O Globo 14/08/09
Prova da resistência da cultura burocrática é o decreto presidencial editado quarta-feira no DO com determinações para facilitar a vida da população e empresas nos balcões e guichês do serviço público. Pois faz 30 anos que o então governo Figueiredo foi muito além de um decreto: criou uma secretaria de desburocratização, com status de ministério, e a entregou ao eficiente Hélio Beltrão. Mesmo assim, como se constata, muita coisa, ou tudo, voltou à estaca zero — a ponto de ser necessário este édito presidencial.
Deve-se, porém, perseverar; se existe um campo em que qualquer avanço tem implicações profundas e positivas para a sociedade, é o do destravamento da máquina burocrática oficial.
A burocracia brasileira, por motivos conhecidos, é um dos pontos negativos quando empreendedores analisam investimentos no país. A Confederação Nacional da Indústria chegou a calcular que o cipoal de regulamentos baixados pelo poder público consome 25% do tempo útil de trabalho da alta administração das empresas no país. Um evidente exagero; é tempo desviado de tarefas relevantes. Em vários rankings internacionais sobre a qualidade do ambiente de negócio para investidores, o Brasil costuma aparecer no últimos lugares no quesito burocracia.
Não deve haver caso mais representativo do desvario burocratizante que o da Receita. Em 20 anos de vigência da atual Constituição, de 1988 ao ano passado, foram baixadas 240.210 normas tributárias, ou duas por hora, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). A entidade calcula em mais de 3.200 as normas que os contribuintes pessoa jurídica têm de seguir, a um gasto de R$ 38 bilhões anuais — algo quase do tamanho do déficit do INSS — no pagamento de pessoal, em sistemas e equipamentos, tudo para acompanhar uma legislação mutante por natureza.
Beltrão costumava apontar uma inabalável desconfiança do Estado diante do cidadão como uma das viçosas raízes da burocracia. Vem daí a exigência de provas de que a pessoa está viva para poder ter acesso a algum benefício oficial. O viés histórico de um Estado acima da cidadania pode ser outra explicação.
Também o aumento brutal da carga tributária nos últimos quinze anos — em dez pontos percentuais do PIB — induziu a criação constante de regras para cercar o contribuinte, vital no financiamento do Estado assistencialista e inchado de funcionários, eles os operadores da burocracia. O quadro é de pesadelo. Portanto, a vigilância se torna imprescindível para o decreto de Lula não virar letra morta, como os anteriores.
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