terça-feira, 11 de agosto de 2009

Lula quer reunião com Obama sobre bases

Folha de São Paulo 11/08/09

Em Quito, presidente sugere que americano participe de encontro da Unasul para discutir esse e outros temas que afligem região
"Convocação" foi feita após Chávez quebrar protocolo e criticar acordo entre Bogotá e Washington para ampliar presença militar dos EUA
Lula e Rafael Correa, anfitrião da cúpula de ontem da Unasul; equatoriano foi um dos que criticaram acordo entre Colômbia e EUA
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A QUITO

Depois de Hugo Chávez (Venezuela) incendiar a cúpula de ontem da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), Luiz Inácio Lula da Silva propôs "convocar" o americano Barack Obama para discutir com os 12 presidentes do bloco desde o uso de bases militares colombianas pelos EUA até a reativação da Quarta Frota em águas do Atlântico Sul.
"Em algum momento, a Unasul precisa convidar o governo dos EUA para uma discussão profunda sobre a relação deles com a América do Sul", disse.
Apesar de ter usado originalmente o verbo "convidar", Lula passou em seguida a falar em "convocar" ou "chamar Obama para uma conversa" e elencou reclamações contra os EUA: "Existem embaixadores que se metem em eleições em outros países, essa Quarta Frota nos preocupa profundamente por conta do pré-sal, e acho que nós deveríamos discutir tudo isso diretamente com o governo norte-americano".
Lula considerou fundamental a participação do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, na próxima cúpula -ele não foi ao Equador sabendo do clima belicoso que encontraria após a polêmica desencadeada nas últimas semanas pela intenção colombiana de ampliar o acesso americano a bases militares do país. O brasileiro advertiu que "não se pode colocar Uribe numa condição de réu".
Dizendo-se preocupado com o futuro da Unasul, ele afirmou: "Se não houver sinceridade e confiança, em vez de um organismo de integração, teremos um clube de amigos cercado de inimigos por todos os lados".
A cúpula de ontem era um encontro para assinatura de uma nota formal e só dois discursos -de Michelle Bachelet (Chile) e de Rafael Correa (Equador), uma deixando e o outro assumindo a presidência pro-tempore da Unasul.
Chávez quebrou o protocolo. Propôs uma discussão sobre as bases e ameaçou: "Ventos de guerra começam a soprar sobre a região. Isso pode se transformar numa nova tragédia".
Correa seguiu a mesma linha belicista. Classificou de "hipocrisia" dizer que a questão das bases é de soberania de cada país. "Então, quando é programa nuclear, tem de ser de soberania também. Quando o problema é contra os EUA, é uma ameaça planetária. Quando é contra a Venezuela e o Equador, é questão de soberania?"
O orador seguinte foi Evo Morales (Bolívia). Segundo ele, "é preciso salvar o próprio povo colombiano do avanço militar americano".
Enquanto Chávez, Correa e Morales assumiam o tom belicoso, a argentina Cristina Kirchner reclamou do "preocupante estado de beligerância na região, inédito e inaceitável".
Cristina ofereceu a Argentina como território neutro para a próxima cúpula do bloco, "onde Uribe não fique com a sensação de haver hostilidades".
Representante da Colômbia na cúpula, a vice-chanceler Clemencia Forero disse que "não houve, não há e nunca haverá bases militares estrangeiras na Colômbia". Segundo Forero, o acordo com os EUA não afeta terceiros países e visa "objetivos legítimos", como o combate ao narcotráfico.
Em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado americano reafirmou ontem que os EUA não instalarão bases militares na Colômbia e disse que o governo Obama "tem um plano muito positivo" para a América Latina.
Apesar de dominar a pauta da reunião, a questão das bases não foi incluída no comunicado final da cúpula da Unasul.
A Bolívia apresentou uma proposta de resolução declarando "preocupação e rechaço" contra a instalação de bases militares estrangeiras na região, mas não houve consenso entre os diplomatas.
Ao final, a reunião evidenciou o racha: de um lado, Venezuela, Equador e Bolívia; de outro, o Peru apoiou o argumento da Colômbia de que as bases não são americanas e a presença estrangeira é exclusivamente para o narcotráfico.
Sem consenso, a referência à questão acabou sendo suprimida da declaração.


Militares brasileiros não veem problema em acordo EUA-Colômbia
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

O acordo militar entre EUA e Colômbia não ameaça o Brasil. Tampouco o raio de ação de aviões americanos que eventualmente usarão instalações colombianas é uma preocupação particular para o país.
Essa é a opinião de um militar de alta patente do Exército brasileiro, compartilhada por ex-militares e analistas do tema. A fonte militar, familiarizado com temas da segurança da Amazônia, sustenta que, tal como apresentada até agora, a negociação para permitir o uso pelo Pentágono de até sete bases na Colômbia é um tema soberano do país de Álvaro Uribe. Frisa que Brasil e EUA têm excelente parceria militar.
À diferença da diplomacia brasileira, o militar tampouco vê problema no alcance das aeronaves que podem vir a ser utilizadas na Colômbia. Em termos de capacidade de monitoramento da Amazônia, por exemplo, pondera que a tecnologia americana mais potente "não está embarcada em aviões", mas em satélites com raio de ação muito maior.
O coronel reformado Geraldo Cavagnari, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, concorda: "Na análise desta situação, os militares são um pouco mais realistas".
A distância entre a abordagem do tema entre Presidência, Itamaraty e Ministério da Defesa também foi sinalizada pelo ministro Nelson Jobim.
Na sexta, em declarações reportadas pela Agência Brasil, o ministro da Defesa disse que as negociações entre Bogotá e Washington "estão vinculadas ao acordo antigo da Colômbia com os EUA sobre a questão do combate ao narcotráfico". Disse ainda que o tema não lhe "preocupa". Já para o chanceler Celso Amorim "há um fato novo", que exige "novas consultas" com ambos os países.

Venezuela, Brasil e Farc
O militar se mostra solidário ao pedido da Colômbia para que os países vizinhos como Venezuela e Equador reprimam as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) dentro de seus territórios. Questionada sobre a presença das Farc no Brasil, a fonte pontua a dificuldade de patrulhar 1.644 km de fronteira verde. Mas diz que o país trabalha em coordenação com serviços de inteligência da Colômbia e "não está de costas para o problema". A eventual presença das Farc, pondera, é que representaria "ameaça à soberania".
Tanto a fonte militar quanto Geraldo Cavagnari veem no acordo, ainda em negociação, um elemento de dissuasão frente à Venezuela.

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