de casamentos entre jovens. Em 2050, as pessoas deverão se casar mais cedo, com, no máximo, 30 anos de idade – sendo que as mulheres tendem a assumir o casamento ainda mais cedo que os homens. Carolina Hespanha Almeida e o marido, Tiago, por pouco não se incluíram no modelo de família belo-horizontina de 2050. Três semanas atrás, disseram sim para uma vida em comum: ela com 30 anos e ele com 31. Tarde, segundo Carol. Há mais de seis anos, haviam retomado o relacionamento que começou na época do colégio. “Todas as minhas amigas já estão casadas e com filho. Começamos a sentir necessidade de ficar mais próximo, de ter a nossa casa.”
E em tão pouco tempo de vida em comum, o jovem casal já pode aprender que sair da casa dos pais tem suas vantagens, mas também obrigações tediosas. “É difícil adequar as rotinas, saber quem vai fazer o supermercado, pagar a conta de luz, se preocupar em olhar se tem iogurte na geladeira. Mas é uma escolha de um projeto de vida e, como diz o ditado, o combinado não sai caro”, diz Carol. E, nesse projeto, pelo menos por enquanto, ainda não há planejamento de filhos. Mas, se os dois continuarem fiéis à projeção de BH em 2050, provavelmente, a prole não será grande. De acordo com o estudo, o número de integrantes na família será cada vez menor e os belo-horizontinos devem dar adeus, definitivamente, ao almoço do domingo, com mesa grande para caber todos os filhos. A taxa de fecundidade será de 1,49 filho por mulher.
Para chegar à BH das próximas quatro décadas, Edwan usou um método matemático e considerou algumas variáveis para obter esses resultados, como situação conjugal (solteiro, casado, divorciado, viúvo), união, separações, taxa anual com que os filhos deixam a casa dos pais, taxas de casamento, recasamento, taxas de mortalidade e de fecundidade. Como referência, levou em conta ainda dados do Censo 2000. “A projeção carrega as características de cada pessoa, como o número de filhos, se ela mora ou não com os pais, e, a partir daí, avaliamos se é possível a formação de um novo domicílio”, afirma o pesquisador. A tese será apresentada, mês que vem, numa conferência internacional sobre população, no Marrocos.
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