Obama enfraquece a CIA

O Globo 25/08/09

Governo cria unidade para interrogar suspeitos de terrorismo e procurador reabre casos de tortura

Gilberto Scofield Jr.

Acusado por políticos democratas de agir de forma conservadora e lenta na tarefa de livrar o governo das polêmicas técnicas de interrogatório (com o uso de tortura) aplicadas pelo governo de George W. Bush, o presidente dos EUA, Barack Obama, deu ontem o sinal verde a uma estratégia que delineia com clareza a nova política de detenção e obtenção de informação na guerra ao terror. Estas tarefas, que historicamente pertenciam à CIA, passam a ser centralizadas no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, sob supervisão direta do presidente.

Obama aprovou a criação de uma unidade especial de investigação que se ocupará dos interrogatórios e outras estratégias de obtenção de informação de suspeitos de terrorismo considerados de alta importância. A nova equipe, cuja sigla em inglês é HIG, trabalhará no FBI e vai tomar como base os manuais de interrogatório do Exército.

- O presidente já tinha dito que não desejava olhar para trás e sim para o futuro, em termos de combate ao terror, e o que ele fez foi reconhecer que o trabalho da CIA nesta área não seguiu os padrões éticos do novo governo - disse a analista política Hilary Rosen.


Decisão de Holder contradiz presidente

De fato. Mas para o constrangimento do presidente, que nunca desejou um acerto de contas aberto com o governo Bush e com os republicanos, temendo que isso pudesse inviabilizar projetos importantes do governo, o procurador-geral dos EUA, Eric Holder Jr., decidiu olhar para trás e anunciou ontem que vai nomear um procurador especial encarregado de reabrir uma dúzia de casos em que torturas brutais foram aplicadas em suspeitos de terrorismo durante o governo anterior pela CIA e empresas contratadas.

Com Obama de férias no resort de Martha's Vineyard, coube à Secretaria de Imprensa da Casa Branca tentar explicar a aparente contradição:

"O presidente disse repetidas vezes que quer olhar para a frente, não para trás. E o presidente concorda com o procurador-geral que aqueles que agiram de boa fé e dentro do escopo das regras legais não devem ser processados. No fim, determinações sobre até que ponto alguém violou a lei serão feitas de forma independente pelo procurador-geral", disse a nota.

- Isto é uma estratégia para tirar a atenção do público do debate sobre a reforma da saúde - disse John Feehery, analista político e assessor de republicanos. - E é um erro desacreditar a CIA num momento em que ela cumpria ordens em meio à ameaça do terror pós-11 de Setembro. O que os americanos querem é segurança.

Para a tarefa de investigar os casos de excessos e torturas, o nome mais cotado é o de John Durham, procurador de carreira do Departamento de Justiça. Afinal, ele vem investigando, nos dois últimos anos, se a destruição deliberada de vídeos da CIA de interrogatórios de suspeitos foi uma manobra para obstruir uma possível ação contra as táticas do governo Bush.

A decisão de Holder foi tomada a partir de um relatório sobre ética, do Departamento de Justiça, que investiga o papel de advogados contratados pelo governo Bush para dar base legal à tortura nos interrogatórios. E ontem, a decisão do procurador ganhou ainda mais importância após a divulgação de um relatório da CIA de 2004 sobre interrogatórios de líderes da al-Qaeda em prisões secretas. Segundo o documento, os membros da CIA ameaçaram os prisioneiros de execução com armas e até uma furadeira elétrica, além de terem usado métodos de tortura como ameaças de morte a filhos e esposas, além da simulação de afogamento. O relatório foi divulgado por ordem da Justiça num processo movido pela ONG União das Liberdades Civis Americanas.

Mas nem tudo parece mudar. Fontes no governo informaram que os EUA continuarão com a prática de enviar suspeitos de terrorismo para outros países para detenção e interrogatório. Eles disseram que a Casa Branca irá monitorar o tratamento para garantir que não sejam torturados.