Estado de Minas 17/08/09
Milton de Oliveira - Consultor de empresas, escritor
É natural que pessoas jovens sejam mais espontâneas e que com o decorrer dos anos percam um pouco desse comportamento característico da juventude. Mas o que sempre despertou a minha atenção é de como esse processo se acelera em função da ascensão hierárquica. As relações de poder tendem a desumanizar seus membros e observo que começa exatamente pela formalização excessiva que algumas pessoas assumem quando aumentam sua participação no poder. Pessoas brincalhonas, emocionalmente afetivas, muitas vezes se transformam em seres tensos, distantes e que dão pouca chance de intimidade social aos antigos amigos ou colegas de equipe. Percebo que mesmo que esses fatos sejam pouco comentados, essas mudanças comportamentais incomodam bastante as pessoas com as quais os mesmos tinham certa intimidade.
No exercício do poder, as pessoas que eram normalmente bem-humoradas, empáticas e participativas se transformam em irritadiças, egocêntricas e pouco propensas a discussões mais abertas. Desde a Idade Média, a alegria e a espontaneidade foram consideradas indicadores de infantilidade e falta de seriedade. Muitos jovens executivos, por exemplo, são influenciados por essas ideias e se reprimiram com medo de perder o poder. Tenho procurado demonstrar em meus trabalhos que a reação das pessoas é inversamente proporcional ao preconceito: normalmente, alegria e espontaneidade são fontes de legitimação do poder e não obstáculos à obtenção e manutenção do mesmo. Com o exercício do poder, geralmente, a tensão emocional dos dirigentes os torna impacientes, irritadiços, mal-humorados e até mesmo mal-educados com as pessoas que lhe são “escudeiros leais” há vários anos.
Nas organizações, alguns subordinados passam a ter um sentimento de desagrado no relacionamento com essas pessoas. Um círculo vicioso ocorre: os membros das equipes perdem a espontaneidade, criando nas organizações uma tensão contínua e inútil. Para evitar aborrecimentos, as equipes se fecham, e realmente se infantilizam, ficam submissas e, consequentemente, pouco motivadas para os encontros diários. Prestei assessoria a um grupo de assistentes de diretoria, onde a reunião todas as tardes com seu diretor era chamada de “chá com torradas”. No plano informal, os assistentes mudaram o nome para “chá com porradas”, pois o objetivo do encontro era de descontração e integração, mas o resultado foi inverso ao objetivo desejado, provocando grande tensão entre seus participantes e gerando insensibilidade e críticas ao diretor.
Outro passo significativo consiste na progressiva contenção emocional. Não é só com relação à alegria que as emoções são reprimidas, mas toda manifestação emocional de um modo geral. Sentimentos de tristeza também são escondidos de seus pares e, em vez de compartilhar suas dificuldades e instantes de dor, fortificando laços de solidariedade, curtem seu sofrimento na solidão. O mesmo ocorre com a demonstração de afetividade: pouco a pouco, evitam as demonstrações de carinho com as pessoas íntimas e o diálogo fica cada vez mais formal. Ao escrever esses fatos lembro-me de muitos executivos com quem convivi e me invade certa tristeza relembrar como vi pessoas interessantes corrompendo seu caráter. Lembro-me de clientes bem conhecidos que superavam essa distância afetiva quando se embriagavam com seus pares. Nessas ocasiões, mudavam completamente sua conduta e regrediam a etapas anteriores de seu relacionamento. Por exemplo, a alcoolização transforma momentos que seriam de alegria em instantes de tensão, pois os subordinados perdem a espontaneidade. Nesses eventos, observava-se naqueles dirigentes um estranho e contraditório sentimento de realização e frustração. Presenciei isso em incontáveis empresas e inúmeros setores empresariais. As impressões e sentimentos das equipes, nessas ocasiões, são, raramente, positivas.
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