Estado de Minas 28/08/09
Incontáveis são os serviços prestados pela Igreja à sociedade brasileira
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
A discussão para aprovação do Acordo Brasil-Santa Sé no Congresso Nacional, como ocorreu na noite de quarta-feira, na Câmara dos Deputados, permite debates e reflexões que revelam sua qualificação. Aquela qualificação esperada pelo povo, por direito e por necessidade. A revelação dessa qualificação se dá pela via da interpretação, materializada nos discursos e argumentações, para gerar compreensão e ordenamentos jurídicos e legislativos que favoreçam a comunidade humana no seu conjunto e no atendimento de suas necessidades.
A qualidade no exercício da função legislativa se mede pela capacidade de interpretação – com a consequente lucidez para abrir caminhos e alargar horizontes. Esta é uma tarefa exigente porquanto todo processo interpretativo está emoldurado de perspectivas e matizes ideológicos de toda ordem. São determinantes os princípios éticos e morais, os valores e as referências históricas, sociais e culturais. Caso contrário, corre-se o sério risco de um processo interpretativo viciado e estreito fazendo escorregar na direção de fisiologismos e posturas cartoriais nefastas para o bem comum.
O debate em questão revelou muito desse âmbito. Aspectos vários estão presentes no campo das interpretações, até mesmo quando se trocava acordo por concordata. O governo brasileiro e a Santa Sé escolheram o caminho do acordo exatamente para não permitir toda e qualquer confusão ou entendimento inadequado quanto ao ponto de honra que é o respeito, distinção e autonomia entre Igreja e Estado, especialmente quanto à laicidade da nação. A discussão gravitou em torno da constitucionalidade da aprovação do acordo nos aspectos das considerações e entendimentos sobre a laicidade do Estado. Escapa, lamentavelmente, muitas vezes que o acordo é a documentação de um correto e adequado relacionamento Estado-Igreja.
Neste caso, trata-se da consolidação, pelo reconhecimento do estatuto jurídico da Igreja, de posições já estabelecidas em vários setores do organismo político-jurídico brasileiro. O acordo, portanto, na condição histórica da Igreja Católica no Brasil, é um pacto que compendia e consolida normas esparsas, às vezes, de conteúdo consuetudinário, num todo orgânico e acessível. Esse encaminhamento nada tem a ver, pois, com entendimentos que apontam privilégios para uma determinada confissão religiosa em detrimento de outras. Não se pode contestar a presença histórica e secular consolidada e os serviços prestados à vida pela Igreja Católica. Serviços incontáveis nestes cinco séculos na sociedade brasileira.
Esta presença se desdobra em argumentos e convicção sobre a importância, direito e necessidade da proposição que a Igreja, por meio do seu órgão máximo de governo, a Santa Sé, encaminha como garantia de um relacionamento saudável e respeitoso entre instituições que servem ao povo e se comprometem com o bem comum. A liberdade religiosa individual, prevista e respeitada pela Constituição brasileira, não pode significar um simples nivelamento na consideração de confissões religiosas. Também não é a liberdade religiosa um simples sinônimo e garantia de condições igualitárias em se tratando da confessionalidade da fé, com suas práticas, seus instituídos e a instituição daí decorrente.
Quando se aborda a questão da laicidade do Estado, não se pode desconsiderar as características de respeitabilidade histórica, social e cultural que a vivência da fé escreve e inscreve na história de um povo. Não se pode cometer o desatino de nivelamentos que igualam condições, situações e prerrogativas apenas por se dizer que é um novo modo, até sem raízes, de se viver a fé. Tal como os procedimentos que fazem da fé um simples mercado mais do que serviço à vida, ou coloca o dinheiro como símbolo do sucesso no lugar de Deus, a escolha na contramão da espiritualidade do discípulo de Jesus Cristo, em se tratando da fé cristã. É importante observar o equívoco do entendimento que considera a laicidade do Estado como prerrogativa que o torna incompatível de acordo com uma instituição, enraizada religiosamente numa profissão de fé, como a Igreja Católica.
Mesmo quando esta instituição, na vivência de sua fé, por seus serviços, presta benefícios que o próprio Estado realiza. E, muitas vezes, não conseguiria prestar sem a presença solidária e comprometida, por esta mesma fé, pela ação múltipla dessa instituição. É preciso lembrar sempre a significativa presença da Igreja Católica no mundo da educação, da saúde, da promoção social, da conscientização cidadã, na vida do povo, especialmente dos pobres e no sustento da vida e de seu sentido. Com o acordo são respeitadas as indispensáveis garantias jurídicas para a Igrejas e se consolidam ganhos para o Estado na execução fiel de suas tarefas e serviços para o bem comum.
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