Estado de Minas 26/08/09
Apesar de o Brasil ser pioneiro em propriedade industrial, ainda é incapaz de transformar sua produção científica em tecnologia e desenvolvimento
Sonia Regina Federman - Examinadora de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), doutora em engenharia metalúrgica e de minas pela UFMG, engenheira química
O Brasil já ocupou lugar de destaque no ramo da propriedade industrial. Em 1809, o príncipe-regente dom João VI levou o país a ser o quarto no mundo a ter a própria lei de patentes. Apesar do feito histórico, em 2007, com 385 pedidos, ele estava atrás da China (4.422), Índia (2.387) e Rússia (547), seus parceiros no Bric, no quesito depósito de patentes no escritório dos Estados Unidos. De forma contrastante com essa fraca atuação na área da propriedade industrial, o Brasil foi responsável por 1,99% dos artigos publicados em periódicos científicos internacionais, com 19.436 artigos editados em 2007. É incontestável o descompasso entre o número de patentes nacionais depositadas nos EUA e o número de artigos publicados.
Por que depositar patentes? Por que essa cobrança nacional pela proteção da tecnologia? Por várias razões. Uma delas é que a patente é uma ferramenta estratégica de conquista mercadológica; outra é que permite a avaliação do nível de competitividade dos concorrentes e possíveis parceiros, além de garantir o direito de lutar por sua autoria em caso de cópia indevida. Normalmente, as pessoas se desculpam com frases do tipo “É muito complicado e burocrático”, “Todo mundo copia” e “Ninguém respeita patentes no Brasil”. Qual o motivo dessas desculpas? Quando não entendemos um assunto – e para compreendê-lo precisamos dispor de tempo extra e vontade –, a tendência é arranjá-las.
Não é verdade que ninguém respeite patente no Brasil. Que o diga empresas do porte da Vale, Usiminas, Petrobras, sem contar com inúmeros depositantes estrangeiros do nível da LG, Mitsubishi, Johnson & Johnson e outras. Uma outra explicação para o baixo número de depósitos nacionais nos EUA pode ser devido à redação da patente, que alguns consideram difícil. Tomando como exemplo o que ocorre na academia, os pesquisadores já estão acostumados a redigir artigos para periódicos nacionais e internacionais. No caso da patente, o que ocorre muitas vezes é o desconhecimento do assunto, uma vez que sua formatação é relativamente simples e parecida com a dos papers. A diferença é que no paper o foco é a pesquisa, e, na patente, uma descrição técnica, que teoricamente está em condições de ser industrializada.
O desconhecimento nessa área chega a ponto de confundir-se patente com marca, dois tipos de proteção completamente distintos. De forma bem simplista, a patente é a proteção de um produto ou processo passível de industrialização, enquanto a marca é o nome pelo qual o produto é conhecido. Para a concessão da patente, é imprescindível que ela atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Um outro aspecto que inibe o inventor nacional é o receio de descrever a invenção detalhadamente de modo que ela possa ser reproduzida por um técnico no assunto. Nesse receio, ele procura omitir informações imprescindíveis à definição da invenção, supondo que assim estará se protegendo.
A patente é um compromisso entre o governo e o inventor: de um lado, o Estado garante a exclusividade durante a vigência da patente e, por outro, o inventor descreve a invenção de forma a permitir sua reprodução pela sociedade, depois de sua vigência. Comparando a patente com um contrato, se as cláusulas contratuais estiverem imprecisas e indefinidas, com certeza, surgirão questionamentos. Paralelamente, se a patente não estiver suficientemente descrita, ela não poderá ser reproduzida e, consequentemente, não será concedida. A patente não é nenhum bicho de sete cabeças e pode se transformar em uma aliada útil e interessante tanto para o pesquisador quanto para o empresário, habituados a enfrentar desafios acadêmicos, técnicos e financeiros muito maiores e complexos que a redação de um pedido de patente.
Apesar de o Brasil ter sido um dos ícones no início da propriedade industrial mundial, ainda é incapaz de transformar sua produção científica em tecnologia e desenvolvimento. Quando se trata de proteger o conhecimento tecnológico e, sobretudo, manter o respeito das nações sabidamente detentoras de tecnologia de ponta, a célebre frase “O que é bom para os EUA (e Japão, China, Índia, Rússia e outros) é bom para o Brasil” é verdadeira. É notório entre as potências tecnológicas que o nosso país tem tanto capacidade científica quanto tecnológica, mas, infelizmente – para nós –, também é flagrante sua dificuldade na geração de desenvolvimento a partir do conhecimento obtido, na maioria das vezes, com recursos governamentais. A posição brasileira no ranking dos países geradores de patentes nos EUA só mudará quando seguirmos o exemplo de China, Índia, Rússia, Japão, Coreia e outros, ou seja, quando protegermos a tecnologia nacional. O Brasil não pode mais se contentar em ser um mero exportador de commodities.
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