JB online 24/08/09
Carlos Braga
O tratamento ao terrorismo e a autorização para que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) possa utilizar o grampo para monitorar ameaças ao país se transformaram nos dois principais impasses no debate que vem sendo travado dentro do governo para substituir a Lei de Segurança Nacional e criar a nova política de inteligência. O tema opõe os ministros da Justiça, Tarso Genro, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Felix, este favorável a uma nova lei que permita o uso do grampo em suspeitas de terrorismo e proteção a informações estratégicas.
O relatório da comissão interministerial que se debruça há meses sobre os dois temas deverá ser entregue na próxima semana ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o esboço para substituir a atual Lei de Segurança Nacional (LSN). Herança do período autoritário, a LSN vai receber uma nova denominação, Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito e Cidadania, que trará uma descrição mais precisa sobre o terrorismo. Pela legislação atual, embora modificada em 1983, a definição é tão genérica que pode considerar terrorismo qualquer ato político contra o governo.
"Essa lei está ultrapassada. Ainda segue a lógica da guerra fria", disse o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay. O novo projeto, segundo ele, vai abrigar mais os conceitos internacionais da era Barack Obama na presidência dos Estados Unidos - como o fechamento de Guantánamo - do que a exacerbada repressão autorizada por George W. Bush e que suprimiram direitos individuais depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. A lei brasileira terá como eixos principais os direitos individuais e a liberdade de imprensa como valor fundamental da democracia.
Se depender do ministro Tarso Genro, a nova legislação será a mais branda possível e só faria uma previsão de enquadramento para os casos em que se descubra no Brasil grupos ocupados com o financiamento do terrorismo internacional. Segundo uma fonte do ministério, Tarso acha que uma legislação dura - como a americana - poderia atrair retaliações, já que o Brasil é conhecido pelo pacifismo e a extrema hospitalidade com que recebe as colônias de imigrantes.
Num recente debate na Câmara, o general Felix afirmou que na hipótese de um terrorista internacional passar pelo país e não cometer nenhum crime, as autoridades não têm o que fazer. Ele acha que o Brasil só correria riscos se conquistar uma cadeira no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Felix defende um novo papel à Abin, com o uso do grampo telefônico e das demais ferramentas tecnológicas, para fazer frente ao terrorismo e proteger informações estratégicas em pesquisas sobre o agronegócio.
Se depender do general, caso se descubra uma ameaça real, a Abin resolveria, mas a manteria em segredo. Negar a ocorrência, segundo ele, é uma estratégia de inteligência.
"Sou contra a Abin usar o grampo. Essa é uma atribuição da Polícia Federal", disse o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Comissão de Segurança da Câmara.
No Ministério da Justiça, a posição é semelhante: nenhuma autoridade envolvida nos debates concordará em mexer na Constituição para autorizar o grampo, que é um recurso da investigação criminal. Como uma emenda mexeria com uma cláusula pétrea, a alternativa do GSI seria redefinir o papel da Abin, dando à agência um papel de investigação. O choque então, seria com a Polícia Federal.
"A Abin produz informe e quem produz informe não precisa fazer grampo", disse o deputado Laerte Bessa (PMDB-DF), que é também delegado de polícia. Seu correligionário, Marcelo Itagiba (RJ), delegado federal, afirmou que o grampo autorizado pela Justiça é atribuição exclusiva da polícia e alertou que estender esse papel a uma agência criaria um sério risco de se perder o controle e descambar para a espionagem.
Itagiba e Jungmann acham, no entanto, que o Brasil - embora não seja um alvo - já abriga células do terrorismo internacional. A base da argumentação dos parlamentares é o depoimento do delegado federal Daniel Lorenz, atual adido policial na Colômbia, na Comissão de Segurança da Câmara. O policial descreveu uma escalada onde os terroristas primeiro usavam o Brasil como rota, depois como esconderijo, mais tarde como ponto de cooptação e, na última fase detectada pelas investigações, para coordenar atos em outros países. Citou o caso do libanês preso este ano em São Paulo no momento em que usava a internet para organizar ações em outros países.
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